A Câmara dos Deputados aprovou neste mês o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 72/2024, que classifica os repasses de recursos para despesas dos hospitais universitários federais em financiamento e investimento como ações e serviços de saúde pública. Na prática, esses recursos passaram a integrar o cálculo do gasto mínimo constitucional com saúde. Aprovada pelo Senado no início de julho, a matéria segue agora para sanção presidencial.
O texto determina que os recursos para custeio e investimento em hospitais universitários federais — inclusive os destinados por emendas parlamentares — poderão ser repassados por meio da descentralização dos créditos orçamentários do Fundo Nacional de Saúde (FNS) para as próprias instituições ou para o ente público responsável pela administração dos hospitais. desses hospitais, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), vinculada ao Ministério da Educação.
A matéria exclui as despesas com pessoal do cálculo do gasto federal mínimo constitucional com saúde, que representa 15% da receita corrente líquida da União. Em entrevista com Agência Brasilo presidente da Ebserh, Arthur Chioro, avaliou que o projeto traz alívio orçamentário aos hospitais universitários federais e segurança jurídica para que o Ministério da Saúde possa destinar recursos discricionários e emendas parlamentares.
Chioro classificou a aprovação como uma espécie de marco para os hospitais universitários federais, pois permite avançar na resolução de um problema que já se arrasta há anos, com prejuízos, segundo ele, no atendimento à população. Para o presidente da Ebserh, o texto reforça a importância desses hospitais para o Sistema Único de Saúde (SUS), além do seu potencial no ensino e na pesquisa.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
Agência Brasil: Alguma chance deste projeto não ser sancionado?
Artur Chioro: Nenhum. Até porque o projeto é de autoria do senador veneziano Vital do Rêgo [MDB-PB]mas foi construído por muitas mãos. Foi uma iniciativa do próprio governo – Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Casa Civil, Ministério do Planejamento, nós, aqui, da Ebserh. Construímos juntos. Precisávamos encontrar uma solução para um problema que vinha desde 2016, quando o Tribunal de Contas da União [TCU] publicou decisão e houve o entendimento de que o Ministério da Saúde, ao transferir recursos para a Ebserh e hospitais universitários federais, por serem vinculados ao MEC, esses recursos não poderiam ser contabilizados no mínimo constitucional para a Saúde. Não, isso foi proibido. Só que não contou no mínimo e, por isso, num contexto de dificuldades orçamentais, praticamente inviabilizou o processo.
Agência Brasil: Qual o impacto da sanção para os hospitais universitários federais e para a Ebserh?
Chioro: Em 2020, quando os efeitos da alteração do teto já sufocavam os orçamentos dos ministérios, o então ministro [da Saúde]Henrique Mandetta, cortou todas as verbas que o Ministério da Saúde fazia para fortalecer os hospitais universitários federais. Os hospitais universitários federais já enfrentavam dificuldades devido à decisão. A partir daí, não houve recurso do Ministério da Saúde. Isso fez com que os 45 hospitais hoje administrados pela Ebserh passassem a viver uma situação crítica. Ao deixarem de receber recursos dos programas do Ministério da Saúde e das emendas parlamentares de 50% que são obrigatórias na saúde, esses hospitais ficaram literalmente para trás. Criou-se uma situação muito injusta: senadores e deputados podiam usar os 50% do total de emendas que tinham para enviar para um hospital municipal ou estadual, para uma santa casa, mas não podiam para um hospital universitário federal. Por que? Porque ele é de outro ministério.
Resumindo: esse projeto interfere, em primeiro lugar, no aproveitamento integral dos recursos do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]incluindo a saúde, para as nossas prioridades de expansão e construção de novos hospitais; segundo, na utilização de recursos do Ministério da Saúde, programas, estratégias e políticas prioritárias para hospitais universitários federais; e, terceiro, na captura de alterações parlamentares, individuais, de bancada e de comissões. Poderia ter sido antes? Poderia. Mas agora, reconhecendo que os hospitais universitários da Ebserh são hospitais do SUS e para o SUS, também poderão destinar recursos. Isso muda. Proporciona mais sustentabilidade.
Agência Brasil: Pelo texto, o cálculo do gasto federal mínimo constitucional com saúde não precisa mais considerar gastos com pessoal ativo e inativo dos hospitais universitários federais. Isso resolve toda a equação?
Chioro: Resolve 100%. E deixa claro que os recursos do Ministério da Saúde não podem ser utilizados para pagar funcionários ativos e inativos. Isso já estava na lei anterior, mas houve um certo reforço para sinalizar à opinião pública, aos secretários estaduais e municipais e aos governadores que não se tratava de repassar a conta dos hospitais universitários ao Ministério da Saúde. O MEC, com isso, significa que você continua pagando pelo que estava mais caro. Hoje, nas operações hospitalares, quando olhamos o custo total dos nossos hospitais, 73% equivale à folha de pagamento ativa e inativa. E isso continua sendo pago pelo MEC. O que o Ministério da Saúde reforça são reformas, ampliações, aquisição de equipamentos e recursos para melhorar o atendimento.
Agora, já não há motivos para questionar os órgãos de controlo e o conjunto de órgãos da administração pública e de fiscalização. O governo conseguiu fazer uma mudança na legislação que fornece base legal para fortalecer e melhorar os hospitais universitários.
Agência Brasil: O projeto traz alívio orçamentário aos hospitais universitários federais?
Chioro: Ela traz muito impulso, fundamenta nosso planejamento e ajuda em um movimento muito importante para o Brasil que é qualificar o uso das emendas parlamentares. Estamos apresentando aos deputados e senadores um pedido que é baseado no planejamento, ou seja, baseado em necessidades concretas. Então, há as alterações obrigatórias e será utilizado o orçamento do Ministério da Saúde. Temos total segurança jurídica. Para recursos discricionários, recursos de investimento, como os do PAC, e de emendas parlamentares, que são destinados pelos parlamentares no orçamento de saúde dos hospitais universitários federais. Resolvido. O que isso significa para nós? Segurança, previsibilidade, capacidade de planeamento e garantia de desempenho destes hospitais atualizar fantástico. Estou muito feliz e muito esperançoso, como gestor de hospitais universitários federais.
Vou dar um exemplo bem concreto: o Ministério da Saúde vai renovar o parque de aceleradores lineares para tratamento do câncer. E poderemos receber os equipamentos sem nenhum problema do ministério não conseguir calcular como despesa em saúde, nos 15% da receita corrente líquida. Não fazia sentido a nossa lei determinar que só podemos atender pelo SUS, mas não contabilizar o que a saúde repassa para a Ebserh.
Agência Brasil: Com esses gastos sendo questionados, o atendimento prestado pelos hospitais universitários federais à população foi prejudicado?
Chioro: Todas essas questões resultaram na falta de processo de manutenção. Os hospitais não podiam ser ampliados nem ter infraestrutura adequada, estavam ficando para trás do ponto de vista de medicamentos e tecnologias, com equipamentos e tecnologias obsoletos. E um hospital universitário é uma ilha de excelência em formação e investigação. Não pode ficar para trás do ponto de vista da incorporação de novas tecnologias. Você tem que liderar esse processo no país. Desempenham um papel naquilo que chamamos de serviços de alta complexidade, ou seja, nos serviços mais especializados, tanto na área de diagnóstico, como no tratamento e na reabilitação. Nossos hospitais estavam enfrentando dificuldades para cumprir o serviço e ficando para trás. Portanto, a aprovação deste projeto de lei é essencial.
Quando assumimos a Ebserh, em março do ano passado, iniciamos imediatamente o planejamento estratégico de quais hospitais precisaríamos reformar ou ampliar, bem como construir novas unidades. Assim que o PAC foi inaugurado, conseguimos priorizar 38 grandes obras, o que equivale a R$ 1,7 bilhão em investimentos. Temos 45 hospitais universitários federais e 38 grandes projetos. Desse R$ 1,7 bilhão, R$ 1,3 bilhão são destinados ao orçamento do Ministério da Saúde. Mas, para que esses recursos fossem utilizados, precisávamos resolver esse impedimento que a decisão do TCU tinha e que estava expresso na lei.
Agência Brasil: Como você avalia o papel desses hospitais na formação de profissionais de saúde, no desenvolvimento de pesquisa e inovação e no atendimento aos pacientes do SUS?
Chioro: Hoje, temos 55 mil alunos de graduação em processo de formação. É uma responsabilidade enorme porque são os maiores centros de formação de mão de obra qualificada para o sector da saúde e outras áreas. Além disso, contamos com mais de 9 mil residentes, tanto em residência médica como multidisciplinar. É o maior centro de formação de especialistas. Cada vez mais, principalmente com essas medidas que estamos obtendo, com mais financiamento garantido, poderemos fortalecer o papel formador da Ebserh e dos hospitais universitários federais. Do ponto de vista da investigação, começámos, de facto, a reconhecer a importância e a criar condições para que estes hospitais possam realizar investigação em rede.
Estamos investindo fortemente em centros de pesquisa clínica, mas também avançando em pesquisas em outras áreas: gestão, integração de redes, humanização do atendimento, novas tecnologias, saúde digital, saúde indígena, saúde da mulher. Os nossos hospitais, além de funcionarem bem isoladamente, precisam de aproveitar o que a rede lhes permite fazer, entre outras coisas, partilhar educação e formação, investigação e diagnóstico.
Agência Brasil: No início do mês, o ministro da Educação, Camilo Santana, disse que estuda a construção de novos hospitais universitários federais. A solução é, de facto, construir mais hospitais ou existem outras estratégias?
Chioro: Existem outras estratégias também. Vou dar um exemplo: acabamos de assumir a gestão de um hospital estadual de Roraima que foi doado à universidade federal. Já estamos reformando e vamos ampliar o local. Então, em vez de construir do zero, assumimos um hospital que cumpria uma função limitada, era um hospital de clínica médica, com 112 leitos e que funcionava com muita dificuldade. Os trabalhos de construção da primeira unidade hospitalar de referência em saúde indígena estão bastante avançados, no esforço do governo para enfrentar a crise Yanomami.
Estamos fazendo a mesma coisa no Acre. Temos até recursos previstos no PAC. Mas, em vez de construir um novo hospital, há uma negociação em andamento com o governo do estado para que possamos assumir um hospital que já existe e fazer melhorias e ampliações. No município de Paulo Afonso [BA]havia a possibilidade de assumir um hospital. Mas era um hospital tão antigo e inconformista que a avaliação técnica mostrou que não valeria a pena. Então vamos construir um novo. Em Lavras [MG]assumimos um projeto que estava parado há dez anos. 80% da obra está pronta. Lá, o projeto é retomar essas obras. Portanto, estamos construindo soluções híbridas.
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