A superação pode estar no sobrenome de Mylena Garcia da Silva. Sem nenhum tipo de exagero. A paulistana tem 7 anos e travou uma batalha pela vida antes mesmo de nascer. Luciana Garcia da Silva, sua mãe, recebeu dos médicos a notícia de que sua segunda filha nasceria prematuramente, com quatro ou cinco meses de gestação e correndo risco de não sobreviver se não houvesse intervenção médica.
Luciana ficou dois meses internada em um hospital de São Paulo. “Eles me deram remédios para ficar com Mylena até os nove meses de idade”, lembra ela.
Na hora de dar à luz, foi outro desafio. Ele não teve tempo de chegar à maternidade. “Mylena nasceu no carro. Eu mesma fiz o parto”, diz a mãe.
O bebê nasceu saudável, mas com o tempo os pais perceberam algo diferente. Com um mês de idade, Mylena ainda não se movia. “Ela engoliu a sujeira do nascimento. A partir daí pensamos que ocorreram problemas motores de Mylena”, diz ela.
A criança começou a fazer tratamentos para atrofia muscular e também foi confirmado o diagnóstico de TEA (Transtorno do Espectro Autista). Com medicamentos e outras terapias, o quadro clínico da menina melhorou.
Segundo a mãe, uma evolução ainda maior veio com a equoterapia realizada no Regimento de Cavalaria PMSC (Polícia Militar de Santa Catarina), em São José, na Grande Florianópolis, onde mora a família. “Ela não mexia as mãos, tinha dificuldade para sentar e se movimentar. Hoje em dia ela chega na terapia e senta. Antes era atrofiado, hoje está mais desenvolvido. Eles [os profissionais] Colocaram Mylena nas costas e deitaram-na no cavalo. Ela se desenvolveu muito e está muito feliz”, descreve. Esses resultados vieram após apenas cinco meses de tratamento.
Na equoterapia, o cavalo é protagonista de uma metodologia terapêutica que envolve uma abordagem multidisciplinar com profissionais das áreas de saúde, educação e equitação. A terapia busca desenvolver a coordenação motora e estimular as habilidades cognitivas de pessoas com deficiência por meio da interação entre o paciente e o cavalo.
A psicóloga Victoria Thereza Zulian Rossa esclarece que o método não é utilizado de forma isolada e única. “A equoterapia funciona como terapia complementar, aliada à fonoaudiologia, psicologia, psicoterapia”, destaca.
Uma “tropa” de tratamento
A equoterapia é um dos projetos sociais mais antigos e importantes da PMSC. É um serviço gratuito oferecido através de parceria com FCEE (Fundação Catarinense de Educação Especial).
O convênio entre as duas instituições foi assinado em 2 de outubro de 1998. Mais de mil crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos foram atendidos pelo projeto. Os cavalos utilizados nas sessões precisam ser dóceis, calmos e corajosos para não colocar em risco a vida do praticante.
O tenente-coronel Rafael Carlos Dutra, comandante do regimento de cavalaria São José, explica que os animais geralmente são mais velhos e experientes.
“Selecionamos dentro do nosso efetivo animais que já passaram por diversas situações de policiamento. Eles foram testados com barulho, fogos de artifício, estímulos diversos e pareciam calmos e tranquilos o tempo todo”, afirma.
Um dos cavalos é Ebreu, de 16 anos. O olhar sereno parece acalmar quem chega perto. Ajudou a PMSC no patrulhamento das ruas e participou de manifestações e eventos com o público. Quando se aposentou, assumiu uma função na equoterapia.
O cabo Gabriel Moraes de Queiroz é um dos pilotos da PMSC e um dos pilotos do Ebreu. O projeto está em andamento há cinco anos. Entre as histórias que ficaram na minha memória estava a de uma criança com paralisia cerebral que tinha um problema no braço esquerdo. Os profissionais insistiram na terapia para recuperar a movimentação do membro superior acometido pela doença.
Não aconteceu da noite para o dia, mas o resultado veio. “Um dia ela carregava seu próprio capacete e colocou o objeto com a mão esquerda em um banco. Pequenas coisas que fazemos aqui fazem uma grande diferença na vida dessas pessoas.”
Método envolve equipe de especialistas para aumentar resultados Além da polícia, o atendimento é acompanhado por especialistas da FCEE.
Psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e educadores físicos fazem parte da equipe que atende 40 pacientes por semana no quartel-general da cavalaria da PM em São José. “Notamos uma evolução muito rápida em vários praticantes, principalmente com alguma deficiência física. Melhoram a postura, a socialização, a comunicação, porque a movimentação do cavalo contribui para isso”, explica a psicóloga Victoria Theresa Zulian Rossa.
Ela ressalta, porém, que em crianças com Transtorno do Espectro Autista o resultado pode demorar mais para aparecer. Alguns progridem em passos de bebê e outros muito mais rápido do que fariam se recebessem apenas terapias convencionais. Tudo é muito relativo e depende do quadro clínico de cada paciente.
Na sessão, com duração de 30 minutos, os profissionais trabalham na mudança da postura dos pacientes cavalgando para frente e para trás, e até deitados sobre o animal para melhorar a independência, o equilíbrio e a autonomia motora.
“Tem muita criança que tem hipotonia, que é fraqueza muscular. Trabalhamos força, posturas em pé, subir e descer, exercitar no cavalo, tudo de forma muito lúdica. Brincar com a criança para ela pensar que está brincando quando na verdade está fazendo um trabalho pesado no cavalo”, explica a fisioterapeuta da FCEE Fernanda Nathanny Silva Rodrigues.
Sensibilidade do cavalo e criação de vínculo emocional
O cavalo é um dos animais mais sensíveis do planeta. Ele tem a capacidade de perceber a mão ou perna trêmula do cavaleiro. Ele pode sentir o medo de uma pessoa que se aproxima dele. Você pode relutar em seguir o caminho quando se deparar com uma situação perigosa.
Apesar de ter vontade e força próprias, ele cria um vínculo afetivo com o ser humano quando sente uma relação mútua de confiança. A capacidade de percepção extra-sensorial faz do cavalo um animal único em terapias alternativas para melhoria da capacidade motora e cognitiva de pessoas com deficiência.
A marcha do cavalo é outro fator levado em consideração nos resultados alcançados com a equoterapia. Gilson Dias Pereira, educador físico da FCEE, relata que o andar do animal é muito semelhante ao movimento do caminhar humano, promovendo os estímulos necessários para o desenvolvimento global de crianças e adolescentes com deficiência.
“São mais de 1.200 estímulos em uma sessão de 30 minutos. Então essa criança está sempre desenvolvendo estímulos de percepção. O animal também sente, faz bem à criança, está sempre cuidando e observando.”
Adrian Gabriel da Silva Kuster tem 5 anos. Os pais ficaram um ano na lista de espera para conseguir uma vaga em equoterapia e iniciar o tratamento complementar do filho autista. Eles moram em Águas Mornas, na Grande Florianópolis, onde trabalham na fazenda.
Toda semana levam Adrian para a cavalaria da PM em São José. “Começamos este ano e estamos adorando”, comemora Sidinei Kuster, pai de Adrian.
Em menos de seis meses de tratamento, sua mãe, Ariana Karine da Silva Kuster, viu o menino desenvolver sua postura e habilidades sensoriais. “Em relação aos cheiros, experimentação com crina e textura do cavalo. Costumamos dizer que ele era uma plantinha. Hoje ele quer explorar as coisas, sair do lugar, entender as coisas”, descreve a mãe.
O cabo Gabriel faz questão de destacar isso. “O grande ator nisso tudo é o cavalo. É um animal muito dócil e que nos ajuda, ou nós ajudamos, a tentar levar um pouco mais de qualidade de vida para essas famílias, um pouco mais de aprendizado para essas crianças”, explica.
Como acessar o serviço
A equoterapia em parceria entre PMSC e FCEE é voltada para crianças e adolescentes entre quatro e 17 anos. Além disso, você deverá atender a um dos diagnósticos clínicos contemplados pelo projeto.
O atendimento é direcionado a portadores de deficiência intelectual moderada ou grave, deficiência múltipla, TEA (Transtorno do Espectro Autista) nível 2 ou 3, distúrbios que envolvam estruturas e funções do SNC (Sistema Nervoso Central) ocorridos durante o período de desenvolvimento neuropsicomotor, além aos alunos atendidos no SPE (Serviço Pedagógico Específico) da Cevi (Centro de Educação e Vivência) e que não frequentam o Programa de Reabilitação.
A porta de entrada para o atendimento é através da FCEE, responsável pelos encaminhamentos dos pacientes. No Regimento de Cavalaria PM em São José as sessões acontecem às terças e sextas-feiras. A equoterapia também é oferecida nos regimentos de Chapecó, Criciúma, Joinville e Lages.
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