A Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), vinculada à Fiocruz, promoveu nesta quarta-feira (3), no Rio de Janeiro, o debate Acesso ao aborto legal no SUS: Como acolher e garantir direitos?. A coordenação ficou a cargo do grupo Observatório do SUS.
Pesquisadores e especialistas presentes no evento destacaram as principais dificuldades que as mulheres enfrentam no acesso ao procedimento no sistema público de saúde.
O encontro tem como base a proposta do Projeto de Lei 1.904/2, que prevê autorização para aborto legal até 22 semanas de gestação, mesmo em casos de violência sexual. Também aumenta a pena máxima para quem realiza o procedimento, equiparando a interrupção da gravidez ao homicídio.
“Não tem mulher estuprada que, por despeito, vai levar a gravidez até 22 semanas porque quer ver o feto nascer prematuro, sofrer, ir para UTI e sofrer danos. Não existe tal mal. Ela não se atrasou porque foi culpa dela. Permitiu chegar até aqui por causa do Estado brasileiro, que fechou todas as portas”, disse Olímpio Moraes, diretor médico da Universidade de Pernambuco (UPE).
Debora Diniz, antropóloga, professora da Universidade de Brasília e defensora dos direitos reprodutivos das mulheres, entende que a repercussão do projeto foi pior do que o esperado pelos grupos que o defenderam. Portanto, segundo ela, agora é o momento de avançar na luta pela justiça social reprodutiva, sem abrir mão do conhecimento científico.
“A questão do aborto, como outras na saúde pública, não é uma questão de favor ou contra. Não se trata de se confundir e não falar de ciência. As religiões devem ser respeitadas, mas não são elas que determinam a vida pública e o bem comum. Que tal trazermos, das intensas semanas de aprendizado sobre esse brutal projeto de lei, um exercício de reflexão e consideração sobre como podemos falar e como devemos continuar o debate público sobre a urgência de descriminalizar o aborto? Descriminalizar não é legalizar. Temos evidências sólidas que podem levar à redução do número de abortos”, defendeu Debora Diniz.
Elda Bussinguer, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), disse que além da pressão pelo atual cumprimento da lei, é preciso organizar uma reação pública da sociedade civil, entendendo que o projeto vai além de uma questão moral ou religiosa emitir.
“Esse é um projeto de poder sobre os corpos femininos, de silenciar as mulheres. Da objetificação dos corpos femininos. Precisamos quebrar o pacto de silêncio que mantém milhares de meninas em todo o país sendo estupradas todos os dias. Pelos seus pais, tios, irmãos, primos e até religiosos, que rompem com todos os princípios que afirmam defender e mantêm as mulheres violadas e silenciadas”, disse Elda.
Aborto Legal
A legislação em vigor no país prevê que a mulher tem direito ao aborto nos casos de gravidez resultante de estupro, se a gravidez representar risco à vida da mulher e se se tratar de caso de anencefalia fetal. Mas o facto de existir esta disposição legal não garante que as mulheres serão capazes de alcançar os seus direitos da forma que deveriam.
“É uma política oculta. Dependendo do gestor responsável, ele desaparece, fica escondido. Se você procurar no Brasil onde há acesso ao aborto previsto em lei, você terá muita dificuldade online. Posso saber onde tem quimioterapia, pré-natal de alto risco, doação de órgãos, mas o aborto não dá à população o direito à informação. Três vírgula seis por cento dos municípios possuem serviço de violência e aborto previsto em lei. É muito pouco”, disse Olímpio Moraes.
O diretor médico da Universidade de Pernambuco (UPE) lembrou que apenas 6 das 27 unidades federativas disponibilizam informação pública sobre o aborto no país. sites das secretarias de saúde. E pode levar, em média, dois a três meses para uma mulher grávida encontrar um programa que a acomode. Além disso, reforçou que as principais vítimas deste cenário são as mulheres jovens, pobres e negras.
Olímpio Moraes defendeu que os obstetras precisam cumprir o que diz a legislação, principalmente porque sua formação profissional já inclui aprendizados relacionados ao aborto legal.
“A objeção de consciência é um direito, mas quando você é recrutado. Os médicos do SUS não estão lá para defender crenças. Nosso chefe é o Estado brasileiro. Para todos os obstetras que vão realizar obstetrícia, já existem EPAs [competências de determinada prática médica]. Existem 21 habilidades que um médico deve aprender para se tornar obstetra. E lidar com casos de violência contra a mulher e aborto está entre eles. Ele será treinado para isso. Ele não pode dizer que tem uma objeção de consciência. Se ele tiver isso, ele vai fazer dermatologia. Quem paga é o SUS. Estamos trabalhando para que não exista essa desculpa, o que não é aceitável”, afirmou Olímpio.
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