Lula diz que STF, ao ‘se meter em tudo’, cria ‘rivalidade’ ruim para a democracia Por Estadão Conteúdo

Alinhado aos posicionamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) desde o início de seu terceiro mandato no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu seu primeiro e mais crítico movimento em direção à Corte durante entrevista ao UOL, nesta quarta-feira, 26. Ao abordar a discussão sobre a descriminalização do porte de maconha, aprovada anteontem pelo STF, Lula disse que o tribunal “não precisa se envolver em tudo”. A declaração representa também um gesto ao Congresso, que reclama abertamente do que chama de “ativismo político” do Judiciário.

Em seu discurso, Lula manifestou preocupação com a atuação do STF, citando que a situação “começa a criar uma rivalidade que não é boa para a democracia, nem para o Supremo, nem para o Congresso Nacional”. “O Supremo Tribunal não tem de se envolver em tudo. Precisa de assumir as coisas mais sérias sobre tudo o que diz respeito à Constituição”, disse ela. “Você não pode pegar nada e discutir.”

Com dificuldades em consolidar uma base mínima para aprovar propostas de seu interesse, Lula tem enfrentado reiterados problemas com o Parlamento, justamente por essa falta de apoio. Ao criticar a interferência excessiva do STF nas agendas que o Congresso poderia legislar, Lula sinaliza um gesto de apoio ao que os parlamentares vêm reivindicando, que é a menor participação dos ministros da Corte nesse tipo de debate.

Na prática, Lula tenta blindar a discussão sobre a descriminalização do porte de maconha de uma espécie de “vingança” entre deputados e senadores sobre o tema, o que poderia levar a uma radicalização em torno da discussão, como ocorreu recentemente no Projeto de Lei do Aborto (mais informações nesta página).

Juscelino

Na entrevista, o presidente foi questionado sobre o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil). Lula indicou que afastará o auxiliar caso ele seja denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF). Lula falou em indiciamento, embora o ministro já tenha sido indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de corrupção passiva, fraude em licitações e organização criminosa. Juscelino é suspeito de participar de esquema para desvio de emendas parlamentares em 2022. O ministro diz ser inocente e que a ação da PF foi “política e previsível”.

O presidente disse não saber se o União Brasil permanecerá no cargo caso Juscelino seja afastado. Segundo ele, isso ainda seria discutido. “Não gosto de antecipar discussões”, declarou. “Quando o fato concreto se apresentar, vou me reunir com o pessoal do União Brasil e saber se eles querem continuar.”

Bolsonaro

Sobre seu antecessor no Planalto, Lula disse defender a “presunção de inocência” do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas afirmou que ele “tentou dar o golpe”. “O que defendo para ele, defendo para mim: que ele tem direito à presunção de inocência, que tem direito a defender-se e a ser ouvido”, declarou. “Não quero que ele seja condenado ou que ele seja inocentado, quero que ele seja julgado corretamente”. O presidente, porém, acrescentou: “Que ele tentou dar o golpe, ele tentou. Isso é visível”.

8 de janeiro

Lula afirmou ainda que o governo brasileiro está negociando com a gestão de Javier Milei para que os fugitivos dos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 cumpram suas penas na Argentina, caso não queiram retornar ao Brasil. O petista afirmou que a administração federal está tratando o assunto da “forma mais diplomática possível”.

Segundo o chefe do Executivo brasileiro, os ministros da Justiça, Ricardo Lewandowski, e das Relações Exteriores, Mauro Vieira, além do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, estão tratando do assunto com o governo argentino. “(Eles) estão discutindo o seguinte: se os caras (condenados pelos atentados de 8 de janeiro) não querem vir, que sejam presos lá e fiquem na Argentina, ou venham para cá”, declarou o petista na entrevista.

Na semana passada, o governo Javier Milei enviou ao Itamaraty uma lista com dados de brasileiros condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro que entraram no país vizinho e são considerados foragidos da justiça. Investigadores no Brasil tentam descobrir o paradeiro de 143 pessoas condenadas por participarem da tentativa de golpe.

Por meio da cooperação do adido, a Polícia Federal obteve informações de que pelo menos 47 réus já condenados ou com mandado de prisão pendente de fato fugiram para a Argentina e fizeram pedidos de asilo ao chegarem ao país vizinho.

Na entrevista, Lula afirmou que ainda não conversou com Milei desde sua eleição, em novembro do ano passado, e só abrirá o diálogo com um pedido de desculpas. “Acho que ele tem que pedir desculpas ao Brasil e a mim. Ele disse muitas bobagens.”

Eleições

O presidente foi questionado sobre uma possível candidatura à reeleição em 2026. Ele citou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e outros três chefes de executivos estaduais – Romeu Zema (Minas Gerais), Ronaldo Caiado (Goiás) e Ratinho Jr. (Paraná) – como possíveis candidatos presidenciais do campo bolsonarista (o ex-presidente é inelegível até 2030).

“Quando mencionei o Tarcísio (em entrevista na semana passada), não é só ele. O bolsonarismo tem perspectiva de ter quatro candidatos (em 2026). Tem o Tarcísio, governador do estado mais importante, o Zema, o Caiado e o Ratinho Jr. Eu sei se eles serão”, disse ele.

Sobre as eleições autárquicas deste ano, o presidente voltou a afirmar que o PT pretende ter candidatos em municípios onde tenham condições de concorrer. Em outras cidades, disse ele, o partido deve apoiar “aliados importantes”. (VICTOR OHANA, GABRIEL HIRABAHASI E SOFIA AGUIAR COLABORAM) A informação é do jornal O Estado de S. Paulo.