A adoção do financiamento público das campanhas, a ausência de regras mais rígidas para a distribuição interna dos partidos e o curto prazo para análise dos autos pela Justiça Eleitoral possibilitam o desperdício de milhões de reais a cada eleição.
Parte dos recursos é utilizada pelos partidos para apoiar candidatos inviáveis nas urnas e que, durante a campanha ou somente após a declaração do resultado, têm sua participação vetada judicialmente.
Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tabulados por Estadão mostram que candidatos considerados inaptos receberam R$ 27,5 milhões de verbas eleitorais e partidárias nas eleições de 2020.
O número considera apenas transferências diretas para contas de candidatos.
Do valor, apenas R$ 1,4 milhão foi devolvido às partes ou redirecionado para outros concorrentes, o que permite estimar que campanhas inócuas consumiram cerca de R$ 26 milhões naquele ano.
O prejuízo aos cofres públicos deverá ser maior este ano, já que o fundo eleitoral é de R$ 4,9 bilhões, mais que o dobro dos R$ 2 bilhões liberados há quatro anos.
Com mais dinheiro, aumenta a chance de uma quantidade maior de recursos ir parar nas contas de candidatos rejeitados, cassados e que abandonam a campanha no meio do caminho.
A maior parte dos recursos contabilizados refere-se a políticos que foram barrados quando seus registros de candidatura foram analisados pela Justiça Eleitoral.
Os processos costumam demorar e os candidatos podem fazer campanha até que uma decisão definitiva do TSE os tire da disputa.
Entretanto, nada os impede de gastar dinheiro público para pedir votos.
Especialistas atribuem esse problema ao fato de o registro das candidaturas ocorrer pouco antes do início da campanha, o que impossibilita que os problemas sejam identificados a tempo de impedir que os políticos recebam recursos públicos e apareçam na propaganda eleitoral no rádio e na televisão, o que também gera custos para as autoridades públicas.
O caso mais extremo ocorreu em Coari (AM). Adail Filho (PP) gastou R$ 690 mil em sua tentativa de reeleição na cidade.
Foram gastos R$ 352 mil em material gráfico, além de R$ 175 mil para colocar ativistas nas ruas e distribuir panfletos, segundo as demonstrações financeiras.
Folha em branco
Adail recebeu pouco mais de 22 mil votos (59%). Nos primeiros dias de dezembro daquele ano, porém, o Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas indeferiu o registro, anulando o resultado.
O motivo foi que seu pai, Adail Pinheiro, eleito em 2012, teve o mandato cassado dois anos depois pela Lei da Ficha Limpa.
Como Adail Filho comandou a prefeitura entre 2016 e 2020, a Justiça entendeu que o mesmo núcleo familiar assumiria o terceiro mandato consecutivo em Coari, o que é proibido por lei.
O atual deputado federal afirmou, através do seu advogado, que a candidatura se baseou “numa interpretação absolutamente razoável e de boa-fé da legislação eleitoral”, porque o mandato do seu pai tinha sido interrompido.
Ele destacou ainda que obteve decisão favorável em primeira instância.
“No momento do desembolso das despesas de campanha, o deputado não teria como adivinhar que a Justiça Eleitoral adotaria um entendimento diferente daqueles formalmente existentes no período eleitoral”.
A eleição em Coari teve que ser refeita. A eleição foi vencida por Keitton Pinheiro, primo de Adail. Este ano, o clã planeja a volta de Adail Pinheiro, agora com os Republicanos, à prefeitura.
Seu histórico traz condenações por desvio de recursos públicos e envolvimento em rede de exploração sexual de crianças e adolescentes.
Em Santos Dumont (MG), o pecuarista Bebeto Faria concorreu à prefeitura pelo ex-DEM, hoje União Brasil, e fez campanha até o fim, mesmo com decisão de primeira instância indeferindo sua inscrição semanas antes do primeiro turno. Ele terminou em terceiro lugar.
Mesmo assim, teve o maior gasto entre todos os concorrentes, com R$ 510 mil do fundo eleitoral.
Bebeto Faria foi barrado com base na Lei da Ficha Limpa, por ato de improbidade.
O ex-autarca, que deverá concorrer este ano pelo PSD, disse Estadão que a decisão ocorreu duas semanas antes das eleições, que “já tinha feito despesas de campanha, tudo dentro da lei”, e que a sua prestação de contas foi aprovada.
Ele disse estar confiante na reversão da sentença, mas o caso foi arquivado por perda do objeto.
Rejeitado
O levantamento de Estadão mostra que, dos R$ 26 milhões gastos por candidatos inaptos em 2020, mais da metade entrou nas contas de políticos que tiveram suas inscrições indeferidas ou que não atendiam aos requisitos mínimos.
Esse escopo inclui nomes barrados pela Lei da Ficha Limpa; porém, só é possível detalhar a data das decisões e o motivo específico analisando cada um dos milhares de casos envolvidos.
Os gastos dos políticos que desistiram de concorrer antes da votação chegaram a R$ 4 milhões. Para especialistas, esse número é inflado por candidaturas que tiveram um primeiro revés na Justiça e desistiram da corrida para que o partido indicasse um substituto.
A informação é do jornal O Estado de S. Paulo.
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