A decisão do Superior Tribunal de Justiça de só autorizar o compartilhamento dos dados do Coaf com a Polícia e o Ministério Público quando, de fato, houver uma investigação formal em andamento põe fim à ‘expedição de pesca ilegal’, na opinião de advogados criminais.
Conrado Gontijo, doutor em Direito Penal Econômico pela USP, observa que a exigência de autorização prévia da Justiça para o Conselho de Controle de Atividades Financeiras divulgar informações foi dispensada pelos tribunais superiores. Mas ele argumenta, em consonância com decisão do STJ do dia 18, que os dados do Coaf só poderão ser obtidos pela autoridade policial ou pelo Ministério Público exclusivamente quando já tiver sido formalmente instaurado procedimento de investigação.
Fora dessa hipótese, no entendimento de Gontijo, ‘está abrindo um caminho perigoso para ações arbitrárias e violações ainda mais graves de direitos fundamentais’.
“É preciso reconhecer que os dados do Coaf são essenciais nas investigações criminais, mas o acesso a eles precisa ser feito com total discrição e formalização, evitando abusos e pescarias ilegais”, alerta.
O julgamento da última terça-feira, 18, foi realizado pelos ministros da Quinta Turma do STJ. Os advogados avaliam que o resultado é uma ‘reviravolta’ em relação a outro julgamento, ocorrido em maio, quando, por unanimidade, o painel validou o compartilhamento de informações financeiras confidenciais com órgãos de investigação criminal sem necessidade de autorização judicial prévia.
Essa decisão baseou-se em premissa estabelecida pelo STF, autorizando o compartilhamento, desde que houvesse investigação formalizada.
Agora, os ministros do STJ atenderam a uma demanda da Polícia, que solicitou dados ao Coaf para fornecer uma verificação preliminar, mecanismo que antecede a abertura regular do inquérito. O STJ decidiu, por três votos a dois, que a investigação era necessária. Neste caso, os ministros concluíram que o compartilhamento era ilegal e anularam as provas obtidas pelo Ministério Público.
Para a ex-juíza do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), em São Paulo, Cecília Mello, hoje advogada criminalista, a decisão do STJ ‘é um passo importante rumo à legalidade’, pois torna obrigatória a iniciação prévia de uma investigação, e não de qualquer procedimento.
“A necessidade, razoabilidade e proporcionalidade de medida desta natureza, notadamente para fins penais, só poderão ser avaliadas mediante o devido processo legal, com prévia atuação do Poder Judiciário. Trata-se do princípio da reserva de competência, conforme determinado pela Constituição” , diz Cecília.
Reconhece que a partilha de informações financeiras a nível administrativo foi flexibilizada em favor da transparência, da globalização, das regras de conformidade internacionais e da luta contra a evasão fiscal e a evasão monetária. Mas ele não concorda com essa possibilidade, principalmente em matéria penal e até com o entendimento já estabelecido pelo STF.
Ana Carolina Piovesana, especialista em direito penal econômico da FGV, concorda com o advogado Conrado Gontijo. Para ela, a decisão da Quinta Turma do STJ é ‘absolutamente acertada’ e reforça a importância de orientações claras e precisas para solicitações de relatórios ao Coaf. “A existência de inquérito policial, formalmente instituído, é requisito essencial para evitar abusos persecutórios, investigações indiscriminadas de dados confidenciais dos cidadãos e evitar que o Coaf seja utilizado para realizar investigações secretas, à margem da lei, numa clara pescaria de provas “, enfatiza.
O criminalista Fernando Hideo Lacerda, professor de Direito Penal da Escola Paulista de Direito, afirma que por violação do Tema 990 a questão provavelmente será levada ao Supremo Tribunal Federal. “Aparentemente, há uma contradição entre a decisão do STJ e a orientação consolidada pelo STF com repercussão geral, uma vez que o Plenário reconheceu a legalidade do compartilhamento de dados sem autorização judicial, tanto de forma espontânea como provocada pelo Ministério Público. grave insegurança jurídica. O STF deve estabelecer critérios claros para o compartilhamento de dados pelo Coaf”, sugere.
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