Em disputas eleitorais acirradas, como a protagonizada por São Paulo neste ano – com os resultados das principais pesquisas indicando empate técnico, tanto na primeira quanto na segunda posição – é comum que o termo “voto útil” ganhe popularidade.
O conceito de ciência política descreve um caráter racional do comportamento do eleitor, que faz uma espécie de cálculo para atingir um objetivo, geralmente para evitar que um candidato que não lhe agrada seja eleito ou passe para a segunda fase do pleito. Dessa forma, o eleitor opta por votar não no candidato de sua preferência, mas naquele que acredita ter maiores chances de vitória.
“O cidadão tende a ter a expectativa de que seu voto será útil, ou seja, que fará diferença na eleição. Se votar em um candidato muito insignificante, esse voto tende a não fazer muita diferença, porque de qualquer forma o candidato não for eleito”, explicou a professora de Ciência Política e coordenadora do Laboratório de Eleições, Partidos e Política Comparada (Lappcom), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mayra Goulart.
Em eleições mais polarizadas, em que o cenário do segundo turno se antecipa e ganha força no primeiro turno da campanha eleitoral, há uma maior invocação por parte das campanhas dos principais representantes dos dois pólos para atrair o voto daqueles que prefeririam escolher candidatos que apresentem resultados inferiores nas intenções de voto, explica o professor.
Em cenários como o da eleição deste ano em São Paulo, em que na última semana do pleito há dois representantes do mesmo espectro político bem posicionados nas pesquisas, mas em posições incertas com um candidato de outra ideologia, estratégias de votação úteis podem ter propósitos distintos.
O atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), por exemplo, que divide os votos dos eleitores de direita com o ex-técnico Pablo Marçal (PRTB), se apresenta como uma opção de voto útil para evitar que o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), que polariza com ambos, ser eleito.
Esse foi o argumento usado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) em peça de propaganda eleitoral, na qual afirma que um dos motivos pelos quais prefere Nunes é “não querer que a esquerda vença”. Na tentativa de unificar os votos da direita, o governador afirma que Marçal é “a porta de entrada para Boulos”, pois num possível segundo turno entre os dois, como mostram as pesquisas, o deputado federal aparece numericamente à frente de Marçal, vencendo o ex-técnico .
Como mostra o Estadãohá também outra razão para os eleitores considerarem um voto útil em Nunes. Segundo pesquisa qualitativa realizada pelo Instituto Travessia, os eleitores também pensam em votar no atual prefeito para evitar não necessariamente que Boulos ganhe, mas que Marçal, por quem têm maior rejeição, não dispute a eventual segunda fase do pleito .
A transferência tática de votos também pode ocorrer para um candidato melhor posicionado nas pesquisas e que seja ideologicamente mais parecido com o candidato em que o eleitor originalmente preferiu votar, caso apresentasse maiores percentuais de intenção de voto – visando também bloquear determinado candidato.
Possivelmente afetada pela dinâmica do voto útil, a deputada federal Tabata Amaral (PSB) já fez apelos para que seus eleitores não recorram à transferência do voto para Boulos, como defende, segundo ela, a campanha do psolista.
“Parece-me que este é um voto inútil, apostar em alguém que, quando chega ao segundo turno, não tem a menor chance. Um voto útil depende de nós”, disse ele durante entrevista no sábado ao Estadão no meio do mês. A candidata tem apostado na divulgação de resultados que a coloquem como única opção que venceria Nunes e Marçal num possível segundo turno. A economista Marina Helena (Novo), numericamente sexta colocada nas principais pesquisas, também pediu aos seus eleitores que não recorressem à estratégia no debate da TV Record no dia 28.
Voto útil pode ‘implodir’ candidatura ainda competitiva, diz especialista
O professor da UFRJ analisa que o risco de o eleitor decidir pelo voto útil é o de “implodir” uma candidatura ainda competitiva. “Isso é falar das três candidaturas principais. Em relação às demais é realmente muito difícil”, alertou Mayra, referindo-se à possibilidade de as pesquisas estarem apresentando resultados divergentes da realidade, como a tendência de haver um “voto constrangido” para Marçal, subnotificado nas pesquisas.
O professor avalia ainda que, na reta final da campanha, há maior engajamento nas redes, principalmente no WhatsApp da direita (que favorece Marçal, candidato nativo digital), e nas ruas, promovido pela esquerda (onde Boulos tem melhor desempenho) – fatores que ainda podem alterar os números nas urnas no dia 6.
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