No início do mês, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) anunciou a mudança de 53 locais de votação em dez municípios do estado, por questões de segurança. A maior parte dessas mudanças ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, mas também há mudanças em Duque de Caxias, Belford Roxo, Nova Iguaçu, São João de Meriti, Japeri, Itaguaí, Niterói, Itaboraí e Sapucaia. Em todo o estado, 171 mil eleitores foram afetados pelas mudanças. A decisão, segundo o presidente do tribunal, desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira, foi motivada pelo fato de esses locais de votação estarem sujeitos a ações do crime organizado.
Para especialistas ouvidos pelo Agência Brasila infiltração de grupos criminosos na política é uma das grandes ameaças das eleições municipais não só no estado do Rio, mas no país como um todo. Para garantir que os seus candidatos sejam eleitos, estas organizações podem recorrer à violência, ameaças e coerção contra opositores e eleitores.
“É um processo que já acontece no Brasil há muito tempo, mas é relativamente novo nas grandes cidades: o crime organizado aprendeu a trabalhar dentro do Estado. Nos cantos do Brasil, especialmente no Norte do Brasil, isso é mais antigo: um crime organizado que elege políticos e interfere no processo eleitoral. No Rio de Janeiro, em São Paulo ou em João Pessoa isso é mais novo”, explica Alan Fernandes, doutor em Ciências Policiais e Segurança Pública, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Para ele, no dia das eleições, existe o risco de coação, por parte desses grupos criminosos, contra os eleitores, para que votem em determinado candidato ou até deixem de comparecer aos locais de votação.
“O principal risco é o impedimento de comparecimento em determinadas áreas eleitorais. Em locais dominados pela violência e pelo crime organizado, há casos em que as pessoas são impedidas de comparecer ao local de votação, dependendo do interesse político daquela facção. O segundo problema, nestes locais de votação, é a coerção dos eleitores para votarem num determinado candidato preferido daquele grupo armado”, afirma Fernandes.
Medições
No Rio de Janeiro, as milícias são um dos grupos armados que têm aproveitado a política e a participação no Estado para fortalecer suas operações. Como resultado, novas medidas foram tomadas pelos tribunais para garantir a justiça do processo eleitoral.
A proibição do uso de celulares e câmeras nas cabines de votação, adotada em 2008, por exemplo, foi uma reação do TRE-RJ à informação de que traficantes e milicianos obrigavam os eleitores a registrar seu voto nas urnas, para comprovar que estavam votando nos candidatos indicados por grupos criminosos. A medida acabou sendo adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para todos os estados nas eleições municipais daquele ano e depois incorporada à legislação eleitoral em 2009.
Miguel Carnevale, pesquisador do Grupo de Pesquisa Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Giel/UniRio), explica que essa ação de grupos criminosos sobre os eleitores é ainda mais forte nas eleições municipais.
“Você vê muito contato entre vereadores e comunidades e muito crime organizado. [para a eleição de seus candidatos escolhidos]. Acredito que, para o Rio de Janeiro, a entrada do crime organizado na política seja um tema especialmente delicado. Isso afeta certas relações, cria laços clientelistas”, explica.
Pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política e Violência da Universidade Federal Fluminense (Lepov/UFF), André Rodrigues afirma que as eleições municipais são sempre mais violentas que as estaduais e federais, segundo estudos realizados pela Lepov/UFF em Rio Grande e Litoral Sul do Rio de Janeiro. “É nas eleições que vemos a interferência mais violenta na política”, diz ele. “Existem três mecanismos adotados por grupos criminosos que ameaçam as eleições: ameaças veladas, como declarações explícitas de voto de alguém que controla um local; a proibição de alguns candidatos fazerem campanha em áreas de milícias ou de tráfico de drogas; e a eliminação violenta de oponentes. Só na Baixada Fluminense, desde 2015, já registramos 60 assassinatos de pessoas envolvidas na política local.”
Embora a maior parte desses mecanismos seja utilizada durante o período de campanha, a coerção eleitoral também pode ocorrer no dia das eleições, segundo Rodrigues. Por isso, ele acredita que mudar os locais de votação é bem-vindo. “Isso não elimina os mecanismos que mencionei, mas pelo menos pode criar um contexto, no dia [da votação]proporcionando maior segurança ao eleitor, para que ele não precise votar exatamente no local onde aquele criminoso domina diretamente.” Ele lembra que “nas últimas eleições municipais, em Paraty e Angra dos Reis, ouvimos muitos relatos de pessoas com um miliciano, com tom ameaçador, posicionando-se em frente ao posto de votação.”
Outros casos de violência
Mas não é apenas a participação do crime organizado que ameaça a segurança eleitoral. Há casos de violência entre candidatos e eleitores por motivos ideológicos, por exemplo.
O investigador Miguel Carnevale alerta que no mês de setembro, na reta final da primeira volta das campanhas eleitorais, é possível verificar um aumento das situações de violência eleitoral. “É aí que esses números começam a aumentar, tanto a violência política como um todo, quanto sua forma mais radical, que são os homicídios.”
Para ele, as redes sociais podem desempenhar um papel na amplificação desta violência eleitoral. “Você dá aos indivíduos com questões políticas problemáticas a oportunidade de expor tendências violentas. Você vê muitas ameaças nas redes sociais. As redes sociais são o principal foco de ofensas, sejam elas misóginas, racistas ou LGBTfóbicas. É aqui que se concentra esse tipo de crime. A violência psicológica ocorre principalmente por meio desse veículo”, destaca Carnevale.
Uma pesquisa trimestral da Giel/UniRio, chamada Observatório de Violência Política e Eleitoral, registrou, entre abril e junho deste ano, período que antecede as campanhas eleitorais oficiais, 128 casos de violência contra lideranças partidárias em todo o país, mais que o dobro do número trimestre anterior (59) e 24% superior ao segundo trimestre de 2022 (103), quando ocorreram as eleições federais e estaduais.
As ameaças foram a principal ocorrência, mas foram registrados pelo menos 25 assassinatos, dos quais seis ocorreram no Rio, estado com mais ocorrências. Os cargos políticos ligados à esfera municipal continuam a ser a categoria mais afetada, segundo o Observatório da Violência Política e Eleitoral.
Este mês, o Ministério da Justiça e Segurança Pública prorrogou por mais 90 dias o prazo para permanência de homens da Força Nacional de Segurança no estado do Rio de Janeiro, que inclui datas de campanha e votação.
A Secretaria de Segurança do Estado do Rio informou que a Polícia Militar está finalizando seu planejamento operacional para os dias de votação e em breve divulgará à imprensa.
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