As novas administrações municipais terão a tarefa de garantir que todas as crianças frequentem as escolas. Quando se trata da universalização da educação, o Brasil não só não avançou como também recuou nos últimos anos, especialmente na educação infantil – etapa que cabe aos municípios administrar. E não é só na pré-escola que o país precisa avançar, mas na oferta de vagas em creches, que possuem lista de espera em diversas cidades do país.
A educação é um direito da população e, segundo especialistas, o tema deve ser observado com atenção por quem vai escolher os representantes para os próximos quatro anos nas eleições municipais de outubro deste ano.
Não faltam demandas. “As famílias ficam com crianças em lista de espera e não conseguem ter seus direitos garantidos. Temos esse cenário, onde muitas vezes os municípios não conseguem priorizar o acesso à creche para crianças que estão em situação de vulnerabilidade, pois muitas vezes ainda não possuem critérios de priorização organizados caso não seja possível atender toda a demanda. Temos também o cenário de famílias que desconhecem o seu direito de acesso à creche ou que não procuram vaga por saberem da dificuldade do seu contexto em encontrar um lugar para o seu filho perto de sua casa ou perto de seus local de trabalho”, destaca. a gerente de Políticas Públicas da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV), Karina Fasson. A fundação é uma organização da sociedade civil focada na primeira infância.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2019 e 2022, o Brasil não avançou em sua meta de universalizar a educação infantil. A frequência escolar das crianças de 4 e 5 anos – início do ensino básico obrigatório – caiu 1,2 ponto percentual no período, passando de 92,7% para 91,5%.
No Brasil, todas as crianças e adolescentes de 4 a 17 anos devem estar matriculados na escola, segundo o Emenda Constitucional 59/09. Os municípios devem atuar prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil, que inclui creches (para bebês e crianças até 3 anos) e pré-escolas (4 e 5 anos).
A creche não é uma etapa obrigatória e as famílias podem optar pela matrícula dos filhos, mas é dever do poder público oferecer as vagas que houver procura. Isso ficou ainda mais claro em 2022, após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de ampliar a obrigatoriedade do ensino também para creches. Até então, os municípios poderiam negar matrículas alegando falta de vagas. As eleições de 2024 serão as primeiras desde que a decisão entrou em vigor.
Ainda segundo o IBGE, em todo o país, cerca de 2,3 milhões de crianças de 0 a 3 anos não frequentam creches por alguma dificuldade de acesso ao serviço: seja por falta de escola, falta de vaga ou porque a instituição de ensino não aceitou o aluno devido à sua idade.
“Temos o desafio de garantir uma educação infantil de qualidade. Não basta oferecer uma vaga. Essa educação tem que ser uma educação de qualidade, que esteja alinhada aos documentos nacionais vigentes”, afirma Fasson, que complementa:
“A importância de uma proposta pedagógica centrada na criança, nos seus interesses, na forma como ela se desenvolve, que considere a brincadeira, que considere a exploração de diferentes ambientes, de diferentes linguagens.”
Educação no centro do debate
Segundo a professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense em Campos (ESR/UFF), Mariele Troiano, que atua na área de Ciência Política, embora haja certo consenso sobre a importância da educação, o tema não ocupa espaço central nas campanhas eleitorais.
“Os municípios são responsáveis pelo maior percentual da educação básica do nosso país e de acordo com o artigo 211 da Constituição Federal, espera-se que os municípios tenham protagonismo no ensino fundamental e na educação infantil. Portanto, o tema deverá estar entre as prioridades absolutas dos candidatos. Na minha opinião ainda podemos ir mais longe”, afirma Mariele.
Para ela, o debate em torno da educação precisa ser mais qualificado. “Na minha opinião, afirmar nas campanhas eleitorais que precisamos de ‘mais escolas, mais creches’ não dá mais sustentação aos discursos. É preciso apresentar propostas que considerem a educação em sua totalidade: desde o transporte escolar, merenda, material escolar, formação do corpo docente, salários e carreira dos funcionários. Ensino de qualidade, mas também inclusivo. Poucos candidatos falam em educação inclusiva, por exemplo.”
Diante da decisão do STF, a professora esperava que as creches ocupassem um espaço mais central durante a campanha, o que não aconteceu. “O Supremo ratifica a responsabilidade do município pela educação desde creche, pré-escola e ensino fundamental. Embora as apostas sejam um tema quente, muitos candidatos ainda não o consideram relevante. Acho que isso reforça ainda mais a importância da decisão de 2022, pois se revela um ponto crucial para a escolha eleitoral”.
Cabe então ao eleitorado exigir isso dos candidatos. “O eleitorado é diretamente tocado pela questão, no seu dia a dia. Não só a criança é quem precisa da escola e da creche enquanto os pais trabalham, mas porque escola também significa saúde, alimentação, transporte, segurança. Além disso, a educação em nosso país é sinônimo de transformação social e de possibilidade de melhores condições de vida. Estar atento ao tema nas eleições já sinaliza consciência do exercício de direitos e deveres estruturado e incentivado por um viés educativo”, argumenta.
Direitos das crianças
Oferecer uma educação infantil de qualidade e acreditar nas crianças como possibilidade de mudar o mundo foi o que motivou Simone Serafim do Nascimento a seguir a carreira docente. É professora articuladora (coordenadora pedagógica) do Espaço de Desenvolvimento Infantil Claudio Cavalcanti, em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro. A creche pública atende integralmente 140 crianças de 2 e 3 anos.
“Acreditamos muito nessa potência da educação infantil, como uma etapa da educação básica que valoriza as crianças e dá a elas esse protagonismo, como cidadãos que já são”, afirma.
“O professor atua como mediador, aproveita as brincadeiras das crianças, escuta e observa com muita atenção para criar situações de aprendizagem a partir dessas brincadeiras infantis”, explica.
Na escola tudo vira aprendizado. Ela conta que um dos projetos desenvolvidos partiu de uma lanterna que uma das crianças trouxe de casa. A partir dos jogos, incentivou-se uma investigação com luz e sombra e, consequentemente, a fotografia. Os alunos tiveram contato com fotografias de diferentes culturas. As crianças puderam então tirar suas próprias fotos, que viraram uma exposição na escola.
“As crianças que chegaram recentemente ao mundo são pesquisadores naturais. E nós, professores da educação infantil, nos esforçamos para pesquisar as pesquisas infantis”, afirma a professora.
Segundo Simone, a experiência que desenvolvem na creche deve ser oferecida a toda a população que necessita desse serviço. “O que eu vejo hoje nesse mundo moderno, até como mulher, como profissional, é que todo mundo precisa de creche, porque é esse espaço das crianças, para que as crianças possam ficar seguras, se desenvolver, para que a família possa ter o seu escolhas. vida, profissional ou não. Mas a creche é mesmo um direito da criança.”
Para Simone, nas eleições de 2024, a questão da educação será um diferencial. “Escolher candidatos que pensem na educação como forma de transformar e mudar a sociedade, de reduzir as desigualdades, de valorizar a educação numa perspectiva de mudança e mobilidade social, de reduzir as desigualdades sociais, é algo importante”, afirma.
“Também isso [os candidatos] têm em suas agendas a valorização dos professores e a valorização da educação de forma integral. Valorizar os profissionais, qualificar a formação, valorizar a formação, valorizar a instituição como edifício, promover melhores condições de acesso e continuidade nas escolas”.
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