Especialistas consultados por Estadão afirmam que a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, de impor multa diária de R$ 50 mil para quem usar VPN – sigla em inglês para rede privada virtual – para continuar usando o X (anteriormente Twitter) atinge pessoas que nada têm a ver com a disputa entre ele e Elon Musk, empresário dono da rede social. Eles também acreditam que é uma ação difícil de executar.
Para analistas de Direito Digital e de tecnologia, restringir o uso de VPNs prejudica os usuários que utilizam o recurso para outros fins, seja proteger a privacidade, realizar pesquisas, evitar perseguições ou mesmo contornar barreiras geográficas. Esta rede serve para mascarar a origem do acesso de um usuário da Internet. Uma pessoa no Brasil pode simular que está usando a internet em outro país.
“Um bloqueio geral deste tipo de mecanismo pode ter efeitos nocivos para a sociedade civil, o jornalismo e os cientistas que lidam com temas sensíveis e que querem ser protegidos no seu trabalho online”, afirma João Guilherme Bastos dos Santos, diretor de Tecnologia e Estudos Temáticos da Democracia no Xeque, instituto que trabalha com pesquisas sobre desinformação, discurso de ódio e extremismo político.
Para João Guilherme, justamente pelo seu propósito, disfarçar sua identidade, identificar usuários de VPN pode ser uma tarefa difícil. Ele lembra ainda que o recurso pode ser utilizado para outros fins que não sejam contornar medidas legais. “É um mecanismo que pode ajudar a proteger a privacidade, prevenir a perseguição de pessoas que realizam pesquisas, simular pesquisas online em países autoritários, ajudar as pessoas a superar barreiras de intimidação, entre outros”, afirma.
A decisão de Moraes não só pune quem usa VPN para continuar acessando o X, mas também ordena que Apple (NASDAQ:) e Google (NASDAQ:) removam aplicativos VPN de suas respectivas lojas de aplicativos.
“Proibir que lojas de aplicativos tenham VPNs disponíveis para download não me parece razoável”, diz Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da Escola Superior de Publicidade e Marketing (ESPM).
Andre Marsiglia, advogado constitucionalista e especialista em liberdade de expressão, afirma que a decisão é ilegal. “O usuário não tem culpa pela eventual ilegalidade da plataforma. Não se pode punir terceiros através de ações judiciais”, afirma. VPN não é uma ferramenta ilícita e o usuário não tem nada a ver com a disputa entre Musk e STF.”
Pois Taís Gasparian, advogada especializada em mídia, diz que Moraes tem se esforçado para “manter a democracia de pé”, mas não acredita que punir quem está usando VPN para usar X será muito eficaz. “Impedir que as pessoas acessem via VPN parece secar o gelo”, analisa ela. “Restringir os direitos de todos, nem sei se é tecnicamente possível. Pode ser possível por um tempo, mas não sei se é sempre possível.”
Marsiglia acredita que o Tribunal deve fazer uma escolha dada a inviabilidade de monitorar todos os usuários brasileiros ativos no X. “O que pode acontecer é que o Tribunal faça uma escolha política para verificar alguns perfis, e isso seria lamentável, porque não há nada de legal em isso”, diz ele.
Crespo, da ESPM, vê como possível caminho perguntar às operadoras de VPN quais usuários brasileiros as utilizariam. “Mas o problema é que a VPN é criptografada, dificilmente você vai conseguir saber o que a pessoa está usando da VPN. É difícil fazer essa diferenciação precisa de quem está usando a VPN para usar o X.”
Não é a primeira vez que Moraes atua para punir quem tenta driblar as restrições ao uso das redes sociais. Como mostra o Estadãoem 2022, determinou sanções civis e criminais e multa diária de R$ 100 mil para quem usasse “subterfúgios tecnológicos” como proxy ou VPN para continuar usando o Telegram, que havia sido bloqueado naquele período.
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