A aposentada Leonor Pires Faria, 67 anos, cuida das três netas, com idades entre 9 e 13 anos. Morando em uma favela da região metropolitana do Rio de Janeiro e ganhando um salário mínimo, ela tem dificuldade para sustentar a família. E isso inclui uma das necessidades mais básicas de qualquer ser humano: a alimentação.
“É muito difícil. Tem dias que não há problema em fazer isso, mas tem dias que é muito difícil. Se minhas netas tivessem direito ao Bolsa Família ajudaria muito. Eu fui para o Cras [Centro de Referência da Assistência Social do município] ver [se elas teriam direito ao benefício] e descobri que sou aposentado e eles não tinham direito porque moravam comigo. Uma pensão dá para quatro pessoas”, lamenta Leonor.
Sem dinheiro suficiente para garantir alimentação adequada para ela e suas três netas, ela precisa procurar ajuda de uma organização não governamental que distribui alimentos. “O município deveria ajudar quem precisa, fazendo um levantamento de quem precisa e quem não precisa”, acrescenta o aposentado.
No Brasil, são 21,6 milhões de domicílios, espalhados por 5.570 municípios brasileiros, que enfrentaram algum grau de insegurança alimentar em 2023, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No caso de 7,4 milhões destes agregados familiares, as pessoas viviam com insegurança moderada ou grave, que consistia numa redução da quantidade de alimentos consumidos ou numa perturbação dos seus padrões alimentares.
Esse é um dos problemas que muitos prefeitos e vereadores eleitos neste ano terão que enfrentar em seus mandatos, que terão início em 1º de janeiro de 2025.
Eduardo Lúcio dos Santos é o fundador do Projeto União Solidária, uma das diversas organizações não governamentais (ONGs) que atendem pessoas em situação de insegurança alimentar no país. “Acredito que o município poderia ter políticas públicas voltadas ao combate à fome, poderíamos ter reuniões, reuniões de projetos e ONGs para apresentarem suas ideias. Nós, como um projeto simples, conseguimos levar ajuda para tantas pessoas. Certamente com o município, com a máquina pública e, principalmente, querendo fazer isso, teríamos uma cidade mais humana, menos violenta e sem gente passando fome”, afirma.
Sua esperança é que os futuros prefeitos e vereadores adotem uma abordagem mais humana para com os menos privilegiados. “Que tenham empatia e queiram verdadeiramente resolver os problemas dos menos favorecidos, não só em termos de fome, mas também em questões básicas, como saúde, educação, esporte e lazer. Espero que os políticos não apareçam agora apenas porque é período eleitoral, mas que permaneçam e cumpram as promessas de campanha”, afirma Santos.
Fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, conhecido como Betinho, a Ação da Cidadania é uma das organizações não governamentais mais conhecidas que trabalham no combate à fome no país. O diretor executivo da ONG, Kiko Afonso, afirma que o município é uma das entidades mais envolvidas no combate à fome.
Os municípios são responsáveis, por exemplo, pelo cadastramento dos beneficiários do Bolsa Família. “Os Cras, administrados pelas prefeituras, são a porta de entrada de qualquer cidadão para programas públicos, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada [BPC]. O grande problema é que temos visto a maioria das prefeituras desvalorizar o Cras. Você vai em um Cras e ele não tem equipe, nem equipamento, nem infraestrutura para atender a demanda que chega até ele”, explica Afonso.
Ele afirma ainda que as prefeituras não devem apenas atender as pessoas que procuram o Cras, mas realizar buscas ativas entre seus cidadãos para incluir no Cadastro Único do governo federal (CadÚnico) aquelas pessoas que ainda não estão cobertas por programas sociais, como muitas que viver em situação de rua.
Outra política importante no combate à insegurança alimentar, especialmente entre crianças e jovens, é a alimentação escolar. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) é financiado por recursos federais, mas são as prefeituras que utilizam esses recursos e fornecem alimentação nas escolas de educação infantil e fundamental.
“A prefeitura precisa se adequar a todo o programa, para poder oferecer alimentação saudável à população. Infelizmente, não é isso que vemos. Em muitos casos, há escolas públicas que oferecem massa com linguiça, sal e biscoitos de água”, destaca Afonso.
Segundo Juliana Lignani, professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o papel dos municípios no combate à fome é estratégico, porque são a unidade da federação mais próxima dos cidadãos.
“O município consegue entender quem é a sua população, os principais determinantes da insegurança alimentar e atuar de forma mais direta e específica ao problema local, que pode variar de um município para outro”.
Juliana explica que a renda é um determinante importante na questão da insegurança alimentar, mas não o único. “Existem outras situações como o acesso ao emprego, à educação, à produção alimentar, ao abastecimento alimentar. E cada município tem as suas especificidades. Talvez uma política importante seja repensar a produção de alimentos. Que tipo de alimento está sendo produzido? Que apoio está sendo dado aos produtores de alimentos?”
Os conselhos municipais de Segurança Alimentar são instrumentos importantes para que os municípios entendam suas especificidades e adotem políticas de combate à fome em seus territórios, segundo a pesquisadora.
“O conselho é um órgão super importante, porque consegue ter essa noção e mapeamento da condição de insegurança alimentar dentro de cada localidade”, afirma Juliana, destacando que também é importante que prefeitos e vereadores articulem a insegurança alimentar com outros sistemas , como a Assistência Social e o Sistema Único de Saúde (SUS).
“Os vereadores e prefeitos terão um papel super importante, pois são os legisladores e executores dessas ações, desses programas e dessas políticas. É possível que consigam determinar, direcionar e estruturar políticas que respondam às necessidades locais e que façam sentido, para que tenham um resultado muito eficaz”, afirma Juliana.
Segundo Kiko Afonso, aos vereadores cabe aprovar a criação dos conselhos de Segurança Alimentar e garantir a atribuição de recursos aos mesmos, além de aprovar legislação específica de combate à fome.
“E o papel da prefeitura em toda a cadeia de combate à fome é absolutamente fundamental. Sem a prefeitura, a maior parte dos programas não chegará ao fim, independentemente dos recursos e da vontade política dos governos federal ou estadual”, finaliza Afonso.
*Estagiário em Agência Brasilsob supervisão do repórter Vitor Abdala.
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