Com formato inovador, o debate promovido pela Estadão Nesta quarta-feira, 14 – em parceria com o Portal Terra e a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) – desafiou os principais candidatos a prefeito de São Paulo para discutirem seus planos de governo para a maior cidade da América Latina. Às vésperas do início oficial da campanha eleitoral, o evento realizado no Teatro da FAAP serviu para apresentar propostas e posicionamentos, mas também expôs o clima belicoso que marcou a disputa municipal deste ano. O debate reuniu os seis nomes mais bem posicionados nas pesquisas: prefeito Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (PSOL), José Luiz Datena (PSDB), Pablo Marçal (PRTB), Tabata Amaral (PSB) e Marina Helena (Novo ).
Com trocas de farpas e ataques entre os participantes, o encontro voltou a ter Nunes como alvo principal – semelhante ao que já havia ocorrido no primeiro confronto entre candidatos ao cargo, realizado na semana passada pela Band. Enquanto o prefeito buscava adotar um tom brando diante das críticas à sua gestão, Boulos e Marçal foram os protagonistas dos momentos mais tensos, Tabata e Marina Helena trocavam ironias, enquanto Datena parecia incomodada em seu novo papel diante do público. .
Qualitativo
Pesquisa qualitativa realizada pelo Instituto Travessia – a pedido do Estadão – com um grupo de 15 eleitores, investigou a percepção do desempenho dos participantes. Elogiada pela “firmeza” e “conhecimento”, Tabata consolidou o voto de um eleitor e venceu outros seis durante o debate, com a maior diferença entre os candidatos. Nunes também se destacou por demonstrar conhecimento sobre a cidade e elencar conquistas de sua gestão, atraindo eleitores de Marçal, que acabou sendo o mais rejeitado entre o grupo de pesquisa.
Boulos fracassou na tentativa de conquistar novos eleitores e causou má impressão em seus apoiadores ao se render às provocações do empresário e influenciador. A atuação de Datena, considerada “desajeitada”, também não agradou. O apresentador perdeu os dois eleitores que inicialmente pretendiam votar nele. Marina Helena foi vista como “arrogante” e “despreparada”.
O debate foi dividido em cinco blocos, com temas de interesse do eleitorado. Eles foram sorteados no início de cada bloco e extraídos da série Agenda SP – que aborda temas cruciais para a cidade de São Paulo, como educação, transporte, economia, meio ambiente, urbanismo, revitalização do centro da cidade e segurança pública.
‘Sexualização’
No primeiro bloco, com educação como tema selecionado, Marina Helena questionou Nunes sobre a “sexualização de crianças”: “Queria saber do prefeito a opinião dele sobre um canal do YouTube da Prefeitura chamado Saúde para Todos, onde falam de ideologia de gênero e, pior ainda, de um documento da sua Prefeitura, assinado por você (Nunes), que fala sobre bloqueio hormonal da puberdade para meninos e meninas trans de 8 a 9 anos”.
Em resposta, o prefeito afirmou que o objetivo do programa citado por Marina Helena é garantir o acesso à educação a todas as crianças da rede de ensino e lamentou o que classificou como “ataques pessoais”.
A seguir, na seção sobre economia, após consultar sua equipe, o emedebista aproveitou parte do tempo para dizer que Marina Helena propagou fake news sobre o assunto. Em nota, a Prefeitura disse que a afirmação do candidato do Novo é absurda, “ainda que ignore que o referido tratamento é proibido por resolução do Conselho Federal de Medicina”.
Ainda no primeiro bloco, foi a vez da dupla candidata Pablo Marçal e Tabata Amaral debater. O momento também foi aquecido quando os candidatos foram questionados sobre a desigualdade racial no ensino público. Marçal questionou por que Tabata não escolheu um vice-presidente negro para fazer parte de sua chapa. A candidata respondeu que estava “muito orgulhosa” da sua companheira de chapa, a professora Lúcia França. “A questão racial não deve ser tratada de forma específica, mas coletiva”, disse Tabata.
O deputado do PSB e o candidato do Novo se enfrentaram no segundo bloco, que tinha como tema economia. Nesta parte do encontro, Marina Helena acusou Tabata de espalhar fake news por ter afirmado, durante o debate da Band, que era a “única candidata” a prefeito. “Um prazer”, disse ironicamente o candidato do Novo.
Boulos
Esta não seria, no entanto, de longe a parte mais quente daquele bloco, que deu origem ao amargo embate entre Boulos e Marçal. O candidato do PSOL afirmou que Marçal não deveria estar presente, pois no debate da Band ele havia prometido abandonar a disputa caso sua condenação fosse comprovada. Após responder com palavrões, Marçal disse que Boulos já foi preso três vezes e que “poderia pedir música no Fantástico”. Depois, o candidato do PRTB voltou a negar ter sido condenado por peculato. “Não há convicção de que o ‘então’ tenha sido prescrito”, insistiu.
No terceiro bloco, cujo tema era Urbanismo, Marina Helena começou a provocar Boulos alegando que um coordenador da pré-campanha do deputado federal era suspeito de receber propina do “chefe da máfia dos transportes”. Boulos rebateu, afirmando que o presidente do partido adversário é quem está envolvido com a Justiça.
No último bloco, ao tratar da segurança pública, Tabata e Boulos aproveitaram seus respectivos tempos para criticar a Prefeitura. Boulos destacou a relação de Nunes com Jair Bolsonaro (PL) e as polêmicas declarações do ex-presidente. O objetivo era associar o prefeito à extrema direita, explorando a alta rejeição de Bolsonaro na capital paulista.
Nunes reagiu referindo-se ao ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e ao deputado federal André Janones (Avante) – que foi salvo de um processo que pedia a cassação do mandato devido a um relatório de Boulos no Conselho de Ética da Câmara.
No mesmo bloco, o candidato do PSOL obteve direito de resposta após ser chamado de “aspirador” por Pablo Marçal. “Precisamos de um prefeito, não de um idiota da internet.” Marçal também solicitou então o direito de resposta, o que lhe foi negado.
Tática
Nunes, alvo preferido de seus adversários, decidiu adotar o tom brando como tática diante da avalanche de empecilhos em sua gestão. No primeiro confronto com Datena, o prefeito ouviu o candidato do PSDB afirmar que a cidade está mais desigual e abandonada do que nunca. O emedebista preferiu responder falando sobre sua atuação na gestão, evitando a escalada dos ataques. Datena disse ainda que o subsídio que a Prefeitura oferece às empresas de ônibus é “verdadeiramente absurdo” e, por isso, classificou a “tarifa zero” como “mentira”. “Se você cobra uma taxa justa, você ganha muito dinheiro com isso”, disse o apresentador.
Tabata também criticou o atual prefeito, dizendo que vai combater a corrupção e cumprir as metas que não conseguiu alcançar. O candidato do PSB citou as obras inacabadas na Prefeitura e os contratos sem licitação da gestão municipal. Novamente, sem mudar de voz, Nunes respondeu, afirmando que a candidata “está mal informada”. Boulos, por sua vez, prometeu, se eleito, “limpar” os contratos das concessionárias de transporte.
‘Padre Kelmon’
Candidato do PTB à presidência em 2022, Padre Kelmon inesperadamente teve seu nome de volta ao cenário eleitoral em um dos momentos mais acalorados do confronto de ontem. Numa resposta, Boulos comparou Marçal a Kelmon e chamou-o de “caricatura”. A temperatura subiu. A mediadora, Roseann Kennedy, jornalista de Estadãoteve que intervir, pedindo a ambos os candidatos que respeitassem os acordos assinados para o debate.
Marçal tirou do bolso uma réplica de carteira de trabalho e, ironicamente, declarou: “Eu sou padre Kelmon e vou exorcizar o diabo com carteira de trabalho. Ele nunca trabalhou”. Após a fala de Marçal, Boulos disse que seu concorrente não tem limites éticos ou morais. “Estou em dúvida se você é apenas um mau caráter ou um psicopata”, afirmando que o candidato do PRTB estava ali com o único objetivo de “lacrar a rede social”.
A discussão entre Marçal e Boulos continuou mesmo depois de regressarem aos seus lugares. O influenciador, aproveitando o fato de estar sentado ao lado do deputado federal no palco, estendeu novamente sua carteira de trabalho a Boulos, que tentou dar um tapa na mão do candidato do PRTB. A discussão teve que ser interrompida por um membro da organização, pois o candidato do PSOL precisou ir ao centro do palco para responder outra pergunta.
Regras
Datena teve problemas para lidar com as regras do debate. Na primeira oportunidade de questionar Boulos, ele não fez nenhuma pergunta. Na segunda chance, ele novamente não conseguiu formular uma pergunta. O candidato do PSOL chegou a alfinetá-lo por dificuldades de tempo.
Nos embates ideológicos, Marina Helena procurou se posicionar como único nome da direita – afirmando que todos os demais eram “esquerdistas”. No confronto com Tabata, a candidata do Novo optou por enfatizar sua idade e “experiência” para atacar uma das principais preocupações da campanha da deputada: que os eleitores possam pensar que ela é jovem demais para ocupar o cargo de prefeita. A candidata do PSB, por sua vez, destacou sua atuação na Câmara Federal e ironizou o fato de seu adversário ainda não ter conseguido se eleger parlamentar.
Nacionalização
No embate entre Marina Helena e Boulos, intensificaram-se as referências à polarização entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Bolsonaro. O candidato do Novo mencionou o veto de Lula à “saidinha” e afirmou que o presidente adota posturas que favorecem o crime organizado. Boulos reagiu lembrando o caso da venda ilegal de joias por Bolsonaro. Lula já havia sido citado anteriormente por Marçal, porém, sem reação do candidato do PSOL.
Em outro momento, o deputado citou frases do ex-presidente e o chamou de “padrinho político” de Nunes. “Você concorda ou discorda de Bolsonaro?” Boulos perguntou ao prefeito, que respondeu dizendo: “Não sou um comentarista político”.
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