Mensagens reveladas pelo jornal Folha de S.Paulo mostram que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes utilizou assessores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para produzir reportagens contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Após a divulgação das conversas, o ministro é acusado de misturar sua função de juiz com a de investigador no inquérito das fake news e das milícias digitais.
As conversas foram reveladas por Folha de S.Paulo nesta terça-feira, 13. O jornal teve acesso a diálogos que mostram o setor de combate à desinformação do TSE sendo utilizado como braço investigativo do gabinete do ministro entre agosto de 2022 e março de 2023. No momento das trocas de mensagens, Moraes presidia a Justiça Eleitoral.
A repercussão das mensagens motivou um novo avanço dos aliados de Bolsonaro no Congresso Nacional contra o ministro. Na tarde desta quarta-feira, 14, a oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentará pedido de impeachment. A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que integra o grupo, afirmou que o magistrado deve renunciar ao cargo na Corte.
Uso do TSE fora do rito para subsidiar reportagens
O Folha revelou que a equipe de Moraes solicitava constantemente a produção de reportagens para subsidiar investigações contra apoiadores de Bolsonaro. Haveria um fluxo fora do rito, com um órgão do TSE sendo utilizado para alimentar o STF sem pedido oficial de informações.
O ministro, por meio de seu juiz auxiliar, Airton Vieira, fez pedidos ao perito Eduardo Tagliaferro, que comandou a Assessoria Especial de Combate à Desinformação (AEED). Os alvos eram aliados do ex-presidente que publicaram ataques ao sistema de votação eletrônica, a ministros do STF e que incitaram integrantes das Forças Armadas contra o resultado das eleições presidenciais de 2022.
Ministro indicou nomes e conteúdos que deveriam constar em documentos probatórios Na troca de conversas, Airton solicitou, em nome de Moraes, que as reportagens incluíssem determinados investigados e conteúdos em redes sociais. O gabinete do ministro também solicitou ajustes quando os documentos não estavam de acordo com os resultados esperados pelo magistrado. Os movimentos sugerem que o magistrado, além de relator e juiz, também atuava como investigador nas investigações das fake news e das milícias digitais.
Em pedido de reportagem para fundamentar decisão contra o comentarista político Rodrigo Constantino, Airton Vieira pede que Tagliaferro “examine” as provas utilizadas contra o investigado.
Moraes mirou Eduardo Bolsonaro e outros aliados próximos do ex-presidente
Além de Rodrigo Constantino, Airton Vieira pediu a Tagliaferro a produção de reportagens que serviriam para embasar decisões contra o blogueiro Paulo Figueiredo Filho. As mensagens também destacam a solicitação de documentos probatórios contra deputados que integraram (alguns permanecem no Congresso) o núcleo duro do bolsonarismo na Câmara dos Deputados, como: Bia Kicis (PL-DF), Carla Zambelli (PL-SP), Daniel Silveira (PTB-RJ), Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Filipe Barros (PL-PR), Junio Amaral (PL-MG), Major Vitor Hugo (PL-GO), Marco Feliciano (PL-SP) , Otoni de Paula (MDB)
“Boa noite, Eduardo! etc., para fins finos. Ele está com muita pressa. Obrigado”, diz o juiz instrutor em uma das mensagens divulgadas pelo site. Folha.
Reportagens receberam ofício do TSE após pressão do gabinete de Moraes
Em outras trocas de mensagens, Airton Vieira sugere uma estratégia para evitar que o uso do TSE como braço investigativo se torne “descarado”. Uma das alternativas utilizadas foi registrar que a autoria do pedido de relatório tinha o papel timbrado do TSE, assinado pelo desembargador Marco Antônio Vargas, e não a assinatura do STF.
Em documento, Tagliaferro envia reportagem sobre um grupo denominado “Brasil Conservador” em papel timbrado do STF. Em áudio, Airton diz que pensou em colocar seu nome na autoria da reportagem, mas disse que desistiu da ideia porque seria “estranho”.
“A princípio pensei em colocar meu nome, por ordem do desembargador Airton Vieira, etc., etc. pergunto alguma coisa e você me responde do nada”, diz o juiz no áudio revelado por Folha.
“Embora saibamos que as coisas entre nós são muito mais fáceis justamente porque temos um mínimo múltiplo comum na pessoa do ministro, mas não tenho como, formalmente… Se alguém questionasse, seria algo muito flagrante, por assim dizer”, acrescentou o juiz instrutor.
O que dizem o gabinete de Moraes e o ministro?
Na noite de terça-feira, logo após a publicação do FolhaA assessoria de Moraes afirmou, em nota, que fez solicitações a diversos órgãos, inclusive ao TSE. Segundo o magistrado, todas as ações foram realizadas de acordo com a regulamentação.
“Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com plena participação da Procuradoria-Geral da República”, disse o gabinete.
Na abertura da sessão desta quarta-feira do STF, Moraes se defendeu das acusações afirmando que, como presidente do TSE no momento da troca de mensagens, tinha “poder de polícia” para determinar a confecção de reportagens e afirmou que ele seria “esquizofrênico” se ele próprio oficializasse.
“Seria esquizofrênico eu, como presidente do TSE, me autorizar. Até porque, como presidente do TSE, no exercício do poder de polícia, eu tinha competência, por lei, para determinar a elaboração de relatórios”, afirmou Moraes.
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