A partir da sexta-feira da próxima semana (16/8), 5.569 municípios brasileiros, dos quais 295 em Santa Catarina, viverão uma espécie de estado de guerra. Não a guerra convencional, de tiros, bombas e mortes, felizmente, mas a batalha pelos corações e mentes de 156 milhões de eleitores – 5,64 milhões deles em território catarinense.
Existe um ditado muito antigo, atribuído a diferentes personalidades ao longo da história, que diz que “numa guerra, a primeira vítima é a verdade”. Na guerra política pelas prefeituras isso também acontece, mas na forma de disseminação de desinformação. Neste momento, o responsável por colocar a ordem e julgar se as regras do jogo estão sendo seguidas é a Justiça Eleitoral.
O avanço das tecnologias de comunicação tem imposto cada vez mais desafios a quem precisa mediar e acompanhar a reclamação.
“Com a popularização da internet, das redes sociais, dessa vida mais digital, as pessoas, não só no Brasil, mas no mundo todo, passaram para uma nova realidade. Chegamos a um momento em que se fala muito e se preocupa com o que se convencionou chamar de desinformação”, afirma o desembargador Márcio Schiefler Fontes, presidente da Comissão de Combate à Desinformação do Tribunal Regional Eleitoral de SC (TRE-SC).
No seu trabalho de combate à desinformação, especialmente no período de campanha, a Justiça Eleitoral atua com ações de prevenção e, principalmente, de repressão.
“Medidas repressivas não são medidas que tenham efeito imediato ou total para resolver o problema, mas a Justiça Eleitoral possui mecanismos, por exemplo, para tirar páginas do ar ou esclarecer determinados conteúdos e, principalmente, punir caso seja verificado algum tipo de link entre a produção daquela notícia e os candidatos beneficiários”, informa o magistrado.
Ato “escritório” x “provocado”
A forma de investigar supostas irregularidades e punir os excessos varia. Em alguns casos, o Tribunal pode agir “por sua própria iniciativa”, ou seja, sem precisar ser chamado – ou, segundo a linguagem técnica, “provocado”. Nas demais situações, a ação só pode ocorrer por meio de “provocação”.
“Mas pelas regras com as quais trabalhamos hoje, normalmente a Justiça Eleitoral só atuará ‘de ofício’ quando essa disseminação de notícias falsas, de alguma forma, afetar também o próprio sistema eleitoral ou a Justiça Eleitoral ou agentes públicos que estejam trabalhando para fazer a eleição funcionar”, destaca Fontes.
Outras situações, como afirmou o juiz Márcio Fontes, exigem que o ofendido busque reparação. “Quando houver uma situação específica que diga respeito a um candidato ou a um partido político, normalmente será necessário que esse grupo se manifeste ou provoque a Justiça Eleitoral e delineie essa situação”, explica.
Nestes casos, entra em jogo um aspecto muito importante do período eleitoral: o prazo muito curto para a tomada de decisões judiciais. “Os prazos da Justiça Eleitoral, principalmente no período eleitoral, são muito curtos, muitas vezes contados em horas, em que os juízes têm que agir em pouco tempo”, diz.
A desinformação tem um elevado potencial de danos
O juiz destaca que sempre houve quem produzisse boatos maliciosos ou tentasse ampliá-los se fosse do seu interesse, mas que a rapidez na distribuição da informação agravou esta situação.
“A nova realidade mostra-nos que, devido ao período eleitoral, que é sempre muito curto, e à capacidade de divulgar esta notícia num espaço de tempo muito curto, temos um potencial de prejuízo muito elevado.”
“Nenhum órgão judicial é fiscal da verdade”
Desinformação, notícias falsas, mentiras, meias verdades. O desembargador Márcio Fontes procura esclarecer que, apesar do que possa parecer, esses termos não são necessariamente sinônimos.
Para ele, as críticas entre adversários são “absolutamente naturais” num regime democrático, em que, entende, “o conflito de opiniões é o que enriquece o debate”.
“A expressão ‘mentira’ neste caso também não é uma expressão muito simples, porque, afinal, nem a Justiça Eleitoral nem qualquer órgão judiciário é fiscalizador da verdade. E a opinião dessa pessoa é verdadeira ou falsa”, diz Fontes.
Segundo ele, o que se chama de desinformação não equivale exatamente a um candidato poder mentir ou dizer uma meia verdade sobre outro.
“O fenómeno da desinformação refere-se mais a determinados factos ou circunstâncias que se sabe serem falsos e que, pela sua difusão e pela força dessa difusão, podem influenciar negativamente o processo eleitoral.”
O juiz destaca ainda que o papel da Justiça Eleitoral nesse trabalho de fiscalizar e ordenar o que acontece durante as campanhas fica restrito ao processo eleitoral. “Se estamos tratando aqui de desinformação no processo eleitoral, estamos tratando de algo muito particular e não exatamente desse drama que o mundo inteiro vive, com as redes sociais, do que é verdade e do que é mentira.”
Para Márcio Fontes, este é um problema muito mais amplo nas sociedades contemporâneas e que exige uma reflexão muito ampla dentro da própria sociedade. “A Justiça Eleitoral não tem como objetivo resolver a desinformação no mundo. Tudo isso é muito mais amplo e está além do nosso alcance. Preocupamo-nos especificamente em proporcionar circunstâncias minimamente adequadas para que os candidatos apresentem suas propostas e se critiquem, mesmo que duramente. E o processo eleitoral está em andamento, é natural que as emoções aumentem.”
Notícias falsas no sistema jurídico
O juiz refuta a ideia de que a divulgação de notícias falsas não seja crime no ordenamento jurídico brasileiro. Segundo Fontes, fenômenos novos, como os conhecidos como desinformação, normalmente não têm previsão pronta.
“O facto de não existir um tipo penal específico ‘Propagar notícias falsas ou praticar desinformação’ não significa que condutas que constituam propagação de notícias falsas ou disseminação de desinformação não se enquadrem nos tipos penais existentes, como a calúnia, a difamação, a injúria ou crimes previstos no código eleitoral ou outras infrações administrativas ou civis que possam ser imputadas a estas pessoas”, alerta.
Recomendações aos eleitores do presidente do Comitê de Combate à Desinformação do TRE-SC
- “Procure estar informado e exercer o seu direito de determinar da melhor forma possível os rumos políticos do país.”
- “Tomemos toda cautela, como em tudo na vida, com tudo que chega até nós através do celular e das redes sociais.”
- “Pergunta: isso é justificado?”
- “Quem está interessado na circulação desta notícia ou na circulação desta informação?”
- “Não faltam golpes nas redes sociais, no WhatsApp e na internet em geral. Mas em particular em relação às eleições, permaneçam cada vez mais atentos, especialmente durante o período eleitoral.”
Recomendações para candidatos
“É importante que tenham consciência de que a divulgação de informação é um direito seu durante o período eleitoral, e é natural que assim seja, esta é a corrida eleitoral. Mas eles serão cada vez mais acionados, e a Justiça Eleitoral – através de todo o aparato policial, Ministério Público, especialistas em informática – estará sempre buscando fiscalizar e punir quem adotar condutas vistas como abusivas contra a livre escolha do eleitor.”
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