O Tribunal de Contas da União (TCU) mudou seu próprio entendimento sobre o recebimento de brindes de luxo por presidentes da República e decidiu nesta quarta-feira, 7, que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não precisará devolver o relógio Cartier – avaliado em cerca de R$ 60 mil – que ganhou em seu primeiro mandato durante uma viagem à França, conforme revelou Estadão. Em síntese, o tribunal entendeu que não existe legislação específica que trate de presentes de caráter muito pessoal e de alto valor comercial.
Além de definir a situação envolvendo Lula, a decisão poderá favorecer Jair Bolsonaro (PL). A defesa do ex-presidente afirmou ontem que entrará com recurso para suspender a investigação das joias. Bolsonaro é investigado pela Polícia Federal por suspeita de desvio de joias e relógios de luxo da Presidência da República avaliados em R$ 6,8 milhões.
Segundo a investigação, os valores obtidos com a venda de presentes foram convertidos em dinheiro e entraram no patrimônio pessoal de Bolsonaro por meio de intermediários. O ex-presidente foi indiciado pelos crimes de associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro.
O advogado Paulo da Cunha Bueno, que representa o ex-presidente, classificou a decisão como “correta”. Ele disse ao Estadão que solicitará a anulação do procedimento da PF. “Sim, vamos utilizar (a decisão do Tribunal de Contas). Não existe legislação específica e o TCU estava legislando”, disse.
Oito ministros votaram no julgamento de ontem. A tese vencedora, de autoria do ministro Jorge Oliveira – indicado ao TCU por Bolsonaro – foi acompanhada por Jhonatan de Jesus, Augusto Nardes, Aroldo Cedraz e Vital do Rêgo.
Votos dissidentes
Houve duas votações divergentes. O relator, ministro Antonio Anastasia, acompanhou a área técnica do tribunal e entendeu que Lula não precisaria devolver o relógio de luxo – pois o item foi recebido em 2005 e, caso a devolução fosse determinada, poderia causar “insegurança jurídica”. “.
Ele foi sucedido pelo ministro substituto Marcos Bemquerer Costa. O ministro Walton Alencar votou para que Lula devolvesse o Cartier e quaisquer outros bens de luxo, mas ficou sozinho na Justiça.
Lula foi alvo de auditoria do TCU sobre o mesmo tema em 2016. Na época, o Tribunal determinou a devolução de mais de 500 presentes que haviam sido incorporados ao seu patrimônio privado. O relógio Cartier, porém, passou despercebido e não foi devolvido. Na época, o tribunal estabeleceu o entendimento de que apenas itens de caráter muito pessoal (medalhas, por exemplo) ou de consumo pessoal (roupas, perfumes, alimentos) deveriam permanecer com os presidentes.
É exatamente esta tese firmada em 2016 que foi “anulada” pelo voto vencedor de Oliveira que, na prática, abriu caminho para a defesa de Bolsonaro. Em seu voto, o ministro afirmou que não existe uma norma específica sobre o conceito de “bens de caráter muito pessoal” e de “alto valor de mercado”.
“O princípio da legalidade não se aplica neste caso específico? A lei das sanções no Brasil é clara: não há crime sem uma lei anterior que o defina. o país que trata do recebimento de presentes de presidentes da República”, acrescentou Oliveira.
E, por fim, decidiu: “Reconhecer que, até que lei específica regule a matéria, não há base legal para caracterizar os donativos recebidos pelos Presidentes da República no exercício do seu mandato como bens públicos, o que exclui a possibilidade de emissão de um determinação, por parte deste Tribunal, de sua incorporação ao patrimônio público.”
Zanin
Para solidificar seu argumento, Oliveira ainda citou a defesa apresentada por Lula no âmbito do processo do TCU de 2016, feita pelo advogado Cristiano Zanin, atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) por recomendação do petista.
Por sua vez, Walton Alencar afirmou que a ausência de menção expressa na legislação sobre presentes muito pessoais recebidos por presidentes da República não autoriza a apropriação de bens de luxo. “A questão é tão óbvia que o legislador considerou desnecessário mencioná-la na lei. Ambos os dispositivos das normas infralegais não autorizam a sua incorporação em bens pessoais. Trata-se apenas de uma lamentável tentativa de legitimar o que é ilegítimo”, destacou Walton .
Ele reforçou que o entendimento do TCU publicado em 2016 se baseava nos princípios da moralidade e da transparência. “A Constituição Federal é a mesma, o princípio da moralidade é o mesmo, a legislação é a mesma. Só mudaram os presidentes da República”, destacou.
“Como vimos, a entrega de relógios em ouro maciço, a título de presentes, ao Presidente da República, ao Primeiro-Ministro ou aos Ministros de Estado, não é tolerada por nenhum país civilizado do mundo”, acrescentou.
Além do Cartier, Walton Alencar pediu a devolução do relógio Piaget de R$ 80 mil. Este item não está na lista oficial de presentes. A existência do relógio de luxo veio à tona no início de 2022, quando Lula apareceu usando o acessório durante evento de comemoração do centenário do PCdoB.
Piaget
Como revelou o EstadãoO assessor de Lula afirmou que Piaget não foi um presente recebido enquanto o petista era presidente nos dois primeiros mandatos.
Em seu voto, Anastasia, que foi derrotada, não deliberou sobre Piaget justamente porque não foi comprovado que o relógio tenha sido um presente recebido durante o mandato do petista. Ele destacou ainda que não há registros de que o item tenha sido vendido – numa clara referência a Bolsonaro. A informação é do jornal O Estado de S. Paulo.
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