O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, nesta quarta-feira (17), decreto que cria o Sistema Nacional de Cadastro de Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (SisTEA).
A medida deverá facilitar e padronizar a emissão da carteira de identidade nacional para esta população.
O sistema informatizado é administrado pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDH) e operado em articulação com órgãos estaduais e municipais.
A assinatura ocorreu durante o encerramento da 5ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, em Brasília.
“Eu sei quem precisa de políticas públicas do Estado, quem são as pessoas mais necessitadas deste país, quem são as pessoas mais pobres deste país, quem são milhões de brasileiros, incluindo pessoas com deficiência. Você sente na pele o que muitas vezes só vemos em filmes: desrespeito, falta de carinho, solidariedade, compreensão, nojo”, disse Lula.
“Vocês dão exemplo de dedicação, altruísmo e muita resiliência. Só você pode dar o exemplo de que o ser humano não tem limites. O ser humano pode conseguir o que quiser, basta ter vontade”, acrescentou, defendendo que os participantes na conferência devem fazer as críticas necessárias aos governantes e acompanhar a implementação das políticas públicas.
Durante o evento, o MDH e o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome também assinaram um acordo de cooperação no âmbito da Política Nacional de Cuidados e do Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
O objetivo é desenvolver ações intersetoriais em resposta às demandas das pessoas com deficiência, considerando a interseccionalidade de gênero, classe, raça, etnia, idade e território e a interdependência entre quem cuida e quem demanda cuidado.
Também foi assinada portaria interministerial, entre o MDH e o Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), sobre procedimentos para adaptações de acessibilidade em prédios públicos federais.
Lutando contra a capacidade
Também foi entregue o relatório final do Grupo de Trabalho sobre Avaliação Biopsicossocial Unificada da Deficiência, que trata da implementação desta avaliação no país.
O objectivo do governo é propor uma metodologia de avaliação da deficiência que vá além do modelo médico tradicional, reconhecendo a deficiência como uma interacção complexa de factores biológicos, psicológicos e sociais.
A secretária nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência do MDH, Anna Paula Feminella, explicou que o departamento está conversando com vários ministérios sobre o uso da avaliação biopsicossocial em diferentes políticas públicas e agendas de serviços.
“Uma implementação progressiva da avaliação biopsicossocial é uma mudança de paradigma. Estamos saindo do modelo beneficente, do modelo biomédico e precisamos mudar essa cultura e enfrentar de uma vez por todas a cultura do capacitismo”, disse, lembrando o lançamento, em 2023, da campanha Combate ao Capacitismo.
O ableismo consiste na discriminação contra pessoas com deficiência, expressa de múltiplas formas através de determinados tratamentos, formas de comunicação, práticas, barreiras físicas e arquitetônicas que impedem o pleno exercício da cidadania.
Esse preconceito pode ser consciente ou inconsciente, mas reflete sempre a ideia de que existe um corpo padrão, sem deficiências, que é considerado normal.
A partir desta ideia, a capacidade e aptidão das pessoas com deficiência são subestimadas.
Para enfrentar esse problema, Anna Paula mencionou que devem ser implementadas ações efetivas com educação inclusiva, com oportunidades de emprego e desenvolvimento profissional, com saúde e transporte adequados, acesso à cultura, com formação de agentes públicos capazes de romper com esse preconceito e com a barreiras impostas às pessoas com deficiência.
“Muitas vezes tem algumas barreiras regulatórias que ainda nos impedem de sair de casa, às vezes é um degrau, uma calçada que já nos deixa encarcerados”, disse.
Estudos
Durante o evento, o MDH e o Ipea assinaram um protocolo para a realização de pesquisas e estudos aplicados sobre a implementação da avaliação biopsicossocial da deficiência.
O MDH, o MGI e o Ministério do Plano e Orçamento também assinaram um acordo para realizar estudos de impacto regulatório, social, político e económico da avaliação em todo o país, para propor directrizes para a criação de um sistema nacional de avaliação de deficiência e o desenvolvimento de um estratégia do governo para adotar o sistema.
As novas iniciativas do governo se somam ao Plano Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência Novo Viver sem Limite, lançado em novembro de 2023.
O plano reúne cerca de 100 ações e prevê R$ 6,5 bilhões em investimentos em ações para pessoas com deficiência.
Até o momento, porém, apenas cinco estados aderiram: Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba e Piauí. Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Alagoas e Pará estão em processo de adesão.
Com 1.600 participantes de todo o país, a 5ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência marca o retorno deste tipo de evento após oito anos.
O encontro é resultado de 453 conferências municipais, 51 conferências ou fóruns regionais, uma conferência gratuita de acessibilidade cultural e 27 conferências realizadas em todas as unidades federativas.
O evento começou no último domingo (14) e termina na tarde desta terça com a aprovação da Carta de Brasília.
Os 800 delegados da conferência estão a analisar 90 recomendações propostas para vários órgãos sobre políticas para a população com deficiência.
Caso Sônia
A vice-presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Rio Grande do Sul, Ewelin Canizares, representante do Movimento Feminista de Mulheres com Deficiência Inclusivas, lembrou que as políticas públicas devem ser interseccionais e garantir a participação de toda a diversidade de pessoas na sociedade.
“Em primeiro lugar, somos pessoas, não somos deficiências. Em segundo lugar, somos diversos, homens, mulheres, indígenas, negros, brancos, de todas as individualidades humanas, também somos LGBT. Então, precisamos de uma política interseccional que nos abranja como um todo”, afirmou, exigindo também reparação e memória de todos os erros e violências que foram cometidos contra as pessoas com deficiência, como a institucionalização indevida e a segregação.
Ela também comentou o caso de Sônia Maria de Jesus, de 50 anos, que foi resgatada em uma operação contra o trabalho análogo ao escravo da casa de um juiz e posteriormente devolvida à residência dos investigados, em Santa Catarina.
A empregada doméstica é surda e muda, permaneceu na casa do magistrado por mais de 40 anos e nunca recebeu salário ou qualquer outra remuneração trabalhista.
“Temos que lembrar que as vidas dos negros com deficiência também são importantes e que temos que fazer progressos neste país para que todos reconheçam o nosso valor”, disse Ewelin.
Ao saber da história, Lula disse que exigirá informações de seus ministros sobre o caso.
“Como pode haver uma decisão para que esta pessoa que estava numa casa há 41 anos volte para a mesma casa? Em nome de quê? Em defesa de quê? perguntou o presidente.
“Não faz sentido. Só quero dizer que estou interessado no caso e que vou consultar alguns ministros para saber o que realmente está acontecendo. Se a sociedade parar de acreditar nas instituições, sabemos o que pode acontecer neste país”, acrescentou.
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