A fase ostensiva mais recente da Operação Last Mile não teve como alvo direto o deputado Alexandre Ramagem – ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência e pré-candidato a prefeito do Rio – mas as investigações se concentraram no aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro. A Polícia Federal afirma que as ações paralelas da Abin foram “domínio do assunto” da Ramagem.
Ramagem nega que autoridades tenham sido monitoradas pelo órgão durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro e classificou a operação da PF como um “tumulto”.
A expressão utilizada pela PF para se referir à Ramagem tem relação com uma teoria jurídica que foi utilizada inúmeras vezes durante o julgamento do Mensalão. Foi citado pelo então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, para apoiar a condenação do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Posteriormente, a tese também foi citada durante a Operação Lava Jato.
A tese foi aprofundada pelo jurista alemão Claus Roxin, citado durante o julgamento do Mensalão no Supremo Tribunal Federal em 2012. Ele entendia que os ocupantes de um ‘aparelho organizado de poder’ que ordenassem a execução de crimes teriam que responder como ‘autores’ de o crime. Admitiu que aprofundou a tese devido à preocupação com a possível impunidade do mais alto nível do nazismo.
Segundo o ex-ministro do STF Ricardo Lewandowski (atual ministro da Justiça), a teoria do direito de fato foi desenvolvida “quando o objetivo era punir os crimes cometidos pelos hierarcas do regime nazista, ou seja, punir aqueles que estavam em a retaguarda, aqueles que não puxaram o gatilho diretamente contra vítimas inocentes.”
A teoria, importada da Alemanha, usada no Mensalão e na Operação Lava Jato – escândalos ocorridos durante o governo Lula – agora é aplicada a um dos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Os investigadores atribuem a Ramagem o fato de ter ‘domínio dos fatos’, ou seja, ter conhecimento das ações da paralela Abin. A PF levantou essa suspeita após encontrar dois documentos em poder do ex-diretor da Agência, denominados “Presidente” e “Presidente 2”. Eles foram reproduzidos na representação da quarta fase da Última Milha, pela “essencialidade da importância probatória”, segundo a Polícia Federal.
Os arquivos foram encontrados após Ramagem ser alvo de busca e apreensão na Operação Vigilância Certa, inaugurada em janeiro. Na época em que foi alvo de buscas, Ramagem negou irregularidades, afirmando que a investigação era uma “salada de narrativas” e que a Polícia Federal queria incriminá-lo.
A corporação afirma que os documentos corroboram a premissa investigativa de que informações da paralela Abin forneceram o “núcleo político” da organização criminosa sob suspeita. Nos arquivos de texto constam as expressões “Bom dia, Presidente” e “Boa tarde, Presidente”. Citação: “Família Bolsonaro”; “Flávio”, em possível citação ao senador Flávio Bolsonaro; o caso Marielle; e o caso Queiroz (investigação das fissuras).
Em janeiro, a PF já apontava que a estrutura da Abin também era utilizada para produzir informações que teriam auxiliado na defesa dos filhos de Bolsonaro em investigações criminais – incluindo o senador Flávio Bolsonaro e a investigação das rachadinhas. Na época, o senador negou ter sido favorecido.
No documento estão registradas instruções sobre o caso Queiroz. “Os advogados de defesa devem atuar de forma técnica em todas as instâncias. Contestar judicialmente a acusação de peculato; destruir a teoria de domínio do fato de Flávio como suposto mandante do esquema”, registra o texto.
Em outro trecho do mesmo expediente, também dirigido ao “presidente”, está registrado: “Na tentativa de ajudar, algumas considerações sobre as acusações contra Flávio”. “Não tenho acesso a registros nem estratégia de defesa. Essa é apenas uma forma de tentar ajudar com conhecimento”, continua o texto.
O dossier aborda ainda quais seriam os magistrados responsáveis pela denúncia do caso nos tribunais superiores. “A 3ª Câmara Criminal tem que sofrer provocações constantes quanto a perseguições, violação de igualdade e impessoalidade”, diz o texto.
A PF afirma que os documentos indicam “ações clandestinas em benefício do núcleo político, inclusive com indícios de tentativa de direcionamento de investigações da Polícia Federal com viés político. Este último indício está relacionado à seguinte frase: “Fora isso, a PF tem continuar o trabalho de desvio de fundos eleitorais do PSC, lavagem de empresas e corrupção administrativa e policial”.
Também foi encontrado com Ramagem um áudio de uma reunião em que o ex-presidente Jair Bolsonaro, o general Augusto Heleno (então chefe do Gabinete de Segurança Institucional, ao qual a Abin está subordinada) e o ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência discutiram um plano para cancelar o investigação de crack.
A gravação remonta a uma reunião realizada em agosto de 2020, também com a participação do advogado de Flávio. A conversa citou os auditores da Receita Federal responsáveis pelo relatório de inteligência fiscal que baseou a investigação do caso Queiroz – revelado por Estadão. Procurado, Flávio disse nunca ter tido contato com integrantes da Abin.
Os documentos foram espelhados ao final da representação da Polícia Federal, sem indicar as providências que seriam tomadas, na quarta fase do Last Mile, sobre o tema. Logo em seguida, a PF apresentou os argumentos para sustentar as cinco ordens de prisão preventiva e os mandados de busca e apreensão cumpridos na quinta-feira, 11.
A PF explicou como a Abin paralela “manteve (ou mantém) ligação com outras organizações independentes e/ou se qualifica como célula responsável pela contrainteligência de uma organização criminosa maior, utilizando recursos humanos e materiais da Agência Brasileira de Inteligência e de outras instituições”.
Segundo a corporação, a quadrilha ainda não foi “completamente neutralizada”, pois todos os seus integrantes não foram identificados. Além disso, a PF entende que as ações clandestinas continuam em andamento, considerando a interação entre seus integrantes.
Como mostra o Estadãoa Polícia Federal ainda quer avançar nas investigações sobre as “provas veementes” que encontrou de crime de corrupção passiva envolvendo a paralela Abin
A suspeita dos investigadores é que o grupo procurava vantagens não só políticas, mas também económicas, através da corrupção passiva. Ao solicitar as diligências tomadas nesta quinta-feira, 11, a corporação afirma que as provas serão tratadas “no momento adequado à investigação”.
“A estrutura paralela realizou ações clandestinas que garantiram vantagens, sejam de natureza política, a ponto de atribuir ao policial federal destacado a “ação de inteligência” de “cuidar das redes sociais” ou de natureza econômica devido a provas veementes de atos de corrupção passiva identificados”, registrou a PF.”
Além disso, a Polícia Federal afirma ter identificado atos de “constrangimento” na investigação da Abin Paralela. A corporação afirma que tais conclusões “serão abordadas no devido tempo”.
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