A Polícia Federal abriu nesta quinta-feira, 11, uma nova etapa da operação que visa o uso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em um esquema de espionagem no governo passado e prendeu quatro suspeitos de atuar na “criação de perfis falsos e divulgação de informações falsas” sobre pessoas consideradas opositoras do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Segundo a PF, ministros do Supremo Tribunal Federal, parlamentares, servidores públicos e jornalistas foram fiscalizados ilegalmente. A corporação disse ainda ter identificado áudio de reunião em que Bolsonaro discutiu com o ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem a blindagem do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na investigação da “rachadinha”.
Segundo reportagem da PF, a gravação da reunião em que Bolsonaro atuou para proteger Flávio contou com a presença do ex-diretor-geral da Abin Alexandre Ramagem, hoje deputado federal pelo PL no Rio, o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) , general Augusto Heleno, e advogado do filho do ex-presidente. O áudio remonta a uma reunião realizada em agosto de 2020 e cita os auditores da Receita Federal responsáveis pelo relatório de inteligência fiscal que baseou a investigação da “rachadinha” que implicou Flávio, revelada por Estadão em 2018. O senador negou ter tido contato com integrantes da Abin.
Segundo o documento da PF, Ramagem afirma, no áudio, que “seria necessária a instauração de procedimento administrativo contra os auditores da Receita Federal, com o objetivo de anular a investigação, bem como afastar alguns auditores de seus respectivos cargos”. O áudio tem mais de uma hora de duração. A reunião teria sido gravada pelo próprio Ramagem, que, na época, defendeu o acompanhamento “urgente” dos auditores para descobrir problemas “podres” nos servidores, registrou a PF. A retirada ilegal deveria ser “jogada com uma palavra”, o que, segundo os investigadores, indica o caráter clandestino da ação.
A PF afirmou ter encontrado diálogos em que ex-funcionários do Centro Nacional de Inteligência da Abin Marcelo Araújo Bormevet e Giancarlo Gomes Rodrigues – dois dos presos ontem – tratam de pesquisas envolvendo auditores da Receita. A informação foi repassada a Ramagem em dezembro de 2020. A dupla também discutiu um dossiê do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, segundo a PF. Em um dos diálogos citados pelo órgão, dizem que o magistrado “merece algo mais” e escreve “tiro na cabeça”.
Detidos preventivamente ontem, além de Marcelo Bormevet e Giancarlo Rodrigues, os ex-assessores de Ramagem na Abin, Richards Pozzer e Mateus de Carvalho Spósito, identificados como integrantes do “gabinete do ódio”, grupo que usava as redes sociais para disseminar desinformação e atacar inimigos de Bolsonaro . Um quinto mandado de prisão, contra Rogério Beraldo de Almeida, também suspeito de espalhar notícias falsas com base em informações fornecidas pela “Abin Paralela”, só havia sido cumprido na noite de ontem. Dois ex-servidores da Presidência, José Matheus Sales Gomes e Daniel Ribeiro Lemos, foram alvo de buscas.
Autoridades
O relatório da PF afirma que o grupo investigado espionou os ministros do STF Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso (atual presidente da Corte) e Luiz Fux, além dos deputados Arthur Lira (PP-AL), atual presidente da Câmara , e Kim Kataguiri (União Brasil-SP), ex-presidente da Casa Rodrigo Maia e ex-deputada Joice Hasselmann. A lista de senadores monitorados inclui Alessandro Vieira (MDB-SE), Omar Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (sem partido-AP). O documento também menciona o ex-governador de São Paulo João Doria e funcionários do Ibama e da Receita Federal.
Segundo a PF, a organização suspeita “também acessava ilegalmente computadores, aparelhos telefônicos e infraestrutura de telecomunicações para monitorar pessoas e agentes públicos”. A investigação apura suspeitas de crimes envolvendo organização criminosa, tentativas de abolição do Estado Democrático de Direito, interceptação clandestina de comunicações e invasão de dispositivo informático alheio.
“É assustador imaginar que Alexandre Ramagem, então servidor público, hoje deputado federal, comandou um esquema de monitoramento de pessoas. Tomarei todas as medidas legais cabíveis contra ele e os demais envolvidos nas esferas cível e criminal”, declarou Rodrigo Maia. As demais autoridades não haviam se posicionado até a publicação deste texto.
Fases
A primeira fase da Operação Last Mile foi deflagrada em setembro de 2023, quando a PF prendeu dois funcionários da Abin que, segundo os investigadores, fizeram uso indevido do sistema de geolocalização de celulares do órgão. Na ocasião, a sede da Abin foi alvo de buscas.
Em janeiro, a investigação se desdobrou na Operação Vigilância Certa, que atingiu, além de Ramagem, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ). Nesta fase, a PF disse acreditar que a estrutura da Abin foi utilizada para produzir informações que teriam ajudado na defesa dos filhos de Bolsonaro nas investigações.
‘Curioso’
Ó Estadão procurou as defesas dos investigados. O advogado de Richards Pozzer, Jeffrey Chiquini, afirmou que seu cliente é “um cidadão comum, engenheiro, casado, homem de família”, que pesquisou nomes de figuras públicas em portais de transparência, “exercendo o direito de cidadania no monitoramento do serviço público, da moralidade e integridade da administração pública”. O defensor disse que Pozzer é apenas “uma pessoa curiosa” e que a prisão teve motivação política.
As defesas dos demais citados não haviam sido manifestadas até a publicação deste texto. O espaço permanece aberto.
Senador diz que nunca manteve contato com integrantes do órgão
Procurado pela reportagem, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse que nunca manteve contato com membros da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). “Simplesmente não havia relação entre mim e a Abin. Minha defesa atacou questões processuais (da investigação da rachadinha), portanto, não adiantou nada que a Abin pudesse ter”, declarou o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O parlamentar também criticou a operação deflagrada ontem pela Polícia Federal. “A divulgação desse tipo de documento, às vésperas das eleições, visa apenas prejudicar a candidatura de Alexandre Ramagem a prefeito do Rio de Janeiro”, disse o senador. Pré-candidato na disputa municipal deste ano com apoio da família Bolsonaro, Ramagem não foi alvo da ofensiva de ontem. O ex-diretor da Abin teve endereços pesquisados na segunda etapa da operação, realizada em janeiro deste ano. O deputado comandou a Abin entre 2019 e 2022.
O ex-presidente Jair Bolsonaro, por meio do advogado Fabio Wajngarten, disse não ter tido acesso à gravação da reunião citada no relatório da PF e afirmou que o áudio ainda não apareceu. Procurados ontem, Ramagem e o general Augusto Heleno não responderam. A informação é do jornal O Estado de S. Paulo.
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