A possibilidade de realizar novos financiamentos utilizando como garantia um imóvel já vendido é a mais recente aposta de bancos e fintechs para catapultar o crédito com garantia de imóvel (CGI), também chamado de home equity. Essa modalidade vem crescendo ano após ano, mas ainda gera números relativamente pequenos no país.
A evolução dessa categoria tornou-se possível com o Marco de Garantias (lei 14.711), que entrou em vigor no final de 2023 e passou a autorizar que um mesmo imóvel seja utilizado como garantia de mais de um empréstimo. Desde então, Santander (BVMF:), Itaú Unibanco (BVMF:), CashMe (do grupo Cyrela (BVMF:)) e Creditas passaram a realizar esse tipo de operação, enquanto a Caixa Econômica Federal estuda aderir nos próximos meses .
A medida ajudará a ampliar o CGI, na visão do diretor de crédito imobiliário do Santander, Sandro Gamba, que também preside a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). “Esta é uma grande oportunidade, pois cria um novo mercado, uma nova forma de gerar crédito”, afirma. “Antes, o crédito só era oferecido para imóveis desinvestidos. A grande diferença agora é que todos os imóveis pertencentes a uma carteira desinvestida são elegíveis.”
Para entender o potencial do mercado, basta tomar como exemplo uma pessoa que já possui um financiamento no valor, por exemplo, de 20% ou 25% do imóvel dado como garantia e que ainda tem vários anos de parcelas para pagar. Antes da mudança regulatória, essa pessoa não poderia utilizar o mesmo imóvel em uma nova transação, mesmo que o valor da garantia fosse muito superior ao da dívida.
Houve, portanto, uma “ociosidade” de ativos, que agora estão sendo desbloqueados. A utilização do mesmo imóvel para duas ou mais operações de crédito pode atingir o teto de até 60%. Ou seja, o valor combinado de todos os financiamentos não pode ser superior a 60% do valor do imóvel, conforme Resolução 4.676 de 2018, do Banco Central.
Ao definir um teto, o objetivo do BC foi evitar que o ativo utilizado como garantia não conseguisse se qualificar para o conjunto de financiamentos concedidos pelas instituições financeiras, o que poderia gerar perdas num efeito dominó na execução de dívidas.
Os bancos veem grande potencial de crescimento em CGI
Em julho, o Santander lançou uma linha chamada ?Use Casa Mais?, que aceita imóveis já vendidos. Nas primeiras três semanas foram realizadas mais de mil simulações, o que indica uma forte procura, na opinião de Gamba. “É uma modalidade de crédito que atrai pessoas que precisam de recursos, mas não conseguiram financiamento”, relatou.
O Itaú Unibanco lançou sua linha baseada em imóveis já vendidos em junho e também teve alta demanda. No mês seguinte, esse modelo já respondia por 20% de todas as operações de CGI. “Houve uma demanda acima do esperado”, disse o diretor de crédito imobiliário do banco, Thales Ferreira. “O novo marco foi uma conquista para o setor. E vemos isso como uma oportunidade para o desenvolvimento do CGI.”
Hoje, o Itaú está lançando a opção de contratação de CGI com imóveis vendidos 100% digitalmente, via aplicativo ou site. O objetivo é desburocratizar e simplificar processos para impulsionar o negócio.
Entre as fintechs, a CashMe também atua nessa modalidade. A empresa já trabalhava com a CGI e começou a realizar operações em imóveis já vendidos neste ano. Essas operações já totalizaram mais de R$ 15 milhões. Por sua vez, a Creditas começou a testar o novo modelo nos últimos meses e pretende estruturar em breve uma linha específica.
A Caixa Econômica Federal, líder em crédito imobiliário no Brasil, confirmou que “está em estudo a possibilidade de oferecer extensão de garantia aos clientes com contratos habitacionais ativos”, mas que ainda aguarda alguns ajustes na regulamentação.
Riscos
Um ponto comum entre todos os participantes é que só concederam novos financiamentos para quem já é cliente, e não para quem tem imóveis vendidos para outras instituições financeiras.
Uma razão para isso é comercial, pois faz mais sentido explorar primeiro o seu próprio portfólio. A outra razão é evitar possíveis desagrados em caso de inadimplência e execução de dívidas envolvendo diferentes credores – algo que já possui previsão legal, mas ainda não foi testado em processos judiciais reais.
Ferreira, do Itaú, disse que há conforto em trabalhar com CGI em imóveis já vendidos, mas apenas para clientes próprios. “Não vejo nenhum risco de complicações adicionais nisso. Quanto aos imóveis vendidos a terceiros, ainda há questões a serem debatidas com mais profundidade?, ponderou.
Caso essa modalidade de empréstimo não seja paga e o credor decida ficar com o imóvel do devedor inadimplente, há uma ordem a ser seguida. Um eventual incumprimento da segunda dívida não pode implicar a execução da garantia. A dívida é exigível, porém, não com a garantia imobiliária, explica o advogado Olivar Vitale, sócio-fundador do escritório VBD e membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim).
“A lei é muito clara. A constituição da alienação fiduciária superveniente (segunda dívida) é legal e passível de registro a partir do momento em que é contratada, mas sua eficácia só se inicia com o cancelamento da garantia fiduciária originária”, afirma Vitale. Isto significa que se a primeira dívida não for paga, o primeiro credor tem prioridade na execução da garantia, e o segundo credor terá de cumprir este processo. Por se tratar de uma regulamentação ainda nova, grande parte do mercado ainda está cautelosa. “Acredito que ainda possa haver insegurança jurídica na questão da preferência para execução de dívidas?, afirma o presidente da CashMe, Juliano Bello. O outro ponto é se os gestores dos CRIs (certificados de recebíveis imobiliários) entendem esse risco e vão quero investir nesse tipo de função”, observou.
O vice-presidente da Creditas, Fabio Zveibil, também acredita em alguma incerteza sobre como seria uma eventual execução de garantias. “Existe uma regra, mas há dúvidas sobre como isso vai funcionar na prática”, afirma. Portanto, a opção da fintech será avançar com mais cautela neste novo mercado. “Há muitos imóveis que não foram vendidos e têm potencial para serem utilizados em operações de CGI. O tamanho da oportunidade daquilo que ?não é alienado? é grande o suficiente. É uma questão de popularizar o produto?, avaliou.
Visão geral do mercado
A carteira total de CGI no mercado atingiu R$ 21,7 bilhões em meados de 2024, um aumento de 21% em relação a meados de 2023, segundo dados da Abecip. O volume de financiamento no primeiro semestre foi de R$ 4,6 bilhões, um aumento de 45% na comparação anual. Embora haja um crescimento relevante, o setor ainda é pequeno se comparado ao crédito imobiliário tradicional, para compra e construção de casa própria, que gerou R$ 115 bilhões em financiamentos no primeiro semestre.
Nos últimos anos, o CGI ganhou mais atenção tanto do governo, do lado regulatório, quanto das instituições financeiras, o que ajudou a dar força ao negócio. Os bancos reformularam seus produtos e investiram em publicidade para torná-los mais conhecidos.
Como há imóvel na reserva, a principal vantagem é que a tarifa é menor que a das linhas quirografárias. As taxas de mercado atualmente variam de 1,5% a 2,0% ao mês. Tem sido procurado por quem quer quitar dívidas mais caras, fazer investimentos e/ou reformar a casa própria, por exemplo.
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