Por Marta Nogueira
RIO DE JANEIRO (Reuters) – Ipiranga e Vibra, duas das principais distribuidoras de combustíveis do Brasil, estão prontas para entrar com ações judiciais questionando a compra obrigatória de Créditos de Descarbonização (CBios), disseram à Reuters três fontes com conhecimento das discussões.
Os CBios estão no centro do programa federal RenovaBio, instituído por lei, que definiu que a compra desses créditos pelas distribuidoras seria a forma de as empresas compensarem os combustíveis fósseis vendidos.
Se as ações das duas maiores distribuidoras forem implementadas, elas se juntarão às de outras 28 empresas que contestaram suas obrigações na Justiça, com muitos processos resultando em liminares favoráveis, segundo números do Instituto Brasileiro de (IBP).
“As empresas estão preparadas para ir (na Justiça), têm até autorização dos conselhos, tanto Ipiranga quanto Vibra, para agir, questionando, na mesma linha das decisões que já existem”, afirmou uma das fontes com conhecimento do assunto, sob condição de confidencialidade para falar livremente.
Procuradas, as assessorias de imprensa das duas distribuidoras disseram que não comentariam o assunto.
Como estão entre os maiores, tal medida aumentaria potencialmente a pressão contra o programa, que já enfrenta dificuldades.
À medida que os distribuidores, munidos ou não de liminares, não conseguem cumprir as suas metas de aquisição de crédito, os preços dos CBios despencaram nos últimos meses, afetando os produtores de biocombustíveis, que são os emissores dos créditos.
Segundo o IBP, que representa grandes distribuidoras como Vibra, Ipiranga, do grupo Ultrapar (BVMF:), além da Raízen (BVMF:), seus associados ainda não contestaram o programa na Justiça.
Mas, segundo fontes ouvidas pela Reuters, Vibra e Ipiranga estão perto de fazê-lo, levando em conta as distorções geradas no mercado por quem não cumpre as metas, além dos custos com CBios, que acabam sendo repassados aos consumidores.
Só no ano passado, 19% da meta do programa RenovaBio não foi alcançada, resultando em 7,61 milhões de CBios não aposentados, o que representa 860 milhões de reais de vantagem competitiva para os inadimplentes, segundo cálculos do IBP enviados em nota à Reuters.
“Das 145 distribuidoras solicitadas pelo RenovaBio, 63 não cumpriram suas metas, sendo que 54 não adquiriram nenhum crédito”, disse o instituto.
Os membros do IBP atingiram seus objetivos, acrescentou o instituto.
Vibra e Ipiranga, assim como diversos outros agentes do mercado, já fizeram diversas críticas públicas ao programa, com pedidos de melhorias, e se manifestaram em defesa do RenovaBio.
As distribuidoras reclamam, por exemplo, que podem ser multadas caso não cumpram metas e prazos para aposentadoria de CBios, enquanto os emissores não estão sujeitos a cronograma, entre outras questões diversas.
Porém, nas últimas reuniões para tratar do tema com agentes de mercado, o governo apenas sinalizou ideias para punir os inadimplentes, sem considerar ajustes ou melhorias, segundo seis fontes com conhecimento do assunto.
“Ainda há esperança, obviamente, de que haja um acordo para que as autoridades alterem (as regras), mas até agora isso não aconteceu”, acrescentou a fonte.
“Se o governo não se mexer, nem o Legislativo, quem vai acabar se mexendo serão os tribunais. E então será acabar com o programa ou fazer um grande ajuste”, disse uma segunda fonte, também sob a condição de de sigilo.
Procurado, o Ministério de Minas e Energia não se pronunciou de imediato sobre o assunto.
Segundo o instituto, se forem retiradas da análise as quatro maiores distribuidoras, menos de 50% da meta do CBios foi cumprida em 2023.
O IBP acrescentou ainda que está preocupado com o facto de oito distribuidoras estarem em incumprimento desde o início do programa, apesar dos processos de revogação das suas autorizações, já iniciados pelo regulador ANP.
“Esta situação cria distorções no mercado ao beneficiar economicamente as empresas que descumprem a lei, uma vez que o custo dos CBios é repassado aos consumidores através do preço dos combustíveis”, afirmou o IBP.
A forte inadimplência derrubou os preços dos CBios no mercado ao longo deste ano. A ação fechou junho a 77,83 reais, patamar 21% abaixo da média de 2024, segundo relatório do Itaú BBA divulgado nesta quinta-feira.
Essa queda “foi reflexo tanto do pessimismo do mercado quanto da tolerância do governo com as distribuidoras que judicializaram suas metas individuais de CBios… (e) da alta oferta de créditos no mercado”, afirma o relatório.
Em relatório anterior, o Itaú (BVMF:) chegou a afirmar que há uma “sensação de que apenas as distribuidoras que valorizam a sustentabilidade e sua imagem na sociedade continuarão comprometidas com o programa”.
IMPACTO PARA O BIOCOMBUSTÍVEL
Os preços mais baixos dos CBios impactam os negócios das indústrias de biodiesel e biodiesel, que são as emissoras dos créditos. Um dos princípios do programa era justamente incentivar a produção de fontes renováveis.
O presidente do Sindicato da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), Evandro Gussi, disse à Reuters que o programa é reconhecido internacionalmente e que é preocupante que parte do mercado de distribuição esteja causando distorções ao não cumprir as regras.
Em nota, a Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio) disse à Reuters que o RenovaBio é um dos maiores ativos do Brasil e uma referência internacional no programa de descarbonização. “A Aprobio acredita nesta política e defende que a lei seja cumprida por todos… Não vemos necessidade de mudanças, mas consideramos qualquer oportunidade de melhoria”, afirmou em comunicado.
A lista de emissores de CBios também inclui a Raízen – joint venture entre Shell (NYSE:) e Cosan (BVMF:) –, que é a maior produtora de etanol do Brasil. Como distribuidora, a empresa atua nas duas pontas. Procurado, ele não comentou o assunto.
(Por Marta Nogueira)
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