A condenação do governo dos Estados Unidos (EUA) à tentativa de golpe de Estado na Bolívia na última quarta-feira (26) ocorreu por meio de autoridades de segunda linha no governo de Joe Biden. Especialistas avaliam que a falta de ênfase do governo Biden ao golpe na Bolívia tem relação com a disputa política no país andino.
Quase 29 horas depois da denúncia do presidente boliviano Luis Arce sobre o movimento golpista do general Juan José Zúñiga, o secretário de Estado adjunto de Gestão e Recursos do Departamento de Estado dos EUA, Richard R. Verma, condenou a ação em uma rede social.
“Os Estados Unidos condenam veementemente a movimentação ilegal de unidades militares na Bolívia, bem como condenam qualquer tentativa de subverter a ordem constitucional”, afirmou, em comunicado, o funcionário do secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken.
Horas depois, a manifestação foi partilhada por Adrienne Watson, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca. “Condenamos qualquer tentativa de subverter a ordem constitucional na Bolívia. Os Estados Unidos, incluindo a nossa missão na Embaixada dos EUA na Bolívia, apoiam a democracia e o povo da Bolívia.”
A manifestação de autoridades de 2º escalão dos EUA difere de outros países, onde a condenação foi feita pelo chefe de estado ou por ministros de 1º escalão, como nos casos de Brasil, Espanha, Rússia, México, Chile, Paraguai, Venezuela, Cuba, Argentina e Colômbia.
Direita boliviana
O diretor executivo do Washington Brazil Office (WBO), Paulo Abrão, avalia que a manifestação do governo Joe Biden foi tímida e marcada pelo interesse de não fortalecer a posição da esquerda boliviana.
“As manifestações foram mornas, de autoridades secundárias e muito abaixo dos padrões que os EUA expressam em outras situações semelhantes. Em Washington existe uma direita boliviana muito sintonizada com a burocracia do Departamento de Estado. E a política externa de Biden não difere da de Trump em relação a grupos que têm alianças na América Latina”, destacou o especialista da WBO, organização não governamental brasileira com sede nos EUA.
Para Abrão, a política externa dos EUA sempre agiu por conveniência política. “Não deveríamos ficar surpresos. Apoiaram o golpe de 2019 na Bolívia, inclusive através da OEA [Organização dos Estados Americanos]. Os Democratas [do Partido Democrata], por exemplo, têm uma aliança histórica com Sánchez de Losada na Bolívia, adversários ferrenhos da esquerda boliviana. É por isso que têm dificuldade em falar de forma assertiva quando calculam que isso poderia favorecer a esquerda boliviana. Isso se repete em outros países também”, acrescentou.
As relações entre a Bolívia e os Estados Unidos foram reduzidas em 2008, quando o então presidente Evo Morales expulsou o embaixador de Washington no país após outra tentativa de golpe. Desde então, os EUA mantiveram apenas um encarregado de negócios na capital La Paz.
Lítio
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o sociólogo Carlos Eduardo Martins acredita que a tímida manifestação dos EUA reforça as acusações do presidente Luis Arce de que Washington está interferindo nos assuntos internos da Bolívia.
“A provável entrada da Bolívia no BRICS e o acordo de cooperação entre o país andino e a Rússia e a China para explorar e industrializar o lítio desagradam fortemente aos Estados Unidos, cujo imperialismo é muito sensível ao uso soberano e competitivo de recursos estratégicos”, destacou o especialista em latim Política americana.
Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva relacionou a tentativa de golpe na Bolívia com o interesse pelo lítio, mineral fundamental para a indústria de carros elétricos. “Precisamos ter em mente que temos interesse em dar um golpe”, disse Lula.
As suspeitas de interferência externa na Bolívia são reforçadas por comentários do dono da empresa de carros elétricos Tesla, o multibilionário Elon Musk, dono da plataforma X, o antigo Twitter.
Em um debate sobre Deal with it”.
Por outro lado, o professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o antropólogo Salvador Schavelzon, avalia que o atual golpe frustrado não foi promovido pelos Estados Unidos.
“Não faria sentido que os Estados Unidos, neste momento, fizessem uma intervenção militar como esta, mal feita, sem apoio, nem dentro do exército nem entre a população, para obter um contrato privado [de lítio], numa situação irregular e instável. O capitalismo precisa de estabilidade na Bolívia, inclusive para fazer negócios. Essa revolta não tem relação com os Estados Unidos nem com o lítio”, ponderou o especialista em política na América Latina.
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