A libertação do jornalista australiano Julian Assage foi comemorada em todo o mundo por entidades que trabalham em defesa da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. O fundador da plataforma Wikileaks, alvo de investigações criminais nos Estados Unidos e preso desde 2019 no Reino Unido, chegou a um acordo que lhe permitiu sair do país. Nos próximos dias, ele deverá desembarcar na Austrália.
Segundo nota divulgada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que reúne mais de 500 entidades filiadas em todo o Brasil, foi uma vitória da mobilização internacional em defesa da liberdade de imprensa. “Chamamos a atenção para a ameaça permanente da vigilância e das tentativas de criminalizar o jornalismo e os jornalistas”.
A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que representa 31 sindicatos de jornalistas no Brasil, lembrou que houve um total de 1.901 dias de prisão. “É uma vitória para os jornalistas de todo o mundo, para o direito de informar e ser informado e representa um importante impulso à liberdade de imprensa. A libertação de Assange ajuda a evitar a criminalização das práticas jornalísticas e incentiva as fontes a partilharem confidencialmente provas de irregularidades, crimes e outras informações de interesse público”, registra comunicado divulgado pela entidade.
Por meio de nota assinada por seu presidente Octávio Costa, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) comemorou e, ao mesmo tempo, fez um alerta. “É bom não esquecer que ainda existem centenas de jornalistas presos, processados, perseguidos e censurados em todo o mundo. Alguns casos acontecem aqui mesmo no Brasil. Assange está livre. Mas a luta pela liberdade de imprensa continua.”
FNDC, ABI e Fenaj estiveram entre os principais organizadores no Brasil da campanha global pela libertação de Assange. Em todo o mundo, entidades e movimentos sociais têm-se empenhado na organização de manifestações ao longo dos últimos anos.
A Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), que liderou muitos destes atos, classificou o processo envolvendo Assange como “um dos mais exagerados da história”. A entidade afirma que existem atualmente mais de 500 jornalistas presos em todo o mundo. “A tentativa de acusação de Julian Assange lançou uma sombra negra sobre os jornalistas, especialmente aqueles que cobrem questões de segurança nacional. Se Assange tivesse ido para a prisão para o resto da vida, qualquer repórter que divulgasse um documento confidencial temeria enfrentar um destino semelhante”, afirmou o secretário-geral Anthony Bellangera, num comunicado divulgado pela organização.
O lançamento também foi comemorado pela Australian Media, Entertainment and Arts Alliance (MEAA). A entidade prepara uma recepção para a chegada do jornalista ao seu país de origem. “Para todos os que lutaram nos últimos 5 anos por Julian Assange, a sua libertação é o resultado da vossa incansável campanha por justiça”, diz uma publicação nas redes sociais. A mensagem também foi partilhada pela Federação Europeia de Jornalistas (EFJ).
Investigações
A plataforma Wikileaks tornou-se mundialmente conhecida em 2010, quando publicou diversos documentos confidenciais do governo dos Estados Unidos. Entre eles estavam registros secretos do exército do país, incluindo violações de direitos humanos nas guerras do Afeganistão, iniciada em 2001, e do Iraque, em 2003. O conteúdo atraiu o interesse de meios de comunicação tradicionais de diversas nações e gerou grande repercussão mundial. Desde então, Assange tornou-se alvo de investigações criminais nos Estados Unidos.
Aos 52 anos, o jornalista estava sob custódia na unidade de segurança máxima de Belmarsh, em Londres. Ele corria o risco de ser extraditado para os Estados Unidos. Esta possibilidade foi duramente criticada pelos envolvidos na mobilização global pela libertação de Assange. Segundo organizações envolvidas na campanha, a extradição abriria um precedente perigoso que colocaria os jornalistas envolvidos em publicações de interesse público numa posição vulnerável, uma vez que qualquer pessoa poderia ser alvo de uma acusação de espionagem.
A libertação de Assange foi anunciada pelo Wikileaks na noite desta segunda-feira (24). A plataforma também divulgou vídeos dele no aeroporto saindo do país. Antes de ir para a Austrália, o jornalista precisará comparecer a um tribunal nas Ilhas Marianas, território dos Estados Unidos localizado no Oceano Pacífico. Segundo o acordo, ele concordou em se declarar culpado de conspiração para obter e divulgar ilegalmente informações confidenciais. Por outro lado, 17 das 18 acusações serão retiradas e será aplicada uma pena mínima, que será considerada já cumprida. A audiência deve ocorrer nesta quarta-feira (26).
“Este é o resultado de uma campanha global que abrangeu organizadores de base, defensores da liberdade de imprensa, legisladores e líderes de todo o espectro político, até às Nações Unidas. Isto criou espaço para um longo período de negociações com o Departamento de Justiça dos EUA. “, registra uma postagem do Wikileaks.
Mensagens de agradecimento pela mobilização internacional foram partilhadas por Stella Moris, esposa de Assange. Advogada sul-africana, ela o conheceu enquanto ele estava asilado na embaixada do Equador, quando fazia parte da equipe jurídica responsável por sua defesa. O casal teve dois filhos, hoje com 5 e 6 anos, respectivamente. “Palavras não podem expressar nossa imensa gratidão a você. Sim, você que se mobilizou durante anos e anos para tornar isso realidade. Obrigada”, escreveu Stela.
Documentos confidenciais
Nos anos que se seguiram às primeiras revelações envolvendo registros secretos do exército dos Estados Unidos, o Wikileaks permaneceu sob os holofotes com a divulgação de outros documentos considerados confidenciais. Em 2015, por exemplo, novas publicações surpreenderam o governo brasileiro. Documentos vazados revelaram que, assim como outros líderes mundiais, a então presidente Dilma Rousseff e membros de seu governo foram alvos de espionagem por parte dos Estados Unidos. O Wikileaks voltaria aos holofotes no ano seguinte, após vazar milhares de e-mails da campanha de Hillary Clinton durante as eleições presidenciais de 2016.
A Intervozes, organização comprometida com a defesa do direito à comunicação, menciona em seu perfil nas redes sociais outras revelações importantes feitas pelo Wikileaks. Entre eles, o grande número de civis mortos na guerra do Iraque, a tortura levada a cabo pelos militares dos EUA contra os iraquianos na prisão de Abu Ghraib e as violações de direitos na prisão da Baía de Guantánamo.
Assange foi acusado nos Estados Unidos ao abrigo da Lei de Espionagem, que foi promulgada há mais de cem anos para condenar espiões e traidores do país durante a Primeira Guerra Mundial. Foi o primeiro caso de um jornalista noticiado com base neste dispositivo.
Em meio a acusações do governo dos Estados Unidos, Assange passou uma temporada na Suécia, onde foi alvo de um julgamento por estupro, que foi posteriormente arquivado. Mas como resultado desta denúncia, ele foi preso em Londres. Porém, conseguiu a liberdade condicional e procurou abrigo na embaixada do Equador, localizada na capital inglesa. Lá ele permaneceu por quase sete anos. Recebeu asilo diplomático do governo equatoriano, na época sob o comando do presidente Rafael Correa.
A condição, porém, foi posteriormente revogada, após mudanças no comando do país latino-americano. O então presidente Lenin Moreno chegou a classificá-lo como “ciberterrorista”. A sua decisão, tomada em 2018, abriu as portas à sua detenção pela polícia britânica em 2019. Em 2022, o Reino Unido chegou a aprovar a extradição de Assange para os Estados Unidos. Desde então, vinha apresentando recursos que postergavam o cumprimento da decisão.
A libertação de Assange também foi comemorada por diversos líderes mundiais, incluindo o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que já havia se manifestado a favor do jornalista australiano em outras ocasiões. Mensagens também foram compartilhadas pelos presidentes da Colômbia, Gustavo Petro; do México, Andrés Manuel López Obrador; e da Bolívia, Luis Arce; entre outros.
O primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, num discurso no parlamento do país, disse que o caso se arrastava há demasiado tempo. “Não há nada a ganhar com a continuação do seu encarceramento e queremos que ele volte para casa, na Austrália.”
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