As ruas do Quénia foram tomadas por protestos desde a semana passada e deixaram pelo menos cinco mortos e 31 feridos, 13 deles a bala. Nesta terça-feira (25), manifestantes invadiram o Parlamento e a Prefeitura de Nairóbi e atearam fogo em veículos próximos ao Supremo Tribunal do país contra um polêmico projeto de lei apresentado na semana passada que visa aumentar os impostos no país.
Há também relatos de sequestros e desaparecimentos nas últimas 24 horas, alguns dos quais já divulgados, e dezenas de prisões.
Nascido nas redes sociais e inicialmente liderado por jovens, o movimento “Occupy Parliament” transformou-se num protesto mais amplo ao opor-se ao projeto de orçamento para 2024-2025 que, segundo a BBC, contém disposições que são vistas como encargos adicionais para os cidadãos comuns. e empresas, saturando uma população já sobrecarregada com um elevado custo de vida.
Em maio, o país registrou inflação de 5,1% ao ano, com aumentos nos preços dos alimentos e dos combustíveis de 6,2% e 7,8%, respectivamente, segundo o Banco Central.
Cinco dias após a apresentação do projecto de lei, o governo anunciou que algumas propostas controversas estavam a ser retiradas e o Presidente William Ruto prometeu continuar as negociações para levar por diante as preocupações dos jovens.
As promessas, porém, pouco surtiram em apaziguar a indignação da população, que agora exige a suspensão total do texto.
Entre as medidas abandonadas pelo governo estão:
– Impostos sobre produtos básicos: o excerto cobria um plano para introduzir um Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) de 16% sobre o pão e um imposto de 25% sobre o óleo de cozinha.
Previa também um aumento do imposto sobre transações financeiras e um imposto anual sobre veículos particulares de 2,5% do valor do automóvel. O governo declarou que a medida foi abandonada após os protestos.
Polícia intervém em protesto no Quênia – Foto: Simon Maina/AFP
– Imposto ecológico: Seria um imposto aplicado a produtos que contribuem para o lixo eletrônico e prejudicam o meio ambiente.
Os críticos apontaram que a medida levaria ao aumento do custo de produtos essenciais, como absorventes e fraldas descartáveis.
A medida foi considerada insensível, uma vez que a pobreza menstrual (a incapacidade de pagar absorventes, absorventes internos ou copos menstruais) afeta 65% das mulheres quenianas e as meninas em idade escolar muitas vezes faltam à escola quando estão menstruadas – embora o país tenha sido o primeiro no mundo a remover o IVA destes produtos.
Em resposta aos protestos, o governo afirmou que o imposto só seria aplicado aos produtos importados, afirmando que isso estimularia o crescimento das indústrias locais.
– Outro alvo seriam os produtos digitais, como celulares, câmeras e equipamentos de rádio e televisão. O aumento do custo destes produtos é considerado prejudicial ao crescimento da economia digital, da qual muitos quenianos dependem para a sua subsistência, informou a BBC.
Entre as propostas que permanecem intocadas, mas que a população pede que também sejam abandonadas, estão:
– Imposto sobre hospitais especializados: A proposta introduz um imposto de 16% sobre bens e serviços de uso direto e exclusivo na construção e equipamento de hospitais especializados com capacidade mínima de 50 camas.
Muitos quenianos estão apreensivos que a medida, segundo a BBC, possa significar aumento dos custos de acesso ao tratamento de doenças como cancro, diabetes, hemodiálise e outras condições crónicas.
A presidente da comissão parlamentar de finanças, Kuria Kimani, rejeitou as alegações de que o projeto de lei “introduz impostos sobre os pacientes com cancro”, chamando-as de “falsidades para emocionar o público”.
– Aumento dos impostos de importação: O texto propõe ainda o aumento da alíquota do imposto de importação de 2,5% para 3% do valor do item, a ser pago pelo importador.
O aumento ocorre apenas um ano depois de a alíquota ter sido reduzida de 3,5% para 2,5%, a alíquota atual. A expectativa é que a mudança gere receitas adicionais ao governo, mas também poderá aumentar o valor dos produtos importados.
– Mantém-se também o aumento da taxa de manutenção rodoviária cobrada sobre os combustíveis
Quénia: próximos passos
Os deputados irão analisar e votar as alterações propostas pelo governo, cuja coligação tem assentos suficientes para permitir o avanço das mudanças.
Após a aprovação, o presidente deverá assinar o texto em até 14 dias ou devolvê-lo ao Parlamento com novas alterações.
O governo também poderia optar por outras medidas para tentar acalmar a tensão, como o adiamento do projeto, embora esta seja uma medida improvável.
Ruto, que apresentou uma lei semelhante e impopular no passado, argumenta que o Quénia tem uma taxa de imposto relativamente baixa em comparação com outros países africanos.
Mas o discurso não convenceu a população, que não só se sente exausta, como também acredita que o governo não levou em conta as suas preocupações.
— Ruto nunca cumpriu suas promessas […] Nós estamos cansados. Deixe-o ir”, disse Stephanie Wangari, uma jovem de 24 anos que está desempregada.
Os manifestantes preferem que, além de abandonar trechos, o governo reduza seus gastos, como muitos foram obrigados a fazer durante a crise econômica, além de combater o desperdício e a corrupção. O governo afirmou no passado que estava a implementar os pedidos, mas muitos consideraram que isso era insuficiente.
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