Carioca de Madureira, Leci foi a segunda negra eleita deputada estadual em São Paulo. Atualmente cumpre seu quarto mandato consecutivo na Assembleia Legislativa do Estado (Alesp), à qual ingressou em 2010, filiada ao PCdoB.
Na casa legislativa atuou nas comissões de Defesa dos Direitos da Mulher e de Direitos Humanos e foi vice-presidente da Comissão de Educação e Cultura. Apresentou mais de 100 projetos, dos quais 60 se transformaram em leis, a maioria sobre temas relacionados com a promoção da igualdade racial, a cultura popular e a defesa das tradições de base africana. Hoje também ocupa o cargo de Ouvidora da Alesp.
Nesse processo, apoiou e ajudou a destacar diferentes lideranças, no samba, nas religiões de base afro, na hip-hop e na participação das comunidades periféricas, mas também nas organizações não governamentais que constroem a política para além dos espaços legislativos, valorizando e qualificando a participação democrática.
Em homenagem aos 80 anos de Leci Brandão, comemorados nesta quinta-feira (12), o Agência Brasil ouvimos três lideranças, três mulheres negras, que contaram suas histórias sobre a importância do legado político do artista. Confira:
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Nilza Iraci, coordenadora executiva do Instituto Geledés
O papel de Leci na política não se resume ao que ela construiu na política institucional, pois inaugurou, em sua música, o debate em torno de diversos tabus. Ela cantou – enquanto ainda havia Apartheid no mundo – canções sobre dignidade, sobre o cotidiano, que marcaram gerações de mulheres negras. É um desafio enorme falar dessa figura extraordinária, filha desse incansável e não menos generoso orisá, Ogum, e o verdadeiro desafio é não cair no lugar-comum e nos clichês do fã para o artista.
Ao pensar nas duas Lecis – a mãe [dona Lecy] e a filha, com y e eu –, nos envolvemos nesse universo abrangente de relações que nos constroem com seus valores, afetos e, porque não, com nossas singularidades e imperfeições. Temos que quebrar o mito das guerreiras e destacar o papel incrível dessas mulheres negras na nossa formação. Com amor, com respeito e sem o peso que certas fantasias nos impõem.
O ponto de virada na trajetória de Leci e de tantas de nós, mulheres negras, é que ela não é um modelo de superação – aliás, nem gosto dessa palavra quando associada a nós e ao nosso povo. Nunca foi sorte, né Leci? Ogunhé! O que quero destacar é que essa mistura de coragem, ousadia e uma boa dose de bravura dos nossos antepassados nos trouxe até aqui hoje, lindos, orgulhosos e poderosos.
Sua arte, seu canto, como instrumento de libertação, nos salvou em momentos muito únicos. Ela estava presente quando foi gravado Ombro Amigávelexpondo o preconceito e a solidão contra a comunidade LGBTQIA+, num momento [que o tema era] tabu. Quando ela cantou Verdadeiro Talento e resgatou-nos a todos do jogo perverso da mulitude aberta, misógina e racista.
Eu me lembro do mostrar 40 anos no Ibirapuera em SP, épico, em que Leci, assim como Zé do Caroço, anunciou novos tempos. Um novo desafio surgia para Leci: o de deputado. E a sua nova etapa: a política.
Na verdade, esta política já estava a ser feita para todos nós na cultura e nas artes. Ela se tornou nossa porta-voz, nos deixando muito orgulhosos e fazendo aquele mundo branco, cis, hétero, datado e ultrapassado entender como a arte do samba, esse domínio da cultura popular negra, nos transforma até hoje.
Este legado de esperança continua a ser concretizado na defesa da arte, da juventude, de nós, mulheres negras e, em última análise, das populações, onde insistem em confundir direitos com meritocracia. A voz e as ações de Leci no parlamento fizeram a diferença para todos nós e para as nossas comunidades.
Lúcia Xavier, coordenadora geral da Criola, organização de mulheres negras
Leci tem, em sua trajetória, construído a participação por meio de uma organicidade de movimentos sociais apartidários. Ela é um exemplo de mulher negra que, há muito tempo, vem construindo mecanismos de participação política para garantir direitos, inserindo-se em espaços fechados às mulheres, abrindo caminhos.
Traz uma agenda consistente sobre que legislação pode apoiar políticas públicas para a população negra de São Paulo, que não é pequena e é muito representativa da população negra do Brasil, como um todo.
Na direção oposta, traz uma linguagem não muito comum na área da cultura, que é a linguagem do Legislativo, e com isso constrói a ligação entre a comunidade e o Legislativo. Além disso, não há debate nacional em que ela não esteja presente, em relação às questões raciais – como as cotas, a saúde da população negra e da periferia e, principalmente, em relação ao racismo religioso, tema diretamente relacionado à dinâmica de negação da cultura negra a partir da agressão aos espaços religiosos, que é muito próxima e tem Leci como importante liderança.
Em relação ao seu legado, os jovens veem inspiração em sua presença, chegando aos 80 anos como uma pessoa muito importante para o movimento e sua agenda, ao lado de outras mulheres, entre as quais destaco Benedita da Silva que, como ela, tem uma história importante na política partidária e representativa.
Ambos aceleram esse processo de chegada de representantes das novas gerações ligados às questões indenizatórias e às agendas do movimento negro, aos espaços de poder e resolução. São duas mulheres que têm trajetórias diferentes, mas que trazem essa questão do enfrentamento das barreiras como algo que não é intransponível, e um legado ancestral do qual são defensoras e estão dispostas a transmitir.
Isso é muito significativo e constitui um legado que ajuda a consolidar trajetórias como a de Marielle Franco e de outras mulheres que chegam recentemente ao campo da política.
Entre suas agendas, na saúde, tem uma relação estreita com as mulheres negras, bem como uma percepção única das ferramentas que elas necessitam para ampliar seus direitos e melhorar suas vidas. A sua representatividade faz com que tenha orientações muito assertivas em relação às necessidades destas populações, com as mulheres e suas comunidades. Também se dirige a diferentes grupos populacionais, como mulheres negras encarceradas, trabalhadoras e mães.
Jurema Werneck, ativista e diretora executiva da Anistia Internacional no Brasil
Para falar da importância política de Leci temos que levar em conta diferentes camadas da sua importância neste campo.
Leci está em público desde 1960. Sua aparição na esfera pública acontece em um programa de televisão [A Grande Chance, de Flávio Cavalcante, na TV Tupi]. Essa figura, a presença dela na televisão como vencedora, uma menina negra e franzina, que já tem presença política, na minha infância (eu era uma menina negra na época) muito importante.
A representação e validação de vê-la ali, tão frágil e vencedora, o que isso representa é muito poderoso, dessa pessoa que a sociedade rejeita, mas que se destaca. Isso já tem uma importância política gigantesca.
Ela também é vencedora na construção do processo de carreira artística. Centra-se na comunidade negra, não apenas retratando o cotidiano desta comunidade, de todos os seus personagens, mas fala de aspectos mais amplos, como os direitos dos trabalhadores, dos diferentes trabalhadores, dos sem-terra, dos professores, e também das mulheres e das comunidades.
É mais que validação, a presença cultural prescreve, diz que essa postura é um caminho mais que válido, necessário.
Leci também é uma das primeiras a falar sobre a questão LGBT, quando essa sigla ainda nem existia. Ela é muito grande. Ela também foi a primeira mulher a ser oficialmente compositora. No dia a dia, nas escolas e nos círculos, sabemos que outros já fazem isso há muito tempo, mas ela estava matriculada, tinha carteira lá, numa escola de grande repercussão, que é a Mangueira (em 1972).
Ela sempre aderiu, sempre apoiou causas sociais. Ela sempre esteve ao lado de organizações e movimentos. E com tudo isso, ela também aceita concorrer ao parlamento e constrói uma história que só cresce. Precisa ser comemorado em todas essas camadas.
Nesse caminho ela não quebra arquétipos, ela quebra estereótipos. Não se pode imaginar que uma mulher negra, lésbica, macumbeira seja também parlamentar, compositora, artista. Ela também afirma arquétipos, é uma mulher de Ogum, guerreira, que lidera. Assim como essa mulher negra, lésbica, da periferia do Rio, esperávamos que ela voltasse para lá, que ficasse escondida, mas não, ela é liderança.
Em relação ao seu legado e em relação à forma como ela abre caminho, sua atuação musical, seu canto e seu ritmo, isso já nos aproxima, já fala com essas novas gerações. Já são herdeiros daquela época em que este número fazia sentido. Esse é o legado, ela faz parte disso. Diante das novas gerações, não há estranheza quanto ao que representa. Ela existe, e com isso naturaliza um coletivo de pessoas que emergem e são inconformistas.
Outra coisa interessante de Leci é que ela toca tambor há muito tempo, o que em muitas casas religiosas é função masculina. Até nas escolas há uma presença que não tem a proporção necessária de mulheres na bateria. As novas gerações veem isso de forma diferente, como um caminho já aberto, naturalizado por pessoas como elas.
Quando a gente pensa no papel do Leci na representação política, a representação em si é isso, é trazer a expressão de um grupo. Traz as comunidades negras, os redutos, o povo de santo. Ela representa essas pessoas, as traz para dentro, como uma presença, e é um farol (para as novas gerações, na política), não apenas afirmando o problema, mas caminhando ao lado de outros protagonistas.
Dou o exemplo de rappers. Ela se juntou a eles, juntou-se a pessoas muito mais jovens que ela, mostrando que é assim que é importante fazer: abrir espaço para outros protagonistas, os mais afetados pelo problema.
Esta é uma fórmula fundamental. Nos espaços institucionais sempre há salvadores do país, enquanto ele compartilha a luta e a trajetória.
Essas pessoas como Leci trazem temas como os que trabalhamos na Anistia [Internacional] desde muito antes de trabalharmos com eles, como o próprio tema da violência contra os negros nas periferias. Ela ajudou a promover e legitimar esta questão (da violência) e é uma voz muito maior. A legitimidade dessas vozes ajuda a dar o peso que o Brasil precisa dar a essa questão, indo além do que chegam os discursos de instituições como a Anistia.
Há também uma dimensão fundamental em sua trajetória, que é a generosidade. Os políticos profissionais estão cada vez mais focados nos seus interesses privados. O seu exemplo é fundamental na dimensão do serviço público e para o público. Teve uma carreira de sucesso e entrou na política para contribuir com uma causa de interesse público, vivendo sua carreira apenas nos finais de semana, e com isso é exemplo para outros políticos profissionais.
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