A situação dos seis venezuelanos asilados na Embaixada da Argentina em Caracas, ainda sob custódia brasileira, tornou-se uma dor de cabeça para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Ao contrário do que aconteceu com o ex-candidato presidencial Edmundo González Urrutia, que, após semanas de negociações envolvendo os governos dos Países Baixos e de Espanha, obteve no sábado salvo-conduto para abandonar a Venezuela, os opositores estão, segundo fontes da oposição venezuelana, longe de obter o mesmo beneficiar.
Por que o regime de Nicolás Maduro resiste em autorizar a saída do país de Pedro Urruchurtu, Magalli Meda, Claudia Macero, Humberto Villalobos — quatro colaboradores muito importantes da líder da oposição María Corina Machado —, do ex-deputado Omar González e do líder da oposição Fernando Martínez Mottola?
Não há uma resposta única para a pergunta, mas fontes consultadas em Caracas afirmaram que “a presença dos seis requerentes de asilo permite a Maduro intimidar permanentemente a oposição, especialmente a ala liderada por María Corina, bem como a si próprio”. Hoje, a sensação em Caracas é que os planos de Maduro para os seis requerentes de asilo são a prisão e não a liberdade no estrangeiro.
Nos últimos meses, o governo argentino, que após as eleições presidenciais de 28 de julho rompeu relações com Caracas, tentou obter salvo-conduto para requerentes de asilo na sua residência diplomática. Fontes em Buenos Aires confirmaram que “o governo de Milei está disposto a receber requerentes de asilo na Argentina e dar-lhes toda a proteção necessária”.
Ao mesmo tempo, o governo brasileiro se ofereceu para enviar um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) à capital venezuelana, para transferir os requerentes de asilo para Buenos Aires. A oferta foi reiterada ao governo argentino nos últimos dias, em contatos entre altas autoridades dos dois países. Para o Brasil, retirar opositores da embaixada argentina seria um alívio, pois, apesar de ter tido a autorização para vigiar a sede diplomática cassada, o país continua a representar a Argentina e só deixará de fazê-lo quando um novo país for designado. A escolha deste novo país deve ser negociada entre argentinos e venezuelanos, sublinharam fontes oficiais. Não cabe ao Brasil participar dessa negociação.
Em Buenos Aires, fontes argentinas afirmaram que foram retomados os contatos com os países investigados, assim como o Brasil, após a ruptura das relações entre Argentina e Venezuela. Mas esta não é uma tarefa fácil, pois uma nova escolha deve ser aprovada pelo regime venezuelano.
Enquanto isso, os seis requerentes de asilo recebem alimentação de funcionários venezuelanos que trabalham na residência argentina. Alguns dias, as visitas familiares são autorizadas pelas autoridades e, neste caso, cabe ao Brasil tomar medidas. Todos os dias, um diplomata brasileiro vai à embaixada argentina para verificar a situação dos requerentes de asilo.
O clima está cada vez mais tenso, porque os quatro colaboradores de María Corina continuam a trabalhar com o líder da oposição, alguns escrevendo nas redes sociais e fazendo articulações políticas. O regime os acusa de violar as regras da Convenção de Viena, o mesmo tratado internacional que permitiu ao Brasil assumir a custódia da embaixada argentina.
Os quatro colaboradores de María Corina também são acusados de participar em supostas conspirações militares contra Maduro. Não foram apresentadas provas relativamente a esta acusação, como acontece frequentemente na ditadura venezuelana. As mais de 2.000 pessoas detidas após as eleições presidenciais foram acusadas de terrorismo, sem qualquer prova.
Este contexto torna a situação dos requerentes de asilo cada vez mais delicada e a possibilidade de obtenção de salvo-conduto mais remota. Para Maduro, ter controlo sobre estes seis adversários significa, na prática, ter poder sobre María Corina. Os colaboradores da líder da oposição, que prometem “resistir nas suas redes sociais”, comunicam com ela permanentemente, e alguns são membros-chave da sua equipa. Pedro Urruchurtu é conselheiro internacional do Vem Venezuela, partido fundado e liderado pelo líder da oposição, e Magalli Meda é uma das principais assistentes de María Corina, considerada o seu braço direito.
González e Villalobos não pertencem ao círculo íntimo do líder da oposição. Ambos fazem parte da Plataforma Unitária, formada por diversos partidos opostos. No entanto, eles também sofrem intimidação, disseram fontes da plataforma.
Uma fonte garantiu que “eles servem para intimidar e pressionar María Corina. Os seis requerentes de asilo, frisou a fonte, “estão ameaçados de prisão”, embora isso implique uma invasão da sede diplomática, ou seja, uma violação gravíssima da Convenção de Viena.
— Ter controle sobre eles enfraquece seu esquema operacional.
Precedente
Quando o governo do Equador autorizou a invasão da embaixada mexicana em Quito, este ano, para deter o ex-vice-presidente do país, Jorge Glass, que aguardava salvo-conduto para ser extraditado para o México, o regime questionou duramente a atuação dos equatorianos. Este precedente é citado por fontes brasileiras para minimizar as possibilidades de a embaixada argentina ser invadida por agentes das forças de segurança chavistas. No entanto, sublinham as fontes, “estamos a falar do mesmo governo que disse que iria entregar os registos eleitorais. Você não pode confiar nisso.
O fracasso na resolução da situação dos seis requerentes de asilo e a intimidação de uma sede diplomática sob custódia brasileira também são vistos por fontes em Caracas como uma “retribuição” dada por Maduro a Lula, pelas recentes declarações do presidente brasileiro sobre as eleições venezuelanas.
As relações bilaterais estão tensas e Maduro, dizem fontes venezuelanas, “parece não se importar com o que o Brasil pensa”. O Brasil, resumiu fonte diplomática, “está no pior de todos os mundos, sendo usado por todos os lados”. A Argentina pede ao governo Lula que não abandone a sua embaixada e os requerentes de asilo que nela residem; o governo Maduro cria situações de tensão em torno da sede diplomática argentina; e agora a oposição convocou uma manifestação para esta terça-feira que terminará em frente à embaixada brasileira. O objetivo da marcha é pedir ao Brasil que ajude a libertar presos políticos no país.
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