Em visita ao Brasil para o G20 o secretário do Tesouro dos EUA Janete Yellenterá uma série de agendas com autoridades do Rio de Janeiro e Belém a partir desta segunda-feira, incluindo uma reunião bilateral com o Ministro da Fazenda, Fernando Haddadem que a proposta de tributar grandes fortunas será novamente debatida.
De acordo com o subsecretário de assuntos internacionais do Tesouro dos EUA, Jay Shambaugh, Yellen discutirá questões que vão desde o sistema financeiro global, como o fortalecimento dos bancos multilaterais e o apoio às economias emergentes, até aos desafios geopolíticos, como os conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente. A viagem acontece em meados de escalada da polarização na política americana depois tentativa de assassinato do ex-presidente Donald Trump e a crescente pressão dentro do Partido Democrata pelo presidente Joe Biden abandonar a corrida eleitoral.
“O presidente Biden e a secretária Yellen acreditam que uma economia global próspera e estável beneficia o povo americano”, disse Shambaugh numa conversa com jornalistas.
“É por isso que estamos a desempenhar um papel de liderança e a concentrar-nos no G20 para trabalhar de forma construtiva com os países de baixo e médio rendimento, para os apoiar e apoiar a economia global.”
O subsecretário listou algumas medidas que serão abordadas por Yellen durante a visita, como a liberação de mais recursos para bancos multilaterais de desenvolvimento.
“Desbloqueámos mais de 200 mil milhões de dólares em capacidade adicional de empréstimo a bancos multilaterais de desenvolvimento e impulsionaremos reformas operacionais essenciais para melhor enfrentar alguns dos desafios mais prementes do mundo, incluindo as alterações climáticas, pandemias, fragilidade e conflitos”, disse Shambaugh.
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Reunião do G7 à margem do G20
No aspecto geopolítico, o encontro será uma oportunidade para Yellen conversar com ministros das Finanças de países aliados, incluindo o G7 (Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão e Reino Unido, além dos próprios Estados Unidos), sobre sanções económicas para conter os esforços de guerra da Rússia e as ambições do Irão no Médio Oriente, disse o subsecretário.
“Enquanto estiver no G20, a Secretária Yellen trabalhará com os nossos aliados, inclusive através de uma reunião do G7 à margem do evento, para abordar desafios geopolíticos como a guerra de agressão ilegal da Rússia e a instabilidade causada pelo Irão e pelos seus tentáculos.” ele disse.
Impacto das eleições americanas
A turbulência na política interna americana, porém, não deve fazer parte das discussões do G20, grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo ao lado da União Europeia e da União Africana, segundo alto funcionário do Tesouro que falou ao GLOBO sob condição de anonimato.
A possibilidade de vitória do ex-presidente republicano Donald Trump nas eleições de novembro — que se concretizaram após o atentado — e a incerteza quanto à permanência de Biden na disputa levantam o alarme sobre a continuidade das iniciativas discutidas no G20 numa possível mudança em a Casa Branca.
O futuro dos EUA e o seu impacto no resto do mundo deverão tornar-se uma agenda – ainda que privada – na Cimeira dos Líderes do G20, que terá lugar no Rio de Janeiro nos dias 18 e 19 de novembro. Nessa altura, tudo indica que já será conhecido o vencedor das eleições americanas, marcadas para 5 de novembro.
No caso da vitória de Trump, o avanço do multilateralismo deverá dar lugar à política “America’s first” vista no seu primeiro mandato. Conhecido por protecionismo comercialo magnata prometeu um novo imposto de 10% sobre todas as importações e 60% sobre os produtos chineses, medida drástica que deve impactar toda a cadeia produtiva e comercial global, além de causar inflação no país devido à redução na oferta de produtos .
Para o Brasil, há também o possível fim da colaboração em questões ambientais, cara a Joe Biden —o primeiro presidente americano a contribuir para o Fundo Amazônia. Uma vitória do republicano abre um cenário de incerteza sobre o destino dos US$ 500 milhões prometidos por Biden para a preservação ambiental da região. Ao final de 2023, apenas US$ 15 milhões haviam sido transferidos. Em julho, o governo enviou outros US$ 47 milhõespagando a primeira parcela do valor prometido.
Sob Trump, os EUA foram o primeiro país do mundo a abandonar o Acordo de Paris, uma medida posteriormente revertida pelo chefe de Estado democrata. Dependendo da fragilidade dos tratados climáticos que podem ser assinados no G20, não seria uma surpresa se fossem rasgados pelo republicano no seu eventual regresso à Casa Branca.
O dilema de tributar grandes fortunas
Do ponto de vista econômico, um dos pontos em discussão no fórum será a proposta brasileira de taxar grandes fortunas, que será defendida novamente por Haddad esta semana. O ministro defende que o valor arrecadado seja utilizado para financiar medidas para combater as alterações climáticas.
Hoje, estima-se que o imposto médio pago pelos super-ricos não exceda 0,3% da sua riqueza. Brasil encomendou um estudo do economista francês Gabriel Zucman, professor da Universidade de Berkeley, na Califórnia, que propõe um imposto de 2% sobre o patrimônio dos cerca de 3 mil bilionários que existem hoje no mundo.
A medida será analisada no G20 e, se aprovada, levaria à arrecadação de até US$ 688 bilhões por ano. O feito seria repetido acordo histórico assinado em 2021quando 130 países, incluindo o Brasil, concordaram com um imposto de 15% para multinacionais.
Publicamente, o secretário do Tesouro dos EUA já se manifestou contra a proposta. Numa entrevista ao Wall Street Journal em Maio, Yellen afirmou que acredita na “tributação progressiva” e não apoiará qualquer “acordo global comum”.
Não seria novidade se os Estados Unidos decidissem não ratificar o acordo. O país não é signatário de vários tratados amplamente aceites, como o Protocolo de Quioto e o Tratado de Roma, um documento básico do Tribunal Penal Internacional.
Neste caso, porém, dada a relevância da economia americana para o sistema financeiro global, a recusa poderá levar ao fracasso total da iniciativa, que já conta com o apoio de nações como França, Espanha e África do Sul.
Segundo uma fonte do Tesouro entrevistada pelo relatório, Yellen continuará a defender um “sistema fiscal progressivo para combater a desigualdade”, sob a justificativa de que “as soluções fiscais mais eficazes irão variar muito entre as jurisdições”.
“Temos diferentes cenários e contextos [dentro do G20]. Os princípios são importantes e discuti-los em conjunto é importante, mas provavelmente serão aplicados de forma diferente”, disse a fonte familiarizada com as discussões.
“Não espero que estas reuniões resultem num imposto único sobre os bilionários.”
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