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Na última semana de junho, um vídeo mostrando como 8 toneladas de tangerinas foram jogadas no lixo por produtores rurais da província argentina de Entre Rios se tornou viral entre os usuários das redes sociais de um país onde, segundo estimativas de centros de estudos privados, a taxa de Pobreza já ultrapassou os 50% e espera-se que atinja o nível mais elevado dos últimos 20 anos em 2024.
O drama do empobrecimento das classes média e média baixa é o resultado mais dramático da primeira metade do governo do presidente de extrema direita Javier Milei, que, no mesmo período, obteve uma importante vitória no Congresso, equilibrou as contas públicas e evitou que o país mergulhasse em nova hiperinflação.
A fome e a pobreza já eram uma realidade na Argentina quando Milei assumiu o poder, em 10 de dezembro de 2023. Mas o ajuste brutal implementado pelo presidente e a decisão de esfriar a economia para conter a inflação aprofundaram a crise social. Este aprofundamento ainda não teve impacto negativo nos índices de popularidade do chefe de Estado, que, segundo sondagens recentes, tem entre 45% e 50% de aprovação.
Dentro da Argentina, Milei aproveita a onda de crise de credibilidade sofrida por seus adversários políticos, especialmente o kirchnerismo, ainda em estado catatônico devido à derrota eleitoral de 2023. Fora do país, o presidente capitaliza alianças com líderes de ultradireita, como o candidato republicano Donald Trump e a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni.
— A pobreza aumentou, sim, é uma realidade. Mas na política, hoje, não há alternativa a Milei, que controla 100% da agenda nacional — afirma o analista Carlos Fara, diretor da Fara e Associados.
Sem produtos essenciais
Os produtores de Entre Rios estão jogando toneladas de frutas no lixo, e o consumo nacional, segundo dados da Câmara Argentina de Comércio e Serviços (CAC), caiu 3,4% de janeiro a abril, em relação ao mesmo período de 2023.
Os argentinos estão reduzindo significativamente o consumo de produtos que sempre foram essenciais em sua alimentação, como leite, carne e erva-mate. No caso do leite, por exemplo, cujo preço subiu 123% de dezembro para março, segundo dados oficiais, o volume de vendas caiu 18,7% nos primeiros três meses do ano. O monitoramento é realizado pelo Observatório da Cadeia Láctea Argentina.
Os argentinos são mais pobres e subnutridos, mas Milei, em grande parte porque conseguiu conter o perigoso aumento da inflação e a ausência de rivais que pudessem desafiar a sua popularidade, tem aguardado a sua vez.
Depois de um primeiro semestre que, para muitos, superou as expectativas em relação a um outsider que chegou ao governo sem um programa claro sobre como tirar a Argentina do buraco, surgem agora dúvidas sobre como o presidente fará para iniciar um processo de recuperação econômica que traz alívio aos mais vulneráveis.
— O aumento da pobreza deve-se principalmente à deterioração do poder de compra e do rendimento. Basicamente, a inflação avançou mais que os salários — explica Leopoldo Tornarolli, economista do Centro de Estudos Distributivos, Trabalhistas e Sociais (Cedlas) e da Universidade Nacional de La Plata.
Segundo as suas estimativas, calculadas com base em dados do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec), entre outubro de 2023 e março de 2024 a taxa de pobreza atingiu 50,1%. O Indec divulga semestralmente a taxa de pobreza e, em março, informou que no segundo semestre de 2023 o percentual chegou a 41,7%. Segundo Tornarolli, esta medição está longe da realidade, pois não inclui os primeiros meses de 2024, quando ocorreu a maior deterioração social devido às primeiras medidas adotadas por Milei.
— Minha impressão é que a taxa de pobreza do Indec no primeiro semestre de 2024 será ainda maior, chegando a 55%. Será o maior desde 2004 — aponta o economista.
Em reportagem do jornal El Cronista, o economista Daniel Schteingart, da Fundar, estimou que a taxa de pobreza passou de 38,7% no primeiro semestre de 2023 para 55,7% no mesmo período deste ano.
— A perda de rendimentos afetou todos os setores sociais e variou entre 20% e 30% — acrescenta o economista do Cedlas.
Incerteza e preocupação
Com um grupo minoritário no Congresso, Milei conseguiu aprovar a Lei Básica no final de junho, e esta vitória, que permitirá a implementação de reformas em matéria fiscal, privatizações e poderes excecionais ao chefe de Estado pelo período de um ano , foi celebrado quase como um plebiscito sobre a viabilidade do governo.
Na verdade, conseguir o sinal verde de um Congresso que depende de alianças e negociações foi um enorme desafio para o presidente, superado após algumas derrotas.
O risco de uma crise de governação foi temporariamente afastado, mas agora surgem expectativas sobre o que Milei fará com este triunfo legislativo, num país que deverá terminar o ano com uma queda do PIB na ordem dos 3,5% e onde a fome e a fome a pobreza se espalha.
Na Casa Rosada, comentam os jornalistas que cobrem o governo, prevalece um clima de preocupação sobre as demandas que surgirão após a aprovação da lei, especialmente da sociedade.
O presidente não poderá culpar os seus antecessores pela crise por muito mais tempo, e membros do Gabinete, segundo os mesmos jornalistas, admitem em conversas informais o receio de uma possível erosão da imagem de Milei caso os resultados não sejam apresentados a curto prazo. e médio prazo.
— Há incerteza na sociedade e nos mercados em relação aos próximos passos da Milei. Não está claro qual é o plano dela daqui para frente, por exemplo, em termos de câmbio — afirma o analista Patricio Talavera, da Universidade Nacional de Buenos Aires (UBA).
O governo está sob pressão para acelerar a desvalorização do peso — e assim aumentar a competitividade dos produtos argentinos no exterior — e liberar o chamado cepo, medida que limita as operações no mercado de câmbio.
— A mensagem daqueles que apoiaram a Lei Básica é clara: querem resultados rápidos. O discurso sobre o legado recebido do governo kirchnerista perderá força — prevê Talavera.
Segundo o analista, Milei tem mais alguns meses de tolerância social e política e, depois disso, “ele será seu próprio herdeiro, e então saberemos qual é a sua verdadeira força”.
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