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Criada em 1945, com o objetivo de “romper com a hegemonia informacional” que agências de notícias internacionais como a United Press (UPI) e a Associated Press (AP) exerciam na Argentina, a Télam foi oficialmente transformada em agência de publicidade estatal neste ano. . Segunda-feira (1).
No mesmo dia em que morreu o principal impulsionador da sua criação, o ex-presidente Juan Domingo Perón, completou 50 anos.
A coincidência não passou despercebida à imprensa argentina e aos críticos da medida. Inclusive críticos no Brasil, como a presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Samira de Castro, para quem o decreto governamental que transforma a Agência de Notícias Télam na nova Agência Estatal de Publicidade (APE) é “mais um capítulo de ataque público comunicação” no país vizinho. Os trabalhadores da empresa realizaram uma série de protestos nos últimos meses (foto).
“Precisamos entender que os instrumentos de comunicação pública são um auxílio à participação política dos cidadãos, oferecendo-lhes acesso a informações de interesse público que, normalmente, vão além da cobertura da mídia empresarial privada”, comentou Samira, em entrevista à Agência Brasil, agência pública de notícias vinculada à Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
“Estamos falando de uma experiência de décadas e que tem ajudado o povo argentino a ter acesso a mais informações”, acrescentou o presidente da Fenaj, destacando que, até o início da tarde desta terça-feira (2), a entidade não tinha um posicionamento institucional e que suas manifestações são de caráter pessoal – ainda que, nos últimos meses, a Fenaj tenha divulgado diversas notas criticando o “desmantelamento da comunicação pública na Argentina”.
“Claro que a Fenaj vem acompanhando o caso […] dada a enorme importância [da comunicação pública na América Latina]. Infelizmente, a Télam, uma agência [de notícias] consolidada, com uma estrutura consolidada, vem sofrendo esses ataques do presidente [argentino Javier] Milei desde as últimas campanhas presidenciais”, destacou Samira.
O presidente da EBC, Jean Lima, também lamentou o destino da agência parceira: “Depois de tirar do ar os sites e perfis de mídias públicas da Argentina, como a Televisón Pública e a Radio Nacional de Argentina, agora Javier Milei oficializou o fechamento da Télam, agência estatal de notícias e importante parceira da EBC Mais uma notícia triste e inaceitável, que fragiliza a comunicação pública.
Justificativas
Assinado por Milei e pelo chefe da Casa Civil, Guillermo Francos, o Decreto nº 548/2024 justifica a transformação da agência de notícias em agência estatal de publicidade, alegando que a medida faz parte do que o governo argentino classifica como uma “profunda reorganização do empresas públicas” – processo iniciado em dezembro de 2023, com a decretação do estado de Necessidade e Urgência, com a qual Milei declarou situação de emergência pública nacional até 31 de dezembro de 2025, sob o pretexto de “obter maior eficiência no funcionamento do setor público” ” .
No decreto, o governo argentino também sustenta que, “para otimizar a eficácia e eficiência das atividades que a Télam desenvolve, é imprescindível a atualização da sua razão social”. “Dada a necessidade de alinhar sua atuação a um novo foco estratégico, a Télam deixará de atuar como agência de notícias e atividades jornalísticas para atuar como agência de publicidade e propaganda, concentrando os recursos da empresa naquela área que oferece maiores oportunidades de crescimento e longo prazo lucratividade a prazo.”
Em seu site, a Télam informa que contava com mais de 700 funcionários, sendo a única agência de notícias com correspondentes em todas as províncias argentinas. A estatal afirma produzir cerca de 500 artigos e 200 fotografias por dia, mantendo também um departamento de vídeo e rádio e diversos perfis informativos nas redes sociais.
“O discurso do governo argentino, de diminuir a máquina e reduzir os gastos públicos, esbarra na transformação de uma agência de notícias em agência de publicidade estatal cuja finalidade será promover a propaganda estatal”, comentou a presidente da Fenaj, Samira de Castro, questionando que a mudança foi feita por decreto, sem ser debatida com a sociedade e o parlamento.
“Para mim, é uma medida autoritária que distorce o propósito de criação da estrutura Télam. E isso é parecido com o que vivenciamos no Brasil, a partir de 2016, quando uma das primeiras medidas governamentais [do ex-presidente Michel] Medo de assumir o poder [pós-impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff] era investir contra a EBC, destituindo o Conselho Curador [até então a principal instância de participação social junto à EBC, prevista na Lei 11.652/2008].
Dependência
Pesquisador do papel que as agências de notícias desempenham em diversos países, o professor de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), Pedro Aguiar, destacou que a medida deixa de não agregar publicidade ao pacote de serviços prestados pela Télam, mas de extinguir a produção de material jornalístico de qualidade reproduzido gratuitamente pelos meios de comunicação de toda a Argentina e de outros países. A própria Agência Brasil possui acordo de parceria com a Télam.
“O problema não é que a Télam administre as despesas de publicidade ou publicidade do governo argentino, mas sim que desista de fazer jornalismo. Ainda mais quando se trata de uma empresa que, no próximo ano, comemoraria 70 anos de bons serviços prestados ao jornalismo na Argentina e na América Latina. E sobreviveu a governos com diretrizes absolutamente diferentes”, comentou Aguiar.
“O governo Milei está conseguindo a façanha de se livrar de um aparato que até serviu muito bem aos seus aliados políticos, ou seja, os magnatas da imprensa do interior da Argentina cujos jornais o Télam alimentava [com conteúdo]. É realmente um movimento político difícil de entender, de justificar, e que custará muito ao ambiente informacional na Argentina e na América Latina”, acrescentou o acadêmico, lembrando que, em 2023, o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, extinguiu também a agência de notícias Notimex, criada em 1968.
“O fechamento da agência mexicana e a conversão do propósito da Télam deixam a América Latina sem empresas importantes que produzissem jornalismo de qualidade, e não propaganda governamental, e a imprensa regional ainda mais dependente de agências estrangeiras, principalmente europeias, que competem pelo mercado”, ponderou Aguiar.
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