Cerca de 66,71% dos pouco mais de 49,33 milhões de eleitores aptos a votar participaram, neste domingo (30), do primeiro turno das eleições legislativas na França. De acordo com os resultados que o Ministério do Interior divulgoua taxa de participação foi uma das mais altas das últimas décadas, evidenciando o grande interesse da população nas eleições, cujo segundo turno está marcado para o próximo domingo (7).
A taxa de participação espontânea (em França o voto não é obrigatório) registada ontem é a mais elevada para a primeira volta de uma eleição legislativa francesa desde 1997, quando 67,9% dos eleitores foram às urnas para escolher os 577 deputados que compõem a Assembleia Nacional – equivalente à Câmara dos Deputados brasileira. Na primeira volta das últimas eleições legislativas, em 2022, mais de metade (52,5%) dos eleitores abstiveram-se de votar.
Os 577 deputados, mais 348 senadores, compõem o Parlamento francês, responsável por criar ou alterar as leis nacionais e controlar as ações do governo federal. O mandato de um deputado dura cinco anos, mas pode ser interrompido pela dissolução da Assembleia Nacional, como aconteceu este ano. No início de junho, o presidente Emmanuel Macron dissolveu a Assembleia Nacional e anunciou a antecipação das eleições que estavam marcadas para 2027, altura em que também termina o mandato de Macron.
O presidente francês anunciou a medida depois de eleitores de 21 países da União Europeia, incluindo a França, terem votado para formar o Parlamento Europeu. A iniciativa foi motivada pelo avanço dos candidatos do partido de extrema-direita Reagrupamento Nacional (RN), Marine Le Pen e do jovem Jordan Bardella, de 28 anos. Na altura, Macron disse que os resultados das eleições europeias foram “um desastre” para o seu governo e que não podia ignorá-los.
Antecipar as eleições foi considerada uma estratégia arriscada, pois Macron terá de partilhar o poder com adversários políticos caso se confirme a viragem à direita dos eleitores franceses. Pelo menos no primeiro turno das eleições antecipadas, foi isso que aconteceu. O Reagrupamento Nacional (RN) de Le Pen obteve 29,25% dos votos, seguido pela Nova Frente Popular, uma coligação de partidos de esquerda, com 27,99% dos votos. O Juntos Pela República, da base de apoio de Macron, terminou em terceiro lugar, com 20,04% dos votos nacionais. Com o resultado, os três partidos conquistaram, respectivamente, no primeiro turno, 37, 32 e 2 cadeiras na futura legislatura.
A vantagem que a extrema direita conquistou no primeiro turno é ainda maior quando se leva em conta que a União da Extrema Direita (UXD), aliada do RN, obteve 3,9% dos votos, motivando diversos veículos de imprensa e analistas a apontarem que , no total, o campo ideológico representado por Le Pen obteve 33,15% dos votos e um assento. Mas, como destacou o professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Adrian Nicolas Albala Young, em entrevista ao Agência Brasil, apenas 76 candidatos conseguiram ser eleitos no primeiro turno. O que significa que ainda há 501 assentos em disputa e não é possível dizer como será a reorganização da Assembleia Nacional após a segunda volta das eleições legislativas.
“O sistema eleitoral francês é muito diferente do brasileiro”, comentou Nicolas, que nasceu na França. “Enquanto no Brasil cada unidade federativa elege um número de representantes políticos proporcional ao tamanho do seu eleitorado, na França existem o que chamamos de círculos eleitorais, com cerca de 15 mil a 20 mil pessoas, e cada um deles escolhe um representante. Quem obtém maioria absoluta [metade dos votos, mais um] dos votos do seu círculo eleitoral no primeiro turno, ele é eleito. Caso a maioria absoluta não seja alcançada, os primeiros colocados e aqueles que obtiveram pelo menos 12,5% passam a disputar o segundo turno. É comum, em diversas localidades, que até quatro candidatos concorram em um possível segundo turno. E das 577 localidades, em mais de 500 a vaga permanece aberta”, explica o professor, acrescentando que, na segunda volta, é eleito deputado o candidato que obtiver a maioria dos votos no seu círculo eleitoral.
“Por um lado, é quase certo que o Presidente Macron não terá maioria [dos deputados na próxima legislatura]. Ele não tinha mais, mas estava perto, perdendo cerca de 30 dos 577 assentos. Agora, pelas projeções, sua base na Assembleia diminuirá. Para que a sua estratégia de antecipar as eleições para tentar conter perdas [decorrentes do avanço da extrema direita na preferência do eleitorado] foi um fracasso total. Por outro lado, permanece a dúvida se o Reagrupamento Nacional alcançará a maioria absoluta. É perfeitamente possível, mas como muitas variáveis locais influenciam o resultado, é difícil fazer projeções confiáveis”, ponderou Nicolas, lembrando que os líderes do Reagrupamento Nacional já afirmaram que, se não obtiverem a maioria absoluta, conseguirão não reivindicar a liderança do governo, num país cujo regime é semipresidencialista.
Na França, o presidente não é chefe de governo, mas de Estado. “O chefe do governo é o primeiro-ministro. O Reagrupamento Nacional garantiu que só nomeará o primeiro-ministro se obtiver maioria absoluta na Assembleia. Se isso acontecer, teremos uma situação já conhecida em França, que é a coabitação: um presidente de viés ideológico, e um primeiro-ministro de outra corrente política A novidade, em termos franceses, será a extrema direita chefiar o governo”, lembra o professor, destacando que a eventual vitória do Reagrupamento Nacional será a próxima. fim de semana terá impactos na União Europeia, com possíveis repercussões também para o Brasil.
“Se o Reagrupamento Nacional sair vitorioso e com possibilidade de governar, estaremos perante o primeiro governo francês abertamente eurocéptico, ou seja, desfavorável à União Europeia – embora considere que sair do bloco seja totalmente improvável, penso que os processos de integração e alargamento tenderiam a ficar congelados. Seria também de esperar muito menos envolvimento do governo francês em relação a aspectos como a guerra na Ucrânia. Quanto ao Brasil, poderá haver retrocessos no apoio às questões ambientais. Além disso, se saírem vitoriosas, a direita francesa, que tem uma importante base de apoio no sector agrícola, continuará a bloquear ou mesmo a pôr fim à possibilidade de um acordo Mercosul-União Europeia, em relação ao qual Macron está já não está muito claro. favorável”, finalizou o professor.
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