Anúncios de cassinos online, incluindo apostas bem conhecidas e apostas esportivas, estão sendo feitos por influenciadores infantis no Instagram. Um dos perfis que promovem o jogo é o de uma menina de seis anos que tem quase 3 milhões de seguidores.
Difundido em todo o país, esse tipo de jogo já atinge crianças e adolescentes, e famílias e escolas começam a encontrar dependência entre os mais jovens.
A Escola da Vila, por exemplo, localizada na zona oeste de São Paulo, enviou comunicado às famílias relatando que “chegou à escola a informação de que os jovens têm feito uso cada vez mais frequente de aplicativos de apostas” e alertando para a vulnerabilidade dos adolescentes.
“Reiteramos a importância de conversar em casa sobre isso, para que possamos atuar juntos, escola e família, na prevenção desse comportamento de risco”, diz o texto.
Um aluno de uma escola particular de São Paulo ganhou mais de R$ 5 mil apostando em apostas em uma semana – e perdeu o mesmo valor em poucos dias. A família procurou atendimento psicológico.
O vício em apostas, que se baseia em grande parte nas apostas em jogos de futebol, afeta as equipes juvenis dos clubes. Os jogadores adolescentes, além de serem bombardeados por publicidade de empresas que se tornaram patrocinadoras de clubes, são iludidos com a ideia de que podem ganhar dinheiro porque entendem de futebol.
Um garoto de 14 anos que joga em um time do interior de São Paulo começou a apostar e a pedir dinheiro emprestado. Ele recebe R$ 200 por mês de mesada do clube e chegou a uma dívida de R$ 5 mil por conta de apostas. Diante de situações como essa, os clubes convocam palestrantes para conversar com os jogadores, principalmente os mais jovens, sobre os riscos.
O Instituto Alana, ONG que atua na proteção de crianças e adolescentes, apresentou na semana passada denúncia ao Ministério Público sobre publicidade ilegal de cassinos online circulada por crianças e adolescentes nas redes sociais.
A denúncia menciona impactos altamente negativos desse vício na infância e adolescência, incluindo o risco de suicídio. Ele cita o caso de um adolescente maranhense de 17 anos que se suicidou no ano passado após perder R$ 50 mil, que havia herdado, no Fortune Tiger, o “jogo do tigrinho”, um caça-níqueis extremamente popular.
Como mostra a denúncia de Alana, o perfil de um influenciador de apenas seis anos dá espaço para propagandas de cassinos e apostas, além de promover sorteios e sorteios de produtos caros, como motos e iPhones. Um dos sorteios, com ingressos vendidos por R$ 0,10, oferece prêmio de R$ 10 mil mais um iPhone 12 Pro Max.
Em outro caso levantado, o de um menino de sete anos, com 1,5 milhão de seguidores, o perfil é administrado pela mãe.
A adolescente de 16 anos, que ficou conhecida por suas danças no TikTok e tem 7,7 milhões de seguidores no Instagram, divulga apostas em seus posts recheados de imagens em que aparece em poses sensuais.
Ela já fez um vídeo jogando o game e incentivando seus seguidores, em sua maioria crianças, a fazerem o mesmo: “Só quem não quer não consegue ganhar dinheiro”, afirma.
Em outro perfil, com mais de 250 mil seguidores, uma mãe e a filha de 14 anos anunciam cassinos online. Enquanto a menina interage com o público, a mãe brinca. As postagens exibem supostos ganhos e dizem que as plataformas de apostas “pagam muito”.
Um influenciador de 15 anos com 5 milhões de seguidores promove as apostas como um jogo que reproduz o famoso jogo Subway Sufers. O adolescente apresenta uma série de plataformas, analisa probabilidade de ganhos e até tutoriais para seus seguidores.
Uma cantora de funk de 16 anos, com mais de 13 milhões de seguidores, divulga apostas em suas postagens, que investem em sua imagem erotizada.
Também popular no universo funk, um influenciador de 15 anos e quase 3 milhões de seguidores oferece dinheiro para quem se cadastrar em plataformas de jogos de azar. Em uma postagem em que divulga um deles, ele escreve “Quem quer é difícil” e aparece em uma selfie mordendo um maço de dinheiro.
A denúncia de Alana traz ainda mais dois casos de meninas de 12 anos, cada uma com mais de 260 mil seguidores, que compartilham regularmente anúncios de cassinos online, jogam e incentivam seus seguidores a apostar.
Embora alguns destes influenciadores já tenham crescido financeiramente devido à sua fama nas redes sociais, a maioria tem um contexto socioeconómico vulnerável.
Maria Mello, coordenadora do programa Criança e Consumo da Alana, afirma que o alvo da denúncia não são os responsáveis pelos influenciadores, mas a Meta, dona do Instagram e do Facebook
“As empresas aproveitam a divisão social do nosso país e, nesta situação de extrema crueldade, as famílias são o elo mais fraco”, afirma Mello. Ela afirma que a intenção é responsabilizar a rede social por permitir conteúdos duplamente ilegais: “Temos crianças e adolescentes sendo utilizados para publicidade, o que não é mais permitido, e para publicidade de jogos de azar para crianças e jovens”.
Mello afirmou que Alana denunciou os perfis diretamente ao Instagram, mas a resposta, segundo ela, foi que eles não violavam as “diretrizes da comunidade”. A entidade destaca ainda que não existe nenhuma categoria na ferramenta de denúncia automática do Instagram dedicada à publicidade de cassinos online.
“As redes sociais precisam criar mecanismos de controle para proteger crianças e adolescentes. Deveriam retirar esse conteúdo, e não promovê-lo, como fazem”, afirma.
Na ação, Alana pede à Meta que “repare os danos já causados às crianças e adolescentes” com indenização, direcionada ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, de pelo menos R$ 50 milhões.
Além disso, criar mecanismos para que publicidades realizadas por crianças e adolescentes possam ser denunciadas no Instagram e que esse tipo de conteúdo, principalmente envolvendo apostas, não seja potencializado, mas sim removido. Solicita também que o trabalho de crianças influenciadoras só seja autorizado mediante autorização judicial.
Procurada pela reportagem, Meta enviou a seguinte nota:
“Não permitimos crianças menores de 13 anos em nossas plataformas, exceto em casos de contas gerenciadas por um responsável. Nossas políticas também não permitem conteúdo potencialmente direcionado a menores de 18 anos que tente promover jogos online envolvendo dinheiro. valores, e removemos postagens dessa natureza das contas mencionadas para denúncia. Usamos uma combinação de tecnologia e revisores humanos para identificar conteúdos e contas que violam nossas políticas e estamos sempre trabalhando para melhorar nossa abordagem em direção a um ambiente seguro para todos. .”
ESCOLAS ENFRENTAM UM PROBLEMA
Segundo Pablo Damaceno, diretor da Escola da Vila para alunos do 7º ao ensino médio, muitos meninos dessa faixa etária, muito interessados em futebol, têm usado essas apostas na ilusão de ganhar dinheiro com facilidade e rapidez. A escola, segundo ele, realiza campanhas de conscientização. Alunos do 2º ano do ensino médio, por exemplo, fizeram um projeto de aula alertando sobre os perigos das apostas online.
Para a psicóloga Karen Scavacini, do Instituto Vita Alere, que atua em escolas para prevenção do suicídio, essa é uma combinação perigosa: influenciadores anunciando jogos para jovens que ainda não possuem capacidade de pensamento crítico. “Para piorar a situação, existem cassinos disponíveis 24 horas por dia, é muito fácil de acessar.”
A psicóloga Karina Fukumitsu, que também atua em escolas com prevenção ao suicídio, conta que tem feito supervisão em casos de jovens que se mataram por dívidas de apostas.
“Essa forma de ganhar dinheiro no curto prazo não é equilibrada e, quando você perde de repente, fica difícil suportar a frustração”, afirma.
Grace Gonçalves, coordenadora dos parceiros TE&TI, que reúne 5 mil profissionais de tecnologia escolar, afirma que o tema tem sido recorrente. “Todos os meses vemos casos de jovens que usam a mesada ou abono semanal e perdem dinheiro com apostas”, diz ela, que também é designer de tecnologia educacional no Colégio Miguel de Cervantes.
O Datafolha mostrou que os mais jovens são os que mais fazem apostas esportivas online. Dos usuários dessas plataformas no Brasil, 40% têm entre 16 e 24 anos (a pesquisa, realizada em dezembro do ano passado, entrevistou pessoas com 16 anos ou mais). Entre a população brasileira de 16 a 24 anos, 30% já fez apostas.
COMO PROCURAR AJUDA
Jogadores anônimos do Brasil
Reuniões para partilhar experiências e ajudar outras pessoas a recuperarem de problemas de jogo. Há cidades que realizam reuniões semanais regulares
gamblersanonimos.com.br
PRO-AMJO
Serviço do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP tem como objetivo estudar e tratar pacientes com transtorno de jogo
www.proamiti.com.br/transtornodojogo
(11) 2661-7805
Serviços de saúde
Procure uma UBS (Unidade Básica de Saúde) ou Caps (Centros de Atenção Psicossocial) mais próximos de sua residência para encaminhamento psicológico.
*Informações da Folhapress
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