Qual o maior legado que um megaevento esportivo pode trazer para uma cidade? No caso dos Jogos Paralímpicos, eles destacam questões que envolvem o cotidiano das pessoas com deficiência, sejam elas atletas ou não. Entre eles, a acessibilidade, que, no caso de Paris, ainda é um desafio especial apesar dos avanços motivados pelas Paraolimpíadas.
Na capital francesa vivem cerca de 185 mil pessoas com deficiência. Há três anos, segundo a Câmara Municipal local, uma em cada duas paragens de autocarro em Paris tinha rampas de acesso. Atualmente, 59 das 61 linhas municipais são consideradas adaptadas, ou seja, com pelo menos 70% de pontos acessíveis. Segundo o poder público, foram investidos 22 milhões de euros (R$ 136 milhões) nessas obras.
Outra intervenção foi realizada em 2.500 semáforos da cidade, com instalação de módulos de som. Acionados por um botão no próprio semáforo ou por um controle remoto, distribuído gratuitamente aos cidadãos ou visitantes, emitem sons para auxiliar pessoas com deficiência visual. O planejamento do município prevê chegar a 10,4 mil módulos.
Outro objetivo em relação à acessibilidade em Paris é ter pelo menos uma escola adaptada a cada 15 minutos de caminhada, para atender os cerca de 12 mil alunos com deficiência da cidade. Segundo a Prefeitura, a intenção é ultrapassar 240 mil unidades acessíveis até 2026 e concluir o projeto até 2030.
Em relação aos bens públicos, a meta da Câmara Municipal de Paris é ter 90% deles acessíveis até o próximo ano. Em 2022, apenas 45% foram adaptados. Como resultado dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, seis instalações esportivas já foram reformadas após um aporte de 10 milhões de euros (R$ 62 milhões). É o caso da Piscina Georges Vallerey, que sediou a natação nas Olimpíadas de 1924. A estrutura recebeu piso tátil, rampas e até foi construída uma pequena sala para acomodar cães-guia.
“Quando comparamos Paris de 2017 com 2024, houve um crescimento incrível [em acessibilidade]. Paris compreendeu o desafio e a oportunidade. Teremos um legado nos transportes, na educação, na legislação e na percepção da sociedade sobre as pessoas com deficiência. As Paraolimpíadas são o evento mais transformador do mundo”, disse o presidente do Comitê Paraolímpico Internacional (IPC), Andrew Parsons, à reportagem de Empresa Brasileira de Comunicações (EBC).
Mesmo assim, existem gargalos. O relatório de EBC conversou, na Place de la Bastille, com a turista espanhola Marta Moreira e sua família, que vieram de Barcelona (Espanha). Utilizando cadeira de rodas e com mobilidade delicada, tanto que usava a boca para dirigir a cadeira, Marta encontrou dificuldades de acessibilidade no hotel onde estava hospedada. Segundo a mãe, não havia elevador no imóvel, que era antigo.
“Muitas das lojas não têm rampas para cadeirantes e as estradas são muito íngremes. O metrô, então, está fora de cogitação”, disse Marta.
Na verdade, o sistema de metro de Paris é problemático quando se trata de inclusão. Com mais de um século e um dos mais movimentados da União Europeia, com cerca de quatro milhões de passageiros por dia, o metro da capital tem apenas 29 das mais de 300 estações consideradas adequadas para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Apenas a linha 14, a mais nova, está 100% acessível.
Muitas das estações não possuem elevadores e é necessário descer uma longa escada para entrar, o que as torna inadequadas para cadeirantes. Em algumas linhas mais antigas, a porta do carro deve ser aberta por meio de uma alavanca na saída, o que pode ser difícil para quem tem amputação ou alguma deficiência motora de membro superior. E é preciso ter cuidado ao sair do vagão, pois há um vão no vão entre o trem e a plataforma.
Uma lei de 11 de fevereiro de 2005 previu que o transporte público seria acessível às pessoas com deficiência dentro de dez anos. No entanto, o metro de Paris foi considerado uma exceção, devido a limitações técnicas ligadas à conservação do património arquitetónico e ao impacto de eventuais obras, que seriam longas e teriam impacto no tráfego de passageiros em geral.
Dias antes do início das Paraolimpíadas, porém, a presidente do Conselho Regional da Ile de France, Valérie Pécresse, defendeu um projeto que tornaria o metrô de Paris 100% acessível. A estimativa é que as obras custem cerca de 20 bilhões de euros (R$ 120 bilhões) e levem pelo menos 20 anos para serem concluídas. Ela pediu ao Governo Federal e à Prefeitura que auxiliem a administração regional no financiamento da iniciativa.
Uma cidade considerada referência em termos de acessibilidade após uma Paraolimpíada é Barcelona de Marta. A capital da Catalunha sediou o megaevento em 1992, após as Olimpíadas. Entre 1995 e 2004, foi colocado em prática um plano local de acessibilidade, determinando que as calçadas e praças fossem todas adaptadas para pessoas com deficiência. Além disso, praticamente 100% das estações de metrô são acessíveis. A transformação de Barcelona virou tema de documentário produzido pelo IPC.
Ao longo dos Jogos, o relatório do EBC Tentou entrevista com a vice-prefeita Lamia El Aaraje, responsável pelas ações de acessibilidade em Paris, mas não obteve resposta.
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