A cerca de 60 dias da pré-eliminatória mundial do basquete feminino em Ruanda, o basquete se encontra em uma crise que afeta uma questão altamente explosiva no Brasil: o aborto legal.
Depois da Confederação Brasileira de Basquete (CBB) demite o preparador físico Diego Falcão, que fez postagens contra a prática em sua rede sociale a demissão do técnico José Neto, os jogadores viraram alvo de ataques de ódio na internet.
O caso extrapolou a esfera esportiva e virou debate político quando o deputado federal Luiz Lima (PL-RJ), ex-nadador, publicou nas redes sociais que a postura da CBB era vergonhosa. Ele protocolou na Comissão de Esportes da Câmara dos Deputados um convite ao presidente da entidade, Guy Peixoto Jr., para esclarecimentos.
Citados por Luiz Lima, os jogadores Clarissa dos Santos e Damiris Dantas, que haviam criticado publicamente a postagem de Falcão, tornaram-se alvos de ataques nas redes sociais.
— Eu fico com tudo, tiram foto do meu sobrinho e mandam eu abortar essa também. Dizem para eu me matar e que o vôlei no Brasil tem que acabar. Eles nem sabem que esporte eu pratico. Eu sei de onde vem e não me importo, isso não me afeta. O que me deixa emocionado é ver gente navegando no assunto nas redes sociais — diz Clarissa, atleta do Corinthians. — (O assunto) Saiu do cenário do basquete e passou a ser debatido por políticos a favor do PL Antiaborto. Não sei como esse fato chegou a essas pessoas.
O tema é delicado. Atualmente tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1.904/2024, conhecido como Projeto de Lei do Aborto, que prevê punição para a interrupção da gravidez se realizada após 22 semanas de gestação nos casos de gravidez estuprada, feto encefálico e quando houver não há outra maneira de salvar a vida da mulher grávida. A pena seria equivalente à do crime de homicídio simples: seis a 20 anos de reclusão.
Clarissa afirma que os atletas não questionaram a opinião de Diego. E sim, a minimização da violência sexual contra as mulheres. Alegaram que poderiam se sentir desprotegidos pela equipe técnica em caso de violência. Mas não pediram a demissão do profissional da CBB. Ela também esclareceu que não se trata de censura.
A CBB não comentou o caso de Diego, que voltou a usar as redes sociais para dizer que foi demitido por intolerância religiosa. Segundo Clarissa, a narrativa de que “ele é um homem de Deus, um homem de família e que estava sofrendo” sugere que ele foi demitido por causa de sua opinião.
— Ele pode ser contra o aborto e tudo bem. Todos tem sua própria opinião. Mas a postagem que ele republicou e escreveu “simples assim” comparou a gravidez comum à gravidez resultante de estupro, minimizando a violência. É claro que importa se a gravidez é resultado de violência. Para nós, como mulheres, isso importa. E se precisarmos denunciar uma situação de estupro, como eles agirão? — pergunta o atleta. — Moramos muito tempo com ele e com o Neto. Já conhecíamos a opinião dele e isso nunca foi problema, nem durante as eleições ou quando as pessoas curtiam postagens com conteúdo homofóbico, por exemplo. Ninguém caiu. Alguém que trabalha com mulheres vai dizer algo assim em ambiente público?
Diego Falcão compartilhou uma postagem do padre Paulo Ricardo que dizia: “Não sei como você foi concebido, se em pecado, não sei se você nasceu de estupro ou de casamento sacramental, não me importa. Desde toda a eternidade Deus sonhou com você! A vida não é um fardo, meu irmão, é uma bênção.” O preparador físico corroborou as palavras do religioso com a frase “simples assim” e depois compartilhou uma ilustração de Madre Teresa de Calcutá segurando uma criança no colo com o texto creditado a ela: “Qualquer país que aceita o aborto não está ensinando seu povo amar, mas usar qualquer violência para conseguir o que deseja.
Neto, em entrevista à Globo, disse que “somos responsáveis pelo que falamos e pelo que fazemos e não pela interpretação das pessoas”, e que Diego não disse que é contra o aborto nem apoiou o projeto de lei do aborto. O treinador afirmou que a sua demissão não teve relação com “comungar com as ideias de Diego”.
— Minha demissão não tem nada a ver com preconceito político. E sim, com o ambiente que foi criado para que pudéssemos trabalhar – disse. –Tudo isso aconteceu por causa de uma má interpretação. O que entendi pelo que ele escreveu (no post) e também sou católico, praticante e tenho esses princípios, é que essas pessoas, no ventre materno, são fruto de Deus e têm que ser amadas, amadas por Deus. Apesar de toda essa polêmica que existe, a culpa não é da criança — disse Neto.
Questionado sobre o direito da mulher de escolher o aborto legal e a complexidade de “amar em caso de estupro”, ele respondeu:
—E por que um amante não tem o direito de matar? Mas veja, esse tema não está no debate deste post. Ninguém disse se isso poderia ou não ser feito, não colocaram nada sobre o PL no post. Isso foi mal interpretado – alertou o treinador, que disse que Diego já havia “feito outros posts sobre isso há muitos anos”. -Nunca conversamos sobre esse assunto com eles. Diversas vezes esse tipo de assunto foi abordado nos perfis dos atletas. E sempre respeitamos e tratamos todos da mesma forma. Foi dado muito mais valor às interpretações do que aos factos que antecederam a demissão de Diego. Hoje aconteceu com o Diego, que é meu irmão, mas se acontecesse com outra pessoa eu teria a mesma atitude (demitir).
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