Uma das principais cenas da tentativa de golpe militar contra o governo do presidente boliviano Luis Arce, nesta quarta-feira, é o avanço de um veículo blindado contra o Palácio Quemado, na tentativa de derrubar uma porta metálica. Veículos blindados como esses, chamados de Tiger, foram enviados pela China ao país sul-americano em 2016.
Esses veículos blindados chineses são fabricados pela empresa Baoji Special Vehicles e foram apresentados pela primeira vez em feiras militares em 2012. Foram desenvolvidos com base em veículos 4×4 com capacidade off-road — ou seja, possuem características que lhes permitem percorrer terreno acidentado e sem estradas pavimentadas.
A equipe Tiger é formada por duas pessoas: o piloto e o comandante. Além deles, o veículo pode transportar mais nove soldados em suas missões. O veículo blindado também possui uma metralhadora acoplada à parte superior e um lançador de granadas. Pelo menos 31 veículos modelo Tiger estão presentes no Exército, Força Aérea e Marinha da Bolívia.
A velocidade máxima alcançada pelo Tiger é de 115 km/h com autonomia de cerca de 600 km. O veículo blindado pode atravessar águas de até 1,2 metro de altura, além de subir encostas de 60%.
Após o avanço do veículo blindado, em momento posterior, quando os militares já haviam entrado na sede do governo, outra cena inusitada. Em vez de prender o presidente Luis Arce — como seria de esperar num golpe de Estado —, o general golpista Juan José Zúñiga, deposto no dia anterior pelo presidente, “brigou” com Arce, num diálogo travado por redes de TV locais e populares que responderam ao apelo do presidente para defender a democracia. Arce, cercado de soldados, ainda deu uma ordem ao general.
— Não vou permitir essa insubordinação — disse Arce. — Recue com todas essas tropas, isso é uma ordem.
As motivações por trás da tentativa de golpe também são confusas. Zúñiga, afastado do cargo de comandante do Exército na terça-feira, criticou uma possível candidatura do ex-presidente Evo Morales em 2025. Durante o golpe fracassado, declarou à imprensa que “a mobilização de todas as unidades militares” buscava expressar seu descontentamento “com a situação do país” e que não permitiria uma possível nova candidatura de Evo. Declarou também que continua a obedecer ao presidente Luis Arce “por enquanto”, mas que tomará medidas para “mudar o Gabinete de Governo”.
Após a nomeação do general José Wilson Sánchez Velázquez para o cargo vago de Zúñiga e a ordem de retirada total das tropas que cercavam o local, o general golpista apresentou ao público uma versão diferente – de que a tentativa de golpe havia sido uma manobra planejada por o próprio Arce para ganhar popularidade.
Conforme publicado pelo El País, Zúñiga disse aos jornalistas que estava com o presidente no domingo, quando Arce teria reclamado que a situação era “muito complicada”. Segundo o general, o presidente propôs “montar alguma coisa” para aumentar a popularidade. Zúñiga afirmou ter questionado se deveriam ser utilizados veículos blindados e o chefe de Estado deu um sinal positivo.
— Ele me disse que a situação estava muito ‘fodida’ e que essa semana seria crítica. Ele precisava de algo para aumentar a sua popularidade – disse o general agora detido aos repórteres, de acordo com uma reportagem do diário espanhol La Razón. — Perguntei: ‘usamos veículos blindados?’, e ele respondeu: ‘usamos’. — detalhando que o presidente o instruiu a usar “seis cascavéis, seis urutus e 14 zetas do regimento Achacachi”.
A entrevista de Zúñiga aos jornalistas, já detidos, foi interrompida pelo Vice-Ministro do Governo, Jhonny Aguilera, que exclamou, ao afastar o soldado dos jornalistas: “Você está preso, meu general!”.
A fracassada tentativa de golpe foi amplamente rejeitada dentro e fora da Bolívia, pelos apoiadores e oponentes de Arce. Até Evo, que é concorrente do atual presidente dentro do partido Movimento ao Socialismo (MAS), e Luiz Camacho, líder da oposição, se disseram contra a quebra da ordem constitucional.
A condenação internacional das ações dos militares bolivianos também foi generalizada. O Brasil condenou imediatamente a tentativa, enquanto os países membros da CELAC deverão fazer o mesmo, conjunta e institucionalmente, nesta quinta-feira. Na avaliação da embaixada brasileira, a pressão externa foi um fator relevante para que o golpe não se confirmasse.
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