SÃO PAULO (Reuters) – O setor industrial brasileiro tem planos de investimentos de cerca de 826 bilhões de reais até 2027, mas vê riscos para 60% desse valor diante do que chama de “tsunami” de importações da China e de questões internas do país como níveis elevados de taxas de juros e incerteza sobre a reforma tributária.
Reunidos nesta quarta-feira, empresários de sete setores que participam da organização Coalizão da Indústria apresentaram à imprensa um cenário de crescimento de receita neste ano. Mas, ao mesmo tempo, citaram uma situação preocupante devido à alta ocupação produtiva, mas pouca disposição dos empresários em investir para ampliar a capacidade em meio às discussões em torno de um possível acordo comercial entre Mercosul e China.
“O Acordo Mercosul-China não pode prosperar, porque sem o acordo já vivemos um tsunami de importações da China, com um acordo como esse, imagina o que poderia acontecer?”, disse o presidente do grupo, Marco Polo de Mello Lopes, que também preside a Associação das Siderúrgicas Brasileiras, parte da Coalizão.
O grupo foi criado em 2018 e afirma representar 43% do PIB industrial brasileiro, sendo formado por 14 entidades da indústria nacional dos segmentos de transformação, construção civil e comércio exterior.
“Quinhentos bilhões (reais) em investimentos serão imediatamente interrompidos”, acrescentou o executivo, referindo-se à eventualidade de o bloco de países formado por Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai chegar a um acordo com a segunda maior economia do mundo.
Os maiores apoiantes de um pacto com o país asiático são o Uruguai e o Paraguai, tendo o presidente paraguaio afirmado no domingo que o seu país está “totalmente aberto” a acordos comerciais com a China através do Mercosul. Dias antes, as autoridades do Mercosul mantiveram um diálogo com os seus homólogos chineses na capital do Uruguai.
Embora o governo federal tenha tomado uma série de medidas de proteção comercial envolvendo diversos setores da economia entre o final de 2023 e este ano – incluindo automobilístico, siderúrgico e petroquímico – a avaliação do setor industrial é que elas são insuficientes tanto em intensidade quanto em agilidade.
Lopes citou projeções da Associação de Comércio Exterior do Brasil, membro da Coalizão, que mostram que a balança comercial de manufaturados do Brasil deve terminar este ano com um resultado negativo de 135 bilhões de dólares, um aumento em relação aos 108 bilhões de 2023.
Desde 2016, quando houve um défice de cerca de 44 mil milhões de dólares, o saldo da indústria transformadora nacional tem apresentado resultados cada vez mais negativos, segundo o inquérito da AEB que utiliza dados da Secretaria do Comércio Externo (Secex).
“Não sei até quando vamos resistir. Tivemos uma queda de 28% (no preço dos produtos importados) e eles já têm 50% de participação de mercado”, disse Synésio Batista da Costa, presidente da Abrinq, associação de fabricantes de brinquedos, um dos setores mais afetados pelas importações referentes a produtos chineses.
“O governo poderia olhar para cada segmento industrial e equilibrar o preço de importação. Não tenho concorrente, tenho alguém me roubando”, disse Costa. “O governo só precisa equilibrar as taxas”, acrescentou.
Por sua vez, o presidente da Abinee, do setor eletroeletrônico, Humberto Barbato, afirmou que o governo brasileiro precisa tomar “medidas muito firmes. Esse é um fator que tira a tranquilidade (dos empresários) em relação a esses investimentos”.
Segundo Barbato, em 2020 o setor representado pela Abinee produziu 42,3 milhões de celulares no Brasil e em 2023 houve uma redução de 10 milhões de unidades neste volume, causada pela grande quantidade de aparelhos contrabandeados vendidos no país. O executivo disse que “foram vendidos 10,9 milhões de celulares de forma não oficial, por meio de importação via Paraguai, com preço 40% inferior ao preço fabricado no Brasil”.
Barbato afirmou que os celulares “não oficiais” têm participação de 25% nas vendas totais do Brasil. “Ninguém fará investimentos pesados quando um quarto da indústria não for oficial.”
(Por Alberto Alerigi Jr.)
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