Na região oeste do Pará, nos municípios de Belterra, Itaituba, Mojuí dos Campos e Trairão, as famílias estão promovendo uma transformação no ambiente em que vivem por meio da recuperação da vegetação nativa em suas propriedades. Neste dia 5 de setembro, Dia da Amazônia, conheça o projeto que produz alimentos, novas mudas, sementes e também gera renda através do modelo de Sistemas Agroflorestais (SAFs).
Conhecida como Sanda, a agricultora Rosângela Silva Pereira, moradora do Trairão, plantou cerca de 200 mudas em seu quintal e na fazenda próxima de onde mora. Ela conta que o movimento foi motivado por dois grandes projetos, um que criou um viveiro coletivo na comunidade e outro que permitiu às famílias produzir alimentos e árvores da Amazônia.
“Aqui a devastação foi muito grande, então recebemos algumas mudas e outras coletamos as sementes aqui, então cada SAF plantou de 180 a 200 mudas consorciadas. Há árvores frutíferas, madeira florestal e também mandioca, melancia, abóbora e outras culturas de pequeno ciclo”, explica.
A formação e estruturação de SAFs fazem parte do Projeto de Restauração da Floresta Amazônica no Tapajós, que visa estabelecer uma rede com bancos de sementes e viveiros florestais para abastecer a região com espécies nativas. As mudas de açaí, cupuaçu, cacau, andiroba, cedro, copaíba, graviola, acerola, ipê, jacarandá e urucum serão utilizadas tanto para geração de renda por meio da venda a terceiros interessados no modelo, quanto para recuperação de áreas de preservação permanente.
Enquanto no Trairão as famílias optaram por fortalecer a produção do viveiro que já existia, em Mojuí dos Campos, Suelen Costa Feitosa plantou mais de 500 mudas em sua propriedade, onde priorizou o plantio de cupuaçu para fortalecer a produção de chocolate com amêndoa. frutas regionais. Ela conta que o projeto possibilitou melhorar a qualidade do plantio e também a instalação de um viveiro coletivo com capacidade para 20 mil mudas.
“Já tínhamos a cultura aleatória, que chamamos de quintais produtivos, mas agora começamos a trabalhar com SAFs, que tem como principal objetivo a recuperação do meio ambiente. Como trabalhamos na agricultura, optamos por plantar produtos que também nos tragam renda”, argumenta.
Assistência técnica
A iniciativa é resultado de uma verdadeira força-tarefa com implementação – promovida pela organização não governamental Conservação Internacional (CI-Brasil) – e assistência técnica promovida pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Os agricultores participantes foram identificados e mobilizados pelas associações de agricultores e participaram de um curso organizado pelo Laboratório de Sementes Florestais, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).
O projeto passou por três fases: capacitação, criação ou melhoria de bancos de sementes e viveiros e recuperação de áreas desmatadas por meio de SAFs ou Regeneração Natural.
A capacitação abrangeu desde conhecimentos científicos sobre espécies nativas, até processamento de produção, secagem, armazenamento e aspectos legais, além de conhecimentos sobre produção de mudas, áreas de coleta de sementes e viveiros florestais.
Para reduzir as perdas de plantio, os agricultores também receberam conhecimentos sobre enriquecimento de substrato, adequações no sistema de irrigação e uso de ferramentas como GPS para georreferenciamento de árvores matrizes, por exemplo.
A coordenadora do projeto CI Brasil, Maria Farias, destaca que o Restaura Tapajós visa alcançar a sustentabilidade socioambiental e produtiva, a partir da combinação de culturas com a conservação florestal.
“Isto revitaliza toda a biodiversidade, promove solos mais saudáveis; com mais florestas temos maior sequestro de carbono e isso pode gerar novas fontes de renda para as comunidades. Isso melhora a segurança alimentar, reduz a pressão sobre as florestas nativas e também promove o trabalho em prol de um formato mais produtivo e de uma experiência rural mais resiliente”, afirma.
O projeto de restauração atingiu 100 famílias em Belterra, Itaituba, Mojuí dos Campos e Trairão. Os participantes também puderam visitar modelos de SAFs em Tomé-Açu, onde conheceram técnicas capazes de melhorar as condições de desenvolvimento e resistência das plantas, gerando maior quantidade de frutos e maior qualidade, o que permite uma melhoria na renda. Os grupos conseguiram também compreender, na prática, a importância de destinar uma área para fins de restauro e outra para regeneração natural com enriquecimento, possibilitando um equilíbrio natural que beneficia todo o sistema.
Foram implantados SAFs, viveiros e bancos de sementes, transformando a forma tradicional de produzir na região. Logo no início do projeto surgiu o primeiro desafio após o plantio das mudas. Com a seca mais intensa de 2023, muitas famílias perderam parte da lavoura, mas a assistência técnica permitiu a continuidade do projeto.
“Os técnicos que vieram nos atender ainda continuam de forma voluntária, são bons parceiros. Quando temos alguma dúvida sobre a nossa área, entramos em contato e eles dão dicas e estudam nossos cases através de vídeos e fotos”, conta Suelen.
Perdas
Mesmo com a redução do desmatamento nos últimos dois anos, a Amazônia perdeu o equivalente a mil campos de futebol por dia, entre agosto de 2023 e julho de 2024, totalizando 349 mil hectares, segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). A área afetada representa uma redução de 46% em relação ao mesmo período do ano anterior, mas, nos meses de junho e julho deste ano – em relação a 2023 – houve crescimento de 29% em julho e de 10% em junho.
Maria Farias reforça a importância de avançar na recuperação dos biomas nativos, agregando tecnologias que possam permitir adaptação na produtividade.
“Sabemos que nem tudo são rosas, as mudanças climáticas estão aqui e vêm gerando grandes impactos negativos, principalmente a seca de 2023 que dizimou grande parte das plantações, deixando uma lição aprendida sobre a importância de dar continuidade a esse modelo de restauração, porém, adaptando-se tecnologias de irrigação para que os SAFs possam ser consolidados de forma sustentável”, sustenta.
Avanços e retrocessos dificultam o alcance da meta brasileira de eliminar dois fatores que impulsionam fortemente as mudanças climáticas: o desmatamento e o passivo ambiental em relação ao Código Florestal.
“Sabemos que o reflorestamento é necessário para ter um clima de qualidade. A procura é enorme por sementes diversas e em quantidade. Este é um gargalo importante a considerar. Para isso é preciso consolidar a rede de sementes do Tapajós”, recomenda Maria Farias.
Para ela, além de promover a integração das redes regionais, são valiosos o aperfeiçoamento da formação, o envolvimento dos governos e dos projectos do sector privado e a disponibilização de crédito e assistência técnica. “Tudo está atento tanto às sementes florestais como às sementes anti-fome que proporcionam segurança nutricional e alimentar às famílias, respeitando sempre o modo de vida das nossas populações”, conclui.
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