A queda na produção de gás natural na Bolívia não será um obstáculo para o acionamento da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados III (UFN3). A informação foi confirmada ao Correio do Estado pelo secretário de Estado do Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Verruck, após especulações sobre a necessidade de levar combustível da costa brasileira para a fábrica de fertilizantes.
No domingo (28), o colunista do jornal O Globo, Lauro Jardim, afirmou que o custo da operação para trazer o gás natural, que será matéria-prima da UFN3, do litoral do país seria o grande obstáculo para a ativação do fábrica localizada em Três Lagoas.
“Não adiantaria trazer gás da costa brasileira. Porque, se necessário, eu faria uma substituição [operação swap]. Vamos supor que a Bolívia não teria condições de fornecer gás, então uma empresa do Rio Grande do Sul ou de Santa Catarina que consumisse esse gás natural deixaria de recebê-lo da Bolívia e passaria a recebê-lo pelo litoral, através do gasoduto do Rio de Janeiro . janeiro, e esse gás da Bolívia ficaria aqui. De qualquer forma, o gás boliviano será utilizado na UFN3”, explica Verruck.
A questão sobre a impossibilidade de continuar fornecendo gás natural ao Brasil vem sendo discutida há alguns anos. O governo boliviano não investiu na exploração de novos poços de combustível na última década e reduziu sua produção em 43,63% nos últimos sete anos.
Dados da Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB, empresa estatal boliviana) mostram que a produção de gás natural aumentou de 56,6 milhões de metros cúbicos (m³) por dia em 2016 para 31,9 milhões de m³ no ano passado.
Atualmente, os bolivianos enviam 15 milhões de m3 por dia ao Brasil através do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), quando deveriam entregar 20 milhões de m3/dia. A capacidade total da Gasbol é de 30 milhões de m³/dia.
UFN3
A fábrica de fertilizantes nitrogenados, UFN3, deverá consumir 2,3 milhões de metros cúbicos de gás natural, transformando-o em 1,3 milhão de toneladas de uréia e 0,8 milhão de toneladas de amônia.
Conforme informou ontem a reportagem, a due diligence (processo de auditoria) da estrutura da fábrica de fertilizantes deverá indicar um novo cronograma para conclusão das obras e início das operações. Segundo o responsável da Semadesc, o relatório deve ser entregue no prazo de três meses. E com isso, o início das obras deverá ser adiado para 2025.
Ó Correio Estadual já havia anunciado, na edição de 27 de outubro de 2023, que a fábrica só entraria em operação em 2025. Porém, sem o início das obras até o momento, o início da operação da fábrica também será adiado por mais um ano, pois o a fase de construção deverá durar de 12 a 18 meses.
A unidade visa reduzir a dependência do Brasil da importação de fertilizantes nitrogenados. As projeções da Semadesc indicam que somente com a ativação da fábrica de Três Lagoas seria possível reduzir a importação de fertilizantes nitrogenados entre 15% e 30%.
ESTRATÉGIAS
O proprietário da Semadesc explica ainda que outras estratégias poderiam ser adotadas para que o fornecimento de gás seja suficiente para que a fábrica tenha matéria-prima. No curto prazo, segundo ele, há disponibilidade de gás natural porque a Bolívia reduziu o fornecimento à Argentina.
“Hoje eles têm um contrato de fornecimento de cerca de 4 milhões de metros cúbicos para a Argentina. Porém, a própria Bolívia já abriu a possibilidade para os importadores brasileiros importarem 2 milhões de m³ de gás no mercado livre, porque ele está disponível. Tem até importador brasileiro que vai lá fazer essa importação direta e pagar apenas o frete do Gasbol”, diz Verruck ao Correio Estadual.
O presidente boliviano, Luis Arce, anunciou em 15 de julho a descoberta de um “megacampo” de gás natural de 1,7 trilhão de pés cúbicos (TCF) localizado ao norte de La Paz.
A empresa estatal de energia YPFB disse no início deste mês que está procurando maneiras de superar a recente escassez de combustível.
“Foi confirmada uma reserva de 1,7 TCF, sendo a descoberta mais importante para a Bolívia desde 2005. Será provavelmente o terceiro campo com melhor produção em todo o país”, disse Arce em discurso no palácio do governo.
O secretário Jaime Verruck comentou que deverá levar algum tempo para que a exploração ocorra.
“A Bolívia anunciou recentemente uma grande descoberta de gás, mas obviamente ainda leva tempo para explorá-la. Mas o próprio grupo JBS já comprou uma pequena empresa de 100 mil metros cúbicos, mas já pensa em um milhão de metros cúbicos, lá na Bolívia. Quer dizer, isso é positivo, a chegada de capital internacional para fazer essa exploração”.
ALTERNATIVAS
Conforme publicado pelo Correio do Estado na edição de 17 de abril, o governo federal estuda importar combustíveis da Argentina com o objetivo de aumentar a oferta de gás natural no Brasil.
Entre as opções estudadas, está a possibilidade de trazer gás pelo Gasbol entrando por Corumbá (MS). A segunda possibilidade seria via Rio Grande do Sul, mas para isso seria necessária a construção de um gasoduto de Uruguaiana a Porto Alegre.
As duas possibilidades em estudo para levar o gás argentino ao Brasil dependem da conclusão da segunda parte do Gasoduto Néstor Kirchner, que liga a região de Vaca Muerta, da província de Buenos Aires, a Uruguaiana (RS).
Concluída a segunda etapa do gasoduto argentino, o gás poderá chegar ao Brasil por duas rotas. A primeira seria utilizar uma parte ociosa do Gasbol, inclusive pagando pedágio aos bolivianos pela passagem. O gás chegaria ao Brasil por meio de uma ligação entre os gasodutos Norte e Néstor Kirchner.
Caso a ligação entre Uruguaiana e Porto Alegre seja tirada do papel, uma questão importante além do investimento orçado entre US$ 1 bilhão e US$ 1,2 bilhão é que seria necessário adequar o Gasbol.
Hoje, o gasoduto é uma “via de mão única”, que vai do Mato Grosso do Sul ao Rio Grande do Sul. Esse fluxo também teria que subir, levando o gás da Região Sul para cima, para atender Minas Gerais, por exemplo, tornando-se uma espécie de “via dupla”.
Outra opção já apresentada pelo Correio do Estado, na edição de 8 de maio, seria trazer o combustível argentino via Paraguai. O país fronteiriço está negociando com Argentina e Brasil a construção de um novo gasoduto que ligue os três países.
O plano traçado pelo Paraguai visa aproveitar os gasodutos existentes para transportar o gás argentino ao Brasil. O novo gasoduto percorreria 110 quilômetros (km) de Campos Duran, no norte da Argentina, até a fronteira com o Paraguai, cruzando outros 530 quilômetros no Chaco paraguaio para chegar ao Brasil.
Outros 400 km de gasoduto ligariam Carmelo Peralta, na fronteira Paraguai-Brasil, ao Mato Grosso do Sul e de lá potencialmente se juntariam à linha Gasbol para São Paulo.
A capacidade diária inicial do novo gasoduto está projetada em 15 milhões de m³.
“Ainda temos outra discussão, que é a possibilidade de trazer um gasoduto pela Rota Bioceânica com gás argentino. O Paraguai fez essa proposta ao governo brasileiro, para construir um gasoduto que ligaria a Campo Grande”, finaliza Verruck.
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