Após o choque no mercado de crédito privado com a inadimplência da Americanas e da Light, em 2023, as emissões de debêntures caminham para volumes recordes de negociação e emissões neste ano.
De janeiro a maio, são R$ 161 bilhões em 218 novos títulos, segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais). O valor é três vezes maior que o registrado no mesmo período de 2023, com 116 emissões. As negociações no mercado secundário (negociação entre investidores) quase dobraram, para R$ 268 bilhões.
Segundo a Anbima, o volume dos cinco primeiros meses de 2024 é o recorde desse intervalo em sua série histórica, iniciada em 2012. A captação de maio (R$ 49,5 bilhões) também é a maior já registrada em termos nominais para qualquer mês do ano. a série histórica.
“Este é um ano forte para o mercado de capitais de dívida local, caminhando para um volume bem acima do ano passado. Esperamos algo em torno de R$ 400 bilhões [de emissões]“, afirma Samy Podlubny, head da área de dívida do UBS BB. Segundo Podlubny, as emissões devem acelerar até o final do ano, já que o fluxo é maior no segundo semestre do que no primeiro.
Segundo especialistas, há uma combinação de fatores por trás dessa recuperação. A maior delas é o aumento do fluxo de investimentos para fundos de renda fixa, que acabam alocando mais recursos em debêntures.
Com a Selic mantida em 10,50% e a perspectiva de taxas de juros em patamares elevados por mais tempo, a renda fixa continua sendo o investimento preferido dos brasileiros. Mas, para que os fundos de renda fixa entreguem retorno acima do CDI, eles precisam comprar ativos de maior risco, que gerem retorno maior.
“Quando os investidores perceberam que o mundo não iria acabar para o mercado de crédito corporativo [pós-Americanas e Light]os fundos, que tiveram muitos resgates durante a crise, voltaram a captar recursos e esse movimento de inversão acabou acontecendo e hoje esse mercado vive um momento completamente diferente”, afirma Gustavo Saula, analista de renda fixa do Grupo SWM.
Além de recuperar a confiança dos investidores, as debêntures também foram beneficiadas pela tributação dos fundos fechados, que ficaram conhecidos como fundos super-ricos, e pelas mudanças nas regras sobre Cartas de Crédito e Certificados de Recebíveis, promovidas em fevereiro pelo governo federal. , o que reduziu a demanda por esses papéis.
Para as LCIs, o prazo mínimo de carência passou de 90 dias para 12 meses. Para as LCAs, o mínimo de 3 meses foi alterado para 12 meses, quando a fatura é atualizada por índice de preços, e para 9 meses nos demais casos. Além disso, a lista de empresas que podem emitir estes instrumentos foi reduzida com o endurecimento das regras-quadro nos sectores agrícola e imobiliário.
“Agora, o investidor pessoa física não trata mais LCI e LCA como instrumento de fluxo de caixa, e esse dinheiro vai para fundos de renda fixa, que captaram muito dinheiro no início deste ano”, diz Cristiano Cury, coordenador da Comissão de Renda Fixa da Anbima e sócio do BTG Pactual.
“Os fundos têm muito caixa para alocar e há poucas alternativas. Na verdade, grandes fundos fecharam para financiamento”, diz Saula, do SWM.
Com o aumento da demanda, a remuneração das debêntures caiu. No auge da turbulência em 2023, as debêntures de infraestrutura isentas de Imposto de Renda (sem considerar as ações da Light) pagaram, em média, 1,6 ponto percentual a mais que os títulos do Tesouro IPCA+, segundo dados da gestora JGP. Hoje, esse spread caiu para 0,6. As demais debêntures, excluindo Americanas, passaram de juros de 2,9% para 1,9%, além do CDI.
“Quando as empresas chegam ao mercado, conseguiram captar praticamente 100% do que desejam porque a demanda está forte”, afirma Vinícius Romano, especialista em renda fixa da Suno Research.
A emissão de debêntures é uma forma mais barata de uma empresa se financiar do que por meio de crédito bancário. Com a redução dos juros que devem pagar aos investidores e a alta demanda, ficou ainda mais barato captar recursos via crédito privado.
Outra alternativa de financiamento para grandes empresas é via bolsa, algo que especialistas dizem ser inviável neste momento, com juros elevados e incertezas em relação às eleições nos Estados Unidos. Nos últimos 12 meses, o Ibovespa acumulou alta de 9%, ante 11,6% do CDI.
“O mercado de ações está fechado para novas emissões. Dadas as taxas de juros americanas e brasileiras, não há apetite”, afirma Marcus Fonseca, sócio da área de mercado de capitais do TozziniFreire Advogados.
A Selic de dois dígitos também é uma barreira para empresas menores que desejam captar recursos via crédito privado, pois exige forte geração de caixa. Além disso, são vistos como mais arriscados pelos investidores, que exigem uma remuneração superior à média do mercado, o que aumenta o custo da operação.
“Quanto menor a classificação [nota de crédito]maior o tipo de garantia que a empresa terá que ser obrigada a prestar, por isso é mais difícil entrar [nesse mercado]”, diz Fonseca.
A grande maioria das emissões deste ano são de grandes empresas que emitem debêntures regularmente e possuem as mais altas classificações de crédito (AAA e AA), o que atesta sua capacidade de honrar seus compromissos financeiros.
O spread das debêntures AA, porém, ainda não diminuiu como as debêntures ‘triplo A’, com remunerações 3 pontos percentuais acima da Selic.
“A demanda aumentou primeiro em empresas de alto nível [de melhor rating]. Agora, a tendência é que aqueles com índices mais baixos recebam mais fluxo”, afirma Cury, da Anbima.
Segundo os gestores, porém, ainda não há espaço e demanda para emissões de empresas abaixo do alto grau de investimento, com ratings a partir de B.
“O mercado brasileiro ainda é muito conservador. Não estamos no momento de trazer novos emissores com maior risco”, diz Cury.
Podlubny, do UBS BB, concorda. “Os investidores querem garantias acessíveis. Mesmo fazendo calor, não vejo irracionalidade, gente comprando papel com um risco maior do que deveria, mas sempre tem quem fracassa, sempre teremos casos complicados, que são assustadores.”
Para o investidor pessoa física, é recomendado comprar debêntures apenas se elas se enquadrarem no seu perfil de risco, pois são ativos de longo prazo e cujos emissores podem entrar em default.
Para reduzir o risco, os especialistas recomendam a alocação de recursos em fundos de investimento que tenham esses ativos em carteira, a fim de diversificar a exposição e ter maior liquidez.
*Informações da Folhapress
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