O relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre a autonomia financeira do Banco Central incluiu um polêmico dispositivo que protege os cartórios de futuras inovações da autoridade monetária, como a implementação de uma moeda digital, já em fase de testes. O parecer foi lido nesta quarta-feira (3) pelo relator, senador Plínio Valério (PSDB-AM), mas a discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado foi adiada após pedido de vista coletivo. Ainda não há data para votação.
O dispositivo, conhecido como “jabuti” – quando é acrescentado um item a um projeto que não tem relação com o tema original – foi proposto pelos senadores Weverton Rocha (PDT-MA) e Carlos Portinho (PL-RJ), líder do PL , com redação idêntica. Na justificativa, os senadores argumentam que conceder ao Banco Central “poderes de regulação, fiscalização e resolução sobre serviços notariais poderia comprometer a independência e a imparcialidade desses órgãos”.
Entre outras medidas, o real digital, batizado de Drex pelo Banco Central, promete facilitar operações como compra e venda de imóveis e veículos por meio de contratos inteligentes, dispensando a necessidade de ida ao cartório. O cartório continuaria atuando como intermediário de processos como a transferência de um imóvel para confirmação da titularidade do bem, mas todos os desenvolvimentos ocorreriam de forma digital, segundo a autoridade monetária.
O texto da alteração estabelece que a autonomia conferida ao Banco Central “não abrange, restringe, altera ou acumula os serviços próprios da competência dos notários e conservadores atribuídos por lei e exercidos nos termos do artigo 236.º e demais normas especiais, que são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”.
Assessores e técnicos do Banco Central visitaram gabinetes no Senado para pedir apoio à PEC, defendida pelo presidente da instituição, Roberto Campos Neto. A ofensiva ocorre em meio à resistência do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de uma ala de servidores. Após a emenda constitucional, o Banco Central passaria de agência especial a empresa pública de natureza especial. Apesar de ter autonomia garantida por lei desde 2021, a autoridade monetária não tem poder sobre o seu próprio orçamento.
Nota técnica feita pela liderança do governo no Senado afirma que a PEC é inconstitucional, ambígua, gera insegurança jurídica aos servidores e questiona a fiscalização das instituições financeiras. Entre outros pontos, o parecer diz que a PEC gera “incerteza quanto ao regime jurídico” ao criar uma empresa pública com funções incompatíveis com a exploração da actividade económica, como a emissão de moeda e a gestão de reservas internacionais.
Governantes avaliam reservadamente que Campos Neto tenta deixar uma marca em sua gestão com a aprovação da PEC. A proximidade do presidente do Banco Central com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), também tem incomodado a base de Lula. Inicialmente, o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), propôs que a discussão fosse adiada por tempo indeterminado – o que, na visão do relator, “mataria” a PEC. Com o pedido coletivo de vista, a discussão pode ser retomada na próxima semana.
Atritos entre Lula e Campos Neto também foram mencionados durante a sessão. Como mostrou a coluna de Mônica Bergamo, o presidente da República foi orientado a moderar suas falas para não provocar alta do dólar, que superou os R$ 5,70 nesta terça-feira (2). “O voto é a favor, dizendo que quero ser livre. Por isso li, porque essa discussão, que deveria ser uma discussão de Estado, está virando um picuinha entre o presidente do Banco Central e o presidente Lula, que pode’ Não me canso de prejudicar o país”, disse Valério.
“Se for uma questão de Estado, é uma questão para toda a vida. Não é uma questão de governo que estamos discutindo; é uma questão de Estado”, rebateu o senador petista Rogério Carvalho (PT-SE), a favor do adiamento da votação.
A ala funcionalista do Banco Central favorável à PEC realizou um evento em frente à sede da instituição, em Brasília, nesta quarta-feira. Segundo a Associação Nacional dos Analistas do Banco Central do Brasil (ANBCB), cerca de 200 funcionários participaram da mobilização. Na nova versão do parecer, o relator inseriu um parágrafo para afirmar que aposentados e pensionistas terão paridade salarial, garantindo os mesmos reajustes dados aos empregados ativos. A emenda foi apresentada pelo senador Lucas Barreto (PSD-AP).
*Com informações da Folhapress
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