Na feira do Largo do Machado, zona sul do Rio de Janeiro, o pagamento eletrônico não é unanimidade. Com medo das tarifas das máquinas de cartão ou de não ter tempo de pegar o celular e abrir o aplicativo Pix, há consumidores que ainda preferem pagar as compras com cédulas e moedas, apesar do avanço dos meios de pagamento eletrônico.
“Já usei muito [cartão de] débito e Pix, mas hoje terei que sacar dinheiro no banco. A mulher colocou um real em cima dos limões que comprei porque o preço aumentou R$ 1 por causa da taxa do cartão”, diz a servidora Renata Moreira, 47 anos. “Há lugares estratégicos para onde vou com dinheiro, observa ela. Às vezes o Pix dá trabalho para ele porque ele tem que tirar o celular da bolsa [em lugares de risco] e é preciso ter acesso à internet”, completa.
Segundo o Banco Central (BC), a circulação do papel-moeda persiste há 30 anos desde a criação do real. Na última sexta-feira (28), segundo as estatísticas mais atualizadas da autoridade monetária, havia R$ 347,331 bilhões em cédulas e moedas em circulação na economia, o equivalente a 3,13% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país).
A proporção está diminuindo após a pandemia de covid-19. Em informações exclusivas repassadas Agência Brasilo Departamento de Meios Circulantes do Banco Central informa que a percentagem de papel-moeda em circulação aumentou de cerca de 2% em meados da década de 1990 para um valor ligeiramente inferior a 4% em 2007. A proporção manteve-se em torno deste nível até 2019, disparando para 5% de PIB em 2020, com a criação do auxílio emergencial durante a pandemia.
Segundo o BC, após a pandemia de covid-19, o valor das cédulas e moedas em circulação se manteve estável em torno de R$ 345 bilhões, com a proporção em relação ao PIB caindo. “Apesar do surgimento de novos meios de pagamento, como o Pix, levará algum tempo para apresentar impactos nos hábitos de utilização dos meios de pagamento anteriormente existentes, para que a evolução desses impactos possa ser claramente mapeada”, informou o Departamento de Mídia Circulante em nota.
Comparação
Em maio, o Pix movimentou R$ 2,137 trilhões, o equivalente a 19,26% do PIB. O montante e a percentagem, no entanto, não podem ser diretamente comparados com os 3,13% do PIB em notas e moedas. Isso porque o Banco Central mede o valor de todas as transações eletrônicas, enquanto o dinheiro físico é calculado com base em estoques fora dos bancos, sem considerar movimentações.
Segundo o BC, o sistema de transferências instantâneas, que funciona 24 horas por dia, tem favorecido a inclusão financeira da população. Segundo dados da Diretoria de Gestão e Operações do Pix, ao considerar as transações até dezembro de 2022, mais de 71,5 milhões de pessoas que não faziam transferências eletrônicas antes do Pix passaram a realizar esse tipo de operação.
Em relação às faixas de renda, o sistema é utilizado por pessoas de todas as camadas financeiras. Segundo a edição mais recente do Relatório de Gestão Pix, 71% das pessoas com salário mínimo possuem pelo menos uma chave Pix, 85% entre um e dois salários mínimos, 86% das pessoas com dois a cinco salários mínimos, 90% entre cinco e dez salários mínimos e 89% a partir de dez salários mínimos.
Idade
O principal fator de resistência ao Pix e preferência pelo papel-moeda e cartões plásticos, porém, é a idade. Segundo o mesmo relatório, 93% das pessoas entre 20 e 29 anos possuem uma chave. A proporção permanece em níveis semelhantes nas demais faixas etárias: 91% de 30 a 39 anos e 92% de 40 a 49 anos. Nos grupos seguintes, o percentual cai: 79% de 50 a 59 anos e apenas 55% no grupo acima de 60 anos.
Frequentadora da feira do Largo do Machado, a aposentada Marina de Souza, de 80 anos, encarna reticências com o Pix, preferindo cartões e dinheiro físico. “Não pago com Pix. Eu não gosto. Pago mais com cartão de débito, menos na feira, onde só uso dinheiro porque eles anotam alguma coisa, a gente se distrai e eles cobram outra coisa. Então sempre tenho um dinheirinho sacado, que fica reservado para a feira. Outras compras só podem ser feitas com cartão”, explica.
“Ainda estou na fase de dinheiro e cartão. Ainda não sou muito fã de Pix. Eu tenho [uma chave]mas não aderi muito. Sempre tenho dinheiro para pagar as contas”, diz a dona de casa Hilda Pereira, 65 anos, também consumidora do mercado do Largo do Machado.
Segundo o BC, parte da decisão de criar as modalidades saque Pix e troco Pix, onde o consumidor transfere um valor via Pix para uma loja e retira a diferença em dinheiro, se deve à predileção da população pelo papel-moeda. . Segundo a autoridade monetária, a preferência é maior nos municípios do interior com pouca cobertura bancária.
“A possibilidade de sacar dinheiro pelo Pix teve como objetivo proporcionar melhores condições de oferta do serviço à sociedade, principalmente em regiões onde a cobertura da rede bancária é insuficiente. Parte da população brasileira ainda tem o hábito de usar dinheiro vivo e carece de rede adequada”, explicou o Banco Central em nota ao Agência Brasil.
Dívida
Professora de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), Virene Matesco diz que a preferência pelo papel-moeda é desigual dependendo da região do país. “Temos um país extremamente heterogêneo. Quero saber se alguém nesta parte do país fala em Pix. Porque muita gente não tem celular moderno”, observa. Segundo ela, o maior avanço nas transferências eletrônicas como o Pix, e futuramente o Drex (versão digital do real), é a redução dos custos de transação e o aumento da velocidade de circulação da moeda.
Virene admite, no entanto, que o avanço dos sistemas de pagamento eletrónico tem um risco associado: o aumento da tendência para o endividamento dos cidadãos. “A velocidade de circulação aumenta violentamente, assim como a capacidade do correntista de entrar no vermelho. O problema piora com as apostas virtuais em jogos on-line. A tecnologia beneficia muitas pessoas, mas também traz perigos”, alerta.
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