Mais de metade dos professores (54% do total) testemunharam casos de racismo envolvendo os seus alunos nas salas de aula. É o que mostram pesquisas inéditas do Observatório da Fundação Itaú, em parceria com a Equidade.Info, realizadas com estabelecimentos de ensino públicos e privados do Brasil.
Segundo a pesquisa, esse percentual aumenta entre os professores do ensino fundamental II (do 6º ao 9º ano), chegando a 67%. Entre os professores do ensino fundamental (entre 1º e 5º ano) o índice é de 48%. Entre os professores do ensino médio, o percentual é de 47%.
“Os professores percebem que há situações de racismo entre os alunos. Mas esta percepção muda entre professores brancos e negros. Entre os professores negros, corresponde a 56%, enquanto entre os professores brancos é de 48%. Essa percepção também muda entre os estudantes. Nesse caso, perguntamos se eles se sentem respeitados pelos cabelos cacheados, pelo penteado ou pela cor da pele. E vimos que 13% dos estudantes negros discordam, mas entre os estudantes brancos o índice é de 8%”, disse Esmeralda Macana, coordenadora do Observatório Fundação Itaú.
A pesquisa foi realizada sob duas perspectivas. Um deles analisou o clima escolar e foi realizado em 144 escolas, ouvindo 2.706 alunos, 384 professores e 235 gestores entre março e abril deste ano. A outra parte do estudo analisou o combate ao racismo, com dados coletados entre abril e maio de 2024 em 160 escolas, 2.889 alunos, 373 professores e 222 gestores. “Buscamos entender como os alunos se sentem no cotidiano escolar e como isso se caracteriza na percepção deles, dos professores e dos gestores escolares”, explicou Esmeralda.
Clima escolar
Na pesquisa sobre clima escolar, o estudo mostrou que o sentimento de acolhimento dos alunos nas escolas diminui à medida que as etapas de ensino avançam. Nos anos iniciais do ensino primário (entre o 1.º e o 5.º anos), por exemplo, a taxa de acolhimento chega a 86%. Nas fases finais do ensino fundamental (entre o 6º e o 9º ano) esse sentimento cai para 77%. Ao analisar estudantes do ensino médio, o percentual passa a ser de 72%.
“O sentimento de acolhimento entre os alunos diminui à medida que as etapas de ensino avançam. Por exemplo, no caso dos anos iniciais, essa percepção é de 86%”, disse Esmeralda, em entrevista ao Agência Brasil.
“Isto tem a ver com diversas questões e desafios da própria educação numa fase de transição. São crianças que passarão pela fase da adolescência, na qual poderá haver uma mudança de escola e também uma mudança na forma como ocorre o processo de aprendizagem, com a transição para múltiplos professores. Então, os alunos acabam enfrentando mais desafios nessa parte do acolhimento por serem alunos que podem estar em escolas novas, com professores especializados, com disciplinas diferentes e mudanças de colegas, além de mudanças no próprio desenvolvimento físico e que são naturais na adolescência”, completou.
A pesquisa revelou ainda que esse sentimento de acolhimento é maior entre pessoas brancas. Cerca de 84% dos estudantes brancos afirmam se sentir acolhidos, enquanto esse índice cai para 78% entre os estudantes negros.
Há também uma diferença de percepção sobre o acolhimento entre alunos, professores e gestores. Entre os professores, 92% afirmaram que os alunos se sentem acolhidos na escola, uma diferença de 11 pontos em relação à mesma pergunta feita aos alunos (81%). Entre os gestores, o percentual sobe para 93%.
Enfrentando o racismo
A segunda seção, sobre o enfrentamento ao racismo, indicou que sete em cada dez estudantes (70%) concordam que os estudantes negros são respeitados nas escolas em relação ao seu fenótipo. Essa percepção, porém, é diferente entre estudantes brancos e negros: entre os primeiros, 8% discordam do anunciado, enquanto para os estudantes negros o percentual é de 13%.
Outros dados apresentados pelo estudo mostram que 21% dos professores brancos disseram não saber o que fazer para lidar com o racismo dentro da escola. Entre os professores negros, o índice cai para 9%.
Em média, 75% dos professores afirmaram que a sua escola tem procedimentos para lidar com casos de racismo. “Os professores precisam ser treinados para identificar essas situações [de racismo]”, disse o coordenador.
Porém, destacou Esmeralda, o enfrentamento do racismo não é tarefa apenas dos professores. Para ela, somente ações estruturais que envolvam toda a rede de ensino, reunindo comunidade, funcionários e familiares dos alunos, poderão superar o problema. “Quando as crianças se sentirem mais valorizadas pela sua identidade, pelo seu território e pela sua cultura, sentir-se-ão mais acolhidas”, argumentou.
“As escolas precisam promover um clima escolar positivo. E isso acontece de diversas maneiras, inclusive a arte e a cultura podem ajudar nessa promoção. Um currículo escolar mais enriquecido com arte e cultura também é necessário para combater o racismo. Existe a lei 10.639, que existe há 20 anos, e que impõe a obrigatoriedade do ensino das relações étnico-raciais e do ensino da história afro-brasileira, que precisa ser implementada. Isso implica ter materiais pedagógicos adequados que contenham referências às representações negras”, acrescentou.
Segundo ela, todas essas ações são importantes não só para o combate ao racismo, mas também para promover um clima positivo, prevenindo a violência e o bullying.
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