Recriado no início de julho deste ano, através de um ordem presidencialA Comissão Especial de Mortes e Desaparecidos Políticos retomou oficialmente seus trabalhos nesta sexta-feira (30), com cerimônia solene que emocionou familiares das vítimas da violência das forças de repressão do Estado durante o regime militar (1964-1985).
No evento, a presidente do colegiado, Eugênia Augusto Gonzaga, e o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, entregaram ao representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) um requerimento oficial para a instituição responsável, entre outros coisas, recomendar medidas que melhorem o funcionamento do sistema judiciário, aprovar resolução determinando a correção de certidões de óbito de mortos e desaparecidos políticos.
A retificação dos registros emitidos às famílias ao longo dos anos é uma das 29 recomendações que a Comissão Nacional da Verdade (CNV) incluiu no relatório que apresentou em 2014. O documento é resultado de um trabalho de dois anos e sete meses, durante o qual o Os membros da CNV recolheram depoimentos e analisaram documentos com o objetivo de “esclarecer as graves violações dos direitos humanos” ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988 e “fazer valer o direito à memória e à verdade histórica”, promovendo a reconciliação nacional.
Junto com o pedido ao CNJ, o presidente da comissão especial e o ministro entregaram cópia de modelo de certidão em que o Estado reconhece a morte violenta e antinatural causada pela perseguição política por parte das forças repressivas do Estado. A proposta, segundo Silvio Almeida, é que o CNJ ordene que cartórios de todo o país corrijam as certidões de óbito indicadas pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania ou pela Comissão Especial de Mortes e Desaparecidos Políticos.
“Essa parceria com o CNJ é muito importante para que possamos cumprir integralmente a recomendação da CNV, retificando todas as cadeiras [certidões] de mortes já reconhecidas”, disse o presidente da comissão especial para Agência Brasil. Segundo ela, em 407 dos 434 casos de mortes e desaparecimentos que a CNV confirmou em 2014, os termos registrados nos documentos não refletem a real causa das mortes. É o caso, por exemplo, do documento entregue à família de Dinaelza Soares Santana Coqueiro, Maria Dina.
“Até hoje não sabemos como nossos parentes morreram e onde foram enterrados. Na certidão de óbito da minha irmã, por exemplo, os espaços destinados a informar a causa da morte e o local onde ela está sepultada contêm apenas referência à Lei 9.140 [que, em 1995, reconheceu como mortas os desaparecidos políticos entre setembro de 1961 e agosto de 1979]”, acrescentou Diva Soares Santana, cuja irmã, Dinaelza, e o cunhado, Vandick Reidner Pereira Coqueiro, foram mortos por soldados durante a repressão à Guerrilha do Araguaia, no Pará.
Dina e o marido eram universitários na Bahia, tinham pouco mais de 20 anos, atuavam no movimento estudantil e, ao se tornarem alvos de perseguição política em 1974, passaram a trabalhar na clandestinidade.
“Eles tiveram que abandonar suas famílias, seus estudos e fugir. Ela se despediu de sua família com uma carta, pedindo para não nos preocuparmos e não procurá-los. Somente em 1979, após a Lei da Anistia, soubemos, por meio de entrevista ao [ex-deputado federal] José Genoíno que Dinaelza e Vandick estavam entre os estudantes presos no Araguaia, resistindo à ditadura militar”, explicou Diva, acrescentando que sua mãe viveu mais 37 anos, até 2016, convencida de que a filha voltaria.
“Durante todo esse tempo, minha mãe morou no mesmo endereço porque acreditava que a filha voltaria; que a qualquer momento minha irmã batia na porta. Mas Dinaelza foi morta pela violência do Estado brasileiro. E ter isso reconhecido em documento oficial é importante, inclusive para o país. Demonstrar que houve e há brasileiros dispostos a lutar e dar a vida pela liberdade e pela democracia”, finalizou Diva sobre a importância da revisão das certidões de óbito.
Empolgado, o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, celebrou o acordo para retificação de certidões de óbito e reinstalação da Comissão Especial de Mortes e Desaparecidos Políticos, cujos trabalhos foram interrompidos em 30 de dezembro de 2022, às vésperas da inauguração do atual gestão federal. Segundo o ministro, a correção dos registros civis era uma medida aguardada, sobre a qual teve a oportunidade de conversar previamente com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso.
“Comissão Especial é retomada com apoio do Presidente da República [Luiz Inácio Lula da Silva] e é o resultado de uma concertação [acordo] entre os poderes da República. Esperamos colocar a comissão em uma nova fase, na qual ela possa ampliar seu trabalho. E decidimos cumprir integralmente a recomendação da CNV […] É preciso reconhecer a condição das pessoas estarem politicamente desaparecidas”, comentou o ministro.
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