Educação para o futuro. Um projeto inovador da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) começa a colher os primeiros frutos. Na semana passada, um encontro em Brasília comemorou a formatura da primeira turma da Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas. A iniciativa do Coletivo Nacional de Educação da CONAQ envolve a participação de 39 meninas e 11 meninos com idades entre 15 e 18 anos.
Com apoio de Fundo Malalaa escola tem como objetivo formar jovens quilombolas, preferencialmente meninas, em temáticas diferentes de uma escola regular, com foco na busca de propostas para os problemas enfrentados pela comunidade, no combate às desigualdades na educação e na formação de lideranças.
Incentivada por uma professora, Juliany Carla da Silva, 16 anos, decidiu participar de um processo seletivo e conquistou uma vaga na Escola Nacional de Formação de Meninas Quilombolas. Agora, a jovem da comunidade de Trigueiros, em Vicência (PE), faz parte da primeira turma de formandos da escola.
“Sempre fui muito incentivado pela minha família, amigos e pela CONAQ. Romero, que foi um dos professores da CONAQ, foi um dos que mais me apoiou, que sempre incentivou meus sonhos, sempre dizia: ‘Vá atrás e você consegue, é só estudar, estudar, estudar, estudar e você vai conseguir’. E é isso que estou fazendo, estou estudando e acredito que um dia chego lá”, diz o aluno ao Agência Brasil.
Atualmente, as aulas da escola são ministradas em formato virtual para alunos de diversas regiões do Brasil. Os alunos continuam a frequentar as aulas regulares.
Após três anos no projeto, Glaydson Ítalo de Jesus, 16 anos, da comunidade Itamatatiua, em Alcântara (MA), ingressa na turma de formandos. Faz curso técnico no Instituto Federal do Maranhão, em São Luís. Mas pretende ir além, estudar Direito na universidade federal e fazer intercâmbio nos Estados Unidos ou no Canadá.
“Os quilombolas hoje em dia não têm muito direito à propriedade da terra. Na minha comunidade ainda não temos o título da terra e eles lutam por isso. Então, a CONAQ e esse movimento me ajudaram muito a escolher a profissão que quero seguir no futuro”, afirma.
Desde 2022, ativistas e professores vêm construindo uma metodologia própria de trabalho em parceria com jovens quilombolas, observando a realidade e as necessidades da comunidade. Quarenta professores quilombolas realizaram cursos de qualificação no CONAQ.
Realidade das comunidades
Durante o curso, os jovens debatem e buscam soluções para os problemas enfrentados por suas comunidades. Um dos mais relatados pelos estudantes é a longa distância enfrentada diariamente para chegar às escolas regulares, que ficam distantes dos territórios.
“Muitas crianças saem da nossa comunidade atravessando o rio para ir à escola. E não há ônibus nem nada. Temos um barco escolar, mas está quebrado e as crianças faltam muito às aulas. Queria que houvesse uma escola dentro da nossa comunidade”, diz Lawanda Barros, 17 anos, moradora da Ilha de São Vicente, em Araguatins (TO).
Ana Paula Sousa, 18 anos, do Quilombo Mourões, em Colônia do Piauí (PI), conta como descobriu os direitos quilombolas ao frequentar o curso.
“Na minha comunidade, no começo, a gente não sabia muito dessa questão do quilombola, da autodeclaração. Depois, em pouco tempo a gente se viu, se conheceu, a gente se declarou quilombola. fazer parte desse projeto, porque vi que era algo muito interessante”, conta.
Pensamento crítico
Com o apoio de educadores, a escola visa estimular o pensamento crítico dos alunos em relação às questões sociais.
“Nosso foco está muito na área do direito. Existe transporte que não funciona? O que podemos fazer para que isso funcione? A quem devemos denunciar? Como devemos nos posicionar? Esse é o papel fundamental da escola, indo além do conteúdo formal. Levantar a voz das meninas quilombolas”, explica Givânia Silva, uma das fundadoras do projeto.
De terça (20) a sexta (22), estudantes e participantes da iniciativa se reuniram na capital federal para um encontro nacional.
A promotora Karoline Maia – a primeira quilombola a chegar a esse cargo – foi uma das presentes. Ao destacar a importância da iniciativa que permite que meninas quilombolas estudem sem precisar sair de seu território, ela disse que viveu um processo de perda cultural ao sair do Quilombo Jutaí, localizado no município de Monção (MA), para estudar na cidade. “É um processo de desterritorialização. Tenho conhecimentos ancestrais, mas não são tão vívidos como seriam se eu tivesse crescido na comunidade.”
O evento contou ainda com a participação da Ministra da Mulher, Cida Gonçalves, que reforçou o trabalho da escola no combate ao racismo e à desigualdade.
“Não dá para discutir esses dois elementos se não se discute o racismo no Brasil. Não há como discutir desigualdade se não mencionar efetivamente quem são as mulheres que estão em processo de exclusão em nosso país. Por isso falo sobre a importância da escola. A escola não é apenas um espaço para você ser educado, como uma escola formal educa. É um espaço onde se formam lideranças que criam raízes no seu território, raízes de resistência para permanecer no território (quilombola)”.
*Estagiário sob supervisão de Marcelo Brandão
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