Criado para garantir os direitos e a proteção dos menores de 18 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa hoje (13) 34 anos. O marco legislativo de 13 de julho de 1990 permitiu avanços importantes nas áreas de educação e saúde infantil, além da criação de órgãos como Conselhos Tutelares e Juizados da Infância e da Juventude.
Hoje, estão surgindo novos desafios que na década de 1990 eram insignificantes ou inexistentes. A proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital é uma delas. Especialistas e autoridades no assunto alertam para a necessidade de ampliar as formas de educação, conscientização e fiscalização no uso das novas tecnologias.
“Sem alfabetização digital, sem supervisão, à mercê da dinâmica do mercado e como substituto de condições saudáveis de desenvolvimento, o uso inadequado da Internet pode tornar-se um meio de doenças físicas e mentais significativas. É reconhecendo esse cenário múltiplo que falar de infância e juventude hoje envolve necessariamente um debate sobre o uso consciente de telas e dispositivos, e sobre a violência no ambiente digital, que reorganiza responsabilidades entre governo, sociedade, empresas e famílias”, disse o presidente da secretária dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Marina de Pol Poniwas, em seminário realizado pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), em Brasília, na última quinta-feira.
Renata Escudero, advogada, mestre em direitos humanos e coordenadora do escritório da Human Rights Watch no Brasil, destaca os perigos do uso inadequado de dados digitais de crianças e adolescentes. Uma delas é alimentar ferramentas de inteligência artificial (IA) que podem, entre outros problemas, gerar imagens e vídeos sexuais falsos.
“Deveríamos olhar melhor para a proteção de dados. Essas tecnologias [como as de IA] avançam a uma velocidade que a legislação muitas vezes não consegue acompanhar. Isto é o que estamos vivenciando agora. Baseiam-se em violações de dados, ao não respeitarem a privacidade de crianças e adolescentes. Deveríamos proibir a produção de réplicas digitais não consensuais ou a manipulação de imagens de crianças. Quanto mais explícitos e protetores formos em relação aos dados dos adolescentes na legislação, mais seguros nossos filhos estarão online”, disse Renata Escudero durante o evento.
O advogado Marcos Ehrhardt Júnior, vice-presidente da Comissão Nacional de Família e Tecnologia do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), concorda que há um descompasso entre a regulamentação e o uso de plataformas digitais.
“A velocidade dos avanços tecnológicos e a difusão do ambiente digital é um desafio em todo o mundo, especialmente para o Poder Legislativo. Neste momento, o Judiciário está se valendo dos princípios gerais e da interpretação dos operadores jurídicos para fazer frente à crescente demanda por intervenção para proteção dos direitos fundamentais no ambiente digital”, disse o advogado ao site do IBDFAM. “Entender como funcionam as plataformas, conhecer os principais aspectos de seus termos de uso e buscar informações sobre o marco regulatório de proteção de dados pessoais, inaugurado com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados, seria um ótimo começo”.
Resolução Conanda
No início de abril deste ano, o Conanda publicou um conjunto de normas sobre os direitos de crianças e adolescentes no ambiente digital, a Resolução 245/2024. Trata do combate à exclusão digital, mas também contém disposições sobre proteção.
Seu texto estabelece que todos os menores de 18 anos devem ter direito ao acesso “às tecnologias de informação e comunicação, como redes, conteúdos, serviços e aplicações digitais disponíveis no ambiente virtual; dispositivos e ambientes conectados; realidade virtual e aumentada; inteligência artificial (IA); robótica; sistemas automatizados, biometria, sistemas algorítmicos e análise de dados.”
A resolução diz ainda que o Poder Público e a sociedade têm o dever de garantir a liberdade de expressão e os direitos de buscar, receber e divulgar informações “seguras, confiáveis e completas”. “É garantida a proteção contra todas as formas de negligência, discriminação, violência, crueldade, opressão e exploração, incluindo a exploração comercial.”
O texto considera que “as violações de direitos relacionados a riscos de conteúdo, contrato, contato e conduta incluem, entre outros, conteúdos violentos e sexuais, cibernético agressão ou cyberbullyingdiscurso de ódio, assédio, dependência, jogos de azar, exploração e abuso – incluindo sexual e comercial, incitação ao suicídio, automutilação, publicidade ilegal ou atividades que encorajem e/ou exponham a sua vida ou integridade física a risco.”
As empresas que atuam no ambiente digital são obrigadas a encaminhar denúncias de violações de direitos à Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, por meio do Disque 100, e também às autoridades do Sistema de Garantia de Direitos, como conselhos tutelares e autoridades policiais. O não encaminhamento está sujeito às penalidades previstas no ECA.
Notícias falsas
Os ambientes digitais também têm sido propícios à divulgação de notícias falsas em relação ao ECA. Em entrevista com Programa Viva Mariaapresentado pela jornalista Mara Régia, da EBC a secretária executiva da Coalizão pela Socioeducação, Thaisi Bauer, falou sobre um dos principais temas explorados por grupos de desinformação de extrema direita: os jovens infratores e a redução da maioridade penal.
“Há propostas discutindo a possibilidade de realização de plebiscito para redução da maioridade penal. Foi noticiado na mídia na semana passada que um parlamentar discutirá isso antes das eleições. Estas são agendas de panfletos. Convocamos uma grande reunião com movimentos sociais e entidades, que lidam com a defesa de crianças e adolescentes, para tentar evitar que quaisquer retrocessos nas garantias presentes no ECA avancem”, afirma Thaisi Bauer.
Diversidade de infâncias
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) anunciou o lançamento de um novo projeto em comemoração aos 34 anos do ECA. “Diversidades da Primeira Infância”, que destaca as diferenças entre as infâncias de crianças indígenas, negras, deficientes, rurais e de rua. O objetivo é justamente reforçar a garantia dos direitos fundamentais para todas as crianças, independentemente de classe social, raça, etnia, religião ou género.
O desembargador da Presidência do CNJ, Edinaldo César Santos Junior, disse que é fundamental que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em conjunto com a sociedade civil, desenvolvam políticas públicas específicas que considerem a diversidade das infâncias. Nesse sentido, citou o Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016).
“A lei reconhece a necessidade de considerar as diferenças entre as crianças nos seus contextos sociais e culturais, combatendo as desigualdades no acesso a bens e serviços essenciais ao seu desenvolvimento integral”, disse Edinaldo no site do CNJ.
No segundo semestre de 2024, o CNJ promoverá as “Semanas das Diversidades na Primeira Infância” nas cinco regiões do Brasil, com foco específico em uma infância específica.
“A cada semana serão identificados os estados brasileiros que possuem o maior número de crianças, até seis anos, da diversidade a ser trabalhada, bem como os principais atores, locais e nacionais, que desenvolvem atividades voltadas para essa população”, disse a juíza auxiliar da Presidência do CNJ, Rebeca Mendonça Lima.
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