O contorno com a família de mãos dadas, o balão colorido com as crianças e o cata-vento. Nos muros e paredes da região administrativa de Cruzeiro (DF), a tutelar Viviane Dourado, 49 anos, decidiu traduzir ideais com tinta e pincel. Ela, que é designer e educadora social, entende que a arte pode ser uma estratégia de aproximação das famílias no combate à violência contra crianças.
Viviane relembra a infância, quando recebia castigos, com beliscões e tapas desnecessários. São também as cores do passado que a inspiraram a ser mãe solo, educadora e profissional na luta contra esse comportamento.
Quando Viviane era criança, não existia legislação como hoje. Aliás, no dia 26 entrou em vigor a Lei Menino Bernardo, também conhecida como “Lei da Palmada” (Lei 13.010/2014), completou uma década. Essa norma, somada ao Estatuto da Criança e do Adolescente, garante o direito à educação sem uso de castigos físicos ou tratamentos cruéis.
A lei recebeu esse nome para lembrar a morte do menino Bernardo Boldrini, de 11 anos, vítima de agressões e morto pela madrasta e pelo pai, em Três Passos (RS), em abril de 2014.
Dor em casa
Para a promotora Renata Rivitti, do Ministério Público de São Paulo, a lei é um marco para o Brasil, país em que ainda existe, de forma arraigada, uma percepção distorcida de que a educação precisa ser rígida. “Ainda existe uma romantização e uma crença real de que educar com violência é legítimo e seria para o bem da criança ou do adolescente.” Ela explica que a lei reafirma a ilicitude e ilegalidade do castigo físico.
A procuradora, que coordena o Núcleo de Apoio à Criança do MP, avalia que, de fato, esse problema cultural existe. “Dentro de casa há uma legitimação da violência.” Seja como forma distorcida de educar ou de corrigir. “Há um fardo histórico e cultural para o nosso país.”
De acordo com informações disponíveis no Painel Nacional de Dados do Provedor de Direitos Humanos (via Disque 100), houve, no país, neste ano até 23 de junho, 129.287 denúncias de algum ataque à integridade de crianças e adolescentes. O mesmo painel mostra que, deste total, 81.395 casos (62%) ocorreram no domicílio (onde residem a criança vítima e o suspeito).
O painel fornecido pelo Ministério dos Direitos Humanos considera que esta violência contra a integridade inclui violações físicas, negligentes e psicológicas. Aqueles que denunciam geralmente são terceiros. Porém, vale ressaltar que 8.852 crianças conseguiram pedir ajuda diante da violência que sofreram.
Distorção
A pesquisadora de direitos da criança e ciências sociais Águeda Barreto, que atua na ONG ChildFund Brasil, considera que a lei Menino Bernardo tem caráter pedagógico e preventivo. “Precisamos comemorar 10 anos da entrada em vigor dessa lei, mas ainda precisamos avançar muito, principalmente culturalmente. Vivemos numa sociedade que ainda educa as crianças através da violência”, lamenta.
A pesquisadora lembra que, em 2019, a entidade realizou uma pesquisa com crianças brasileiras e constatou que 67% delas não se consideravam suficientemente protegidas contra a violência. A pesquisa Pequenas vozes, grandes sonhos (Pequenas vozes, grandes sonhos) para o Brasil também mostrou que 90% das crianças rejeitam o castigo físico como forma de educação.
Águeda Barreto, que também escreveu uma tese de mestrado sobre o tema, identificou que o castigo físico é a forma como as crianças mais reconhecem a violência. “Muitos deles não foram tão claros sobre a violência psicológica.”
O levantamento nacional da Situação de Violência contra crianças no ambiente doméstico, realizado pelo ChildFund, concluiu no ano passado que no Brasil há uma fragilidade em relação à implementação de leis que apoiam a intolerância à violência contra crianças. A ONG argumentou que a garantia de direitos preconizada no ECA ainda chega lentamente à vida real, como a Lei Menino Bernardo).
“A implementação das ações ocorrerá a partir do momento em que o governo federal, os estados e os municípios atuarem de forma integrada no desenvolvimento de políticas que previnam e coíbam práticas nocivas e que a implementação ocorra com serviços operacionais, monitoramento e repressão aos agressores em todos os municípios do país”, argumenta o relatório da entidade.
Entre as legislações que Águeda Barreto considera avançadas estão a Lei Henrique Borelaprovado após a morte do menino no Rio de Janeiro, em 2022, e também o 14.826que define “paternidade positiva e o direito de brincar” para prevenir a violência contra as crianças.
A promotora Renata Rivitti também agrega o valor da Lei 13.431, de 2017, que garantiu maior proteção às crianças. “A legislação determina uma abordagem integrada, atenção integral, justiça, segurança pública, saúde, conselho escolar, assistência social, educação, todos trabalhando juntos para prevenir, para enfrentar essa violência.”
Águeda Barreto explica que a legislação coloca como dever do Estado, da família e da sociedade promover uma educação baseada no respeito. Para ela, são legislações que se revelaram evoluções da Lei Menino Bernardo e do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, uma das primeiras legislações globais sobre o tema.
Para sair do chão
Era novidade considerar a criança como sujeito de direitos, mas o desafio ainda é grande. “Percebemos que a educação violenta das crianças está muito naturalizada no contexto brasileiro. Existe uma cultura que vivemos no Brasil que chamamos de centrada no adulto. Muitas vezes as crianças são empurradas como se fossem propriedade de um adulto”, afirma a pesquisadora.
A promotora Renata Rivitti acredita que é necessária mais pressão da sociedade para que as leis saiam do papel e funcionem no dia a dia. “Desde 1988, temos uma legislação de primeiro mundo. Nossa obrigação como autoridade pública, como família e como sociedade é combater essa violência. o papel”.
“Nós, brasileiros, ainda não estamos suficientemente indignados e exigentes. Não há campanha, não há alerta, não há informação. Quanto menos isso se fala, menos entendemos a gravidade da situação”, afirma o procurador.
É justamente para conscientizar as famílias que exemplos como o da conselheira tutelar Viviane Dourado podem funcionar. É alguém que continua a pintar paredes, pontos de ônibus e até camisetas para falar de respeito e já foi até convidada para trabalhar em parceria com outros conselhos e entidades públicas. “As crianças querem brincar, ser felizes e vivenciar a inocência”, diz ela. Ela sabe que os avisos podem vir de uma linha, de um pedaço de tinta na parede ou de um desenho de mãos dadas que pode ser mais forte que um tapa.
qual a melhor taxa de juros para emprestimo
desbloquear inss para emprestimo
empréstimo aposentado itaú
sim empréstimo contato
refinanciamento de empréstimo pessoal
siape mg
quitar emprestimo consignado caixa
quantos anos existe o whatsapp