“Se você está com dificuldade para estudar, peça ajuda a alguém, e alguém pode te ajudar. Se você tem educação, você tem tudo.” A frase é de Ygor, 15 anos. Ele é de Aracaju e estuda na Escola Estadual Poeta Garcia Rosa, onde faz parte do Programa Sergipe na Idade Certa (Prosic).
O programa visa corrigir a distorção idade-série num estado que passou a ocupar a primeira posição nacional no percentual de alunos que estão fora da idade considerada correta para os estudos. Ygor é um desses alunos. E foi no programa que ele superou uma lacuna enorme: não sabia ler.
“Quando cheguei aqui não sabia de nada, não tinha amigos, os professores começaram a me ensinar a ler. Agora já sei ler e escrever, coisa que não conhecia bem”, diz em vídeo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)parceiro no programa.
Garantir que os alunos sigam o fluxo escolar, não reprovem e aprendam o que é esperado para cada etapa do ensino é uma das formas de garantir que todos concluam os estudos, que, como afirmou Yago, são tão necessários para a integração na sociedade.
No Brasil, a escolaridade é obrigatória dos 4 aos 17 anos. Os anos finais do ensino fundamental, etapa que vai do 6º ao 9º ano, são considerados cruciais. E é idealmente estudado entre 11 e 14 anos. Estudos mostram que é uma fase em que os estudantes enfrentam grandes mudanças em suas vidas, ao entrarem na adolescência. Eles também geralmente mudam para escolas maiores e lidam com aprendizagens mais complexas. Este é um período considerado crucial para as pessoas concluírem os estudos, até o final do ensino médio.
O abandono dos estudos e a evasão escolar dificultam inclusive a inserção no mercado de trabalho. No Brasil, em 2023, entre os jovens de 15 a 29 anos, cerca de 10 milhões, o equivalente a 22%, não estudavam nem trabalhavam. Cerca de 4 milhões de jovens não estudaram, não trabalharam e não concluíram o ensino básico – etapa que vai da educação infantil ao ensino médio. Os dados foram compilados por Plataforma QEdu Juventude e Trabalhocom base em pesquisas oficiais.
Treinamento intensivo
Em Sergipe, o Prosic agiliza os estudos, para que os alunos não fiquem tanto para trás. No fluxo regular, seriam necessários 4 anos para concluir os anos finais do ensino fundamental. Através do Prosic isso é feito de forma intensiva, durante 2 anos. Yago agora está na chamada corrente 4, estudando juntos o 8º e o 9º ano.
“Nosso estado tinha um dos maiores números de crianças da idade errada na sala de aula. Esse número geral foi de 39,4%. E para vocês terem uma ideia, o ano mais crítico, que é o 6, tivemos 48,8% de distorção, e isso disparou um alerta”, explica o professor Everton Pessan, que atua com formação de língua portuguesa para professores que irão atuar no Prosic.
“O programa foi criado para tentar mudar esses indicadores. Desde 2019, passaram por nós cerca de 42 mil alunos, e nossa distorção geral caiu de 39,4% para 22,5%”, disse o professor.
A grande vantagem do Prosic para os estudantes, explica Pessan, é terminar os estudos em menos tempo. “Termina mais cedo, certo? Ele avança nos estudos e em tudo o que deseja fazer no futuro. O incentivo é justamente para avançar nos estudos”, destaca.
As aulas são intensivas e não são como o ensino regular. Os alunos recebem atenção especial, segundo a professora de língua portuguesa Elaysa Lima, da Escola Estadual Poeta Garcia Rosa. “O aluno já se sente excluído daquele grupo, já tem aquele medo de participar das atividades. Muitos sentem que não podem, que são incapazes. E então, essas aulas são importantes. Trabalhamos também a autoestima desses alunos, para que eles saibam que podem, que são capazes. O professor, em uma aula regular, não consegue prestar atenção a todos os alunos que estão em um nível de aprendizagem diferente. A turma do Prosic também tem a vantagem de ter um número menor de alunos, o que também facilita”, explica Elaysa.
A professora Pessan destaca que esse cuidado com a autoestima é muito trabalhado na formação docente. “Uma coisa que digo aos professores é que nem todo mundo que está reprovando ou já reprovou necessariamente tem problemas de aprendizagem. Eu era um menino muito tranquilo na hora dos estudos, mas foi o ano em que meus pais se separaram, mudamos de cidade e acabei sendo reprovado. Então houve um caos na minha cabeça. Sabemos que dentro da bolha social onde [estudantes] viver, na verdade muitas coisas acontecem. Então, o que a gente fala para esses professores é não olhar com nojo para esse menino, como se ele fosse fracassar. Se não for a escola, quem abrirá as portas para ele? Temos que pensar desta forma.”
Escola para adolescentes
Em julho deste ano, o governo federal lançou o Programa de Fortalecimento dos Anos Finais do Ensino Fundamental – Programa Escola das Adolescências, que tem como objetivo construir uma proposta de estágio que se conecte com as diferentes formas de vivenciar a adolescência no Brasil, promover um espaço acolhedor e impulsionar a qualidade social da educação, melhorando o acesso, o progresso e o desenvolvimento integral dos alunos.
O programa reúne esforços da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios e oferece apoio técnico-pedagógico e financeiro, produção e divulgação de guias temáticos sobre os anos finais e incentivos financeiros para escolas priorizadas de acordo com critérios socioeconômicos e étnico-raciais. critérios.
Em setembro, foi realizado o Seminário Internacional Construindo uma Escola para Adolescentes para discutir como o Brasil e outros países estão lidando para garantir uma educação de qualidade e quais as principais estratégias para combater o fracasso e a evasão escolar. O Prosic esteve entre as iniciativas apresentadas.
Audição
Outra ação realizada no âmbito do programa foi a Semana da Escuta Adolescente nas Escolas, realizada em maio, quando os alunos responderam questionários sobre o que pensam da escola, das turmas, dos funcionários e dos colegas. No total, participaram 2,2 milhões de estudantes de 20 mil escolas. Uma das escolas participantes foi, no Rio de Janeiro, a Escola Municipal Nilo Peçanha.
A escola tem um diferencial. Foi transformado em um dos Ginásios Experimentais Tecnológicos (GET) da prefeitura. É um modelo de ensino que utiliza a tecnologia para estimular a participação dos alunos e o desenvolvimento de competências em diversas áreas. A intenção é justamente tornar a escola um ambiente mais atrativo e mais conectado à vida dos alunos.
Professor coordenador do projeto GET, Antonio Miranda, explica que tanto a escola quanto os alunos ainda estão se adaptando, mas que os resultados têm sido bons. Um deles é justamente a maior proximidade e escuta constante dos alunos. “Tudo é chato para eles, chato como dizem”, brinca. Então, uma das estratégias é permitir-lhes maior protagonismo ou, como o professor prefere chamar, autoria.
“Um exemplo. Agora temos nossa feira de ciências em outubro. Uma turma do 7º ano trabalhará com fungos. Um aluno me trouxe um assunto que eu desconhecia completamente, que são fungos que se alimentam de radiação. Foi uma pesquisa que ele fez em laboratório. Ele foi associando ideias e pesquisando por conta própria”, explicou, acrescentando que é esse tipo de aprendizagem que o modelo de ensino tenta estimular.
Para Marcelle Muniz, de 13 anos, aluna do 8º ano, esse é justamente um dos diferenciais da Escola Municipal Nilo Peçanha em relação à escola antiga.
“Às vezes, o importante é você aprender. Então, às vezes, o professor tem que se adaptar a esse aluno, que tem mais dificuldade. E como você vai saber a dificuldade que o aluno tem se não conversar? Por isso é importante ter essa troca. Na minha antiga escola professores e alunos não tinham muito esse intercâmbio, a maioria dos alunos tinha medo. Até quando cheguei aqui nessa escola fiquei com muito medo”, disse a estudante Marcelle.
Aos poucos ela perdeu o medo. “Antes mesmo dessa Escuta Adolescente, percebi que os professores falam mesmo, há uma troca boa, e isso me deixou muito mais confortável até de perguntar, porque acho importante no aprendizado perguntar, e aí sim, você aprende. ”
Os colegas de Marcelle concordam. “Acho importante ter esse acolhimento dos alunos, porque quando eles não se sentem ouvidos ou não têm direito de interagir com o professor, isso pode acabar desmotivando o aluno de estudar”, disse o aluno do 9º ano, Isaac Filipe, 15 anos velho.
“Ouvir é importante porque podemos conversar com os professores, com a direção, para dizer o que estamos sentindo em relação à escola”, disse o aluno do 8º ano, Pedro Araújo, 13 anos. “Tem gente que aprende de uma maneira. Há pessoas que aprendem com os outros. É bom ouvir por isso”, acrescenta a aluna do 9º ano, Jéssica Maysa Sousa, de 15 anos.
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