Mafalda chega aos 60 anos inspirando artistas e ativistas

O personagem mais rebelde dos quadrinhos latino-americanos completa 60 anos e continua provocador. Mafalda, do cartunista argentino Quino, tornou-se inspiração para as novas gerações em seu país e no mundo. É como se a “criatura” tivesse ganhado vida própria, para além do seu “criador”, que faleceu em 2020.

As frases ácidas e a veia crítica de Mafalda estimulam debates em salas de aula, escolas de artes e quadrinhos. É também uma “presença” recorrente em camisetas e bandeiras de protestos políticos, principalmente quando o assunto é a própria Argentina.

Desde que Javier Milei tomou posse como presidente, o país tem vivido uma onda de protestos, aumento da pobreza e restrições à liberdade de expressão. O sistema de comunicação pública foi completamente interrompido.

“Acredito que Mafalda deva retornar com força total, pois, em tempos de Javier Milei como presidente, uma voz crítica e contundente como a do personagem criado por Quino é mais que necessária”, acredita o cartunista brasileiro Carlos Lattuf.

A artista argentina Jorgela Argañaras lembra de ter passado a infância na Patagônia argentina lendo Mafalda, rindo e repetindo suas piadas. O inconformismo da personagem com o mundo adulto ajudou Jorgela a não se sentir tão sozinha na pré-adolescência.

“Foi muito bom vê-la no corpo de uma menina rebelde e confrontar com muito humor a atitude machista de Susanita, a ingenuidade de Felipe, a falta de jeito de Manolo”, lembra Jorgela.

“Mafalda ficaria horrorizada com este governo argentino. Imagino-a levantando bandeiras acompanhando os aposentados nas marchas, defendendo avós e mães. Imagino-a indignada com o ‘uso da palavra Liberdade’ num governo que não aceita a diferença.”

Agustín Lecchi, secretário-geral do Sindicato de Imprensa de Buenos Aires, considera que a Argentina vive atualmente um dos piores momentos para a liberdade de expressão e o exercício do jornalismo.

“Prova disso são os ataques aos meios de comunicação e aos jornalistas, a censura aos meios de comunicação públicos e o ataque aos meios de comunicação comunitários, em particular o seu financiamento”, cita Agustín.

“Não tenho dúvidas de que o presidente Milei atacaria Mafalda e Quino como ataca a expressão popular, artística e jornalística. Recentemente, foi inclusive publicado um decreto contra a lei de acesso à informação pública, o que afeta diretamente o nosso trabalho e os direitos da população .

Inspiração

O personagem Quino também é referência para artistas e educadores brasileiros. A quadrinista May Solimar aprendeu com Mafalda que é possível expressar as reflexões mais complexas em uma linguagem simples e lúdica.

May lembra da personagem quando produz histórias em quadrinhos que tratam do combate ao machismo e ao racismo, bem como quando ilustra experiências de mulheres negras, mães solteiras.

“Mafalda é uma inspiração incrível. Um símbolo de ativismo. Ela atinge diversos públicos e fala como todos entendem. Ela mostra a arte como forma de conectar as pessoas com lutas importantes”, destaca May.

A professora e agente de turismo Taina Gonçalves também tem Mafalda como referência. Atualmente morando em Buenos Aires, trabalha como guia e conselheira, principalmente para brasileiros que vão estudar medicina na Argentina.

“Mafalda está sempre atualizada em suas dúvidas. Como educadora, utilizo as histórias em quadrinhos para ensinar meus alunos além do idioma. Ela me ajuda a incentivá-los como seres humanos”, afirma Taina.

“Mafalda nunca envelhece. No meio de crises e mudanças, é fundamental que continuemos a defender o direito de questionar, de expressar as nossas opiniões e de procurar um mundo mais justo. Não devemos perder a capacidade de nos indignarmos.”