A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) chega a um momento crítico nesta quinta-feira (19). Estudantes que ocupam a reitoria e os prédios da universidade há 55 dias em protesto contra mudanças nas regras de concessão de bolsas e auxílios estudantis enfrentam decisão judicial para deixar o local. A equipe da reitoria, instalada temporariamente em outro prédio da instituição, diz que não consegue mais conversar com os alunos e aguarda ação judicial.
Por ordem judicial, os estudantes tiveram que desocupar os prédios até as 13h desta quinta. Poucos minutos antes do término deste período, o reitor da Uerj, Gulnar Azevedo e Silva, conversou com o Agência Brasil. Passado o prazo, os estudantes acabaram mantendo a ocupação. A universidade tentou retirá-los, mas houve um confronto entre seguranças patrimoniais e estudantes e a universidade acabou recuando e dizendo que tomaria medidas legais.
Na entrevista, o reitor reafirmou o compromisso da universidade, que foi pioneira na política de cotas, com a assistência estudantil e disse que foram feitas alterações no auxílio que era emergencial e que a universidade não tem mais recursos para manter seu pagamento. “Esticamos ao máximo. Em julho não havia mais disponibilidade financeira para continuar com esse auxílio, que era emergencial”, afirmou.
Os estudantes dizem que foram pegos de surpresa e que têm recursos para pagar o aluguel e se alimentar. Sem eles, temem não conseguir continuar a estudar na universidade.
Gulnar Azevedo e Silva diz que pleiteia ao governo do estado mais recursos para a universidade e que a instituição discute assistência estudantil. “Queremos voltar a uma política de assistência estudantil que garanta tudo o que é necessário para permanecer na universidade, inclusive critérios acadêmicos”.
Os estudantes pedem a revogação do Ato Executivo da Decisão Administrativa 038/2024. Entre as principais mudanças estão os novos critérios para concessão do chamado Bolsa Apoio à Vulnerabilidade Social, de R$ 706. Agora, para recebê-lo é preciso ter renda familiar, por pessoa, bruta igual ou inferior a meio salário mínimo, em vigor no momento da concessão da bolsa. Com a mudança, segundo a Uerj, mais de mil alunos deixarão de receber o benefício.
Devido aos protestos estudantis, a reitoria estabeleceu uma regra de transição. Os alunos que ficarão cortados do benefício receberão um valor menor, de R$ 500, até dezembro. Passado esse período, Silva diz que a situação é incerta e depende de recursos.
Sobre a ocupação, o reitor afirma que o assunto está na Justiça. “Não é mais possível deixar os alunos que querem fazer aulas sem entrar na universidade, não é mais possível deixar os professores que não têm condições de lecionar, as atividades universitárias têm que acontecer”, argumenta. O campus Maracanã está sem aulas.
Leia os principais trechos da entrevista:
Agência Brasil – Já são 55 dias de ocupação. Estudantes dizem que a reitoria decidiu fazer cortes muito sensíveis. Por que você decidiu cortar o auxílio estudantil? Por que não é possível manter as antigas regras de benefícios?
Gulnar Azevedo e Silva – Este auxílio estudantil significa que teríamos que seguir o que foi dado durante a emergência sanitária da pandemia de covid-19, foi um auxílio dado nessa altura, um auxílio dado na condição de ter disponibilidade financeira. Nós nos esticamos o máximo possível. Em julho já não havia disponibilidade financeira para continuar com esta ajuda, que era emergencial. O que fizemos foi reajustar os critérios de concessão. Assim, os estudantes mais pobres, que recebem até meio salário mínimo per capita, continuaram a ganhar o mesmo valor. E aí na proposta de transição, que gerou uma reação enorme, conseguimos, depois de muito trabalho, junto com o governo, conseguir uma proposta de transição que pague R$ 500 e não R$ 700 para quem perderia o auxílio. Estamos falando de um total de 1.600 alunos que perderiam e 1.200 que continuam recebendo.
Agência Brasil – Esses 1.600 que perderiam a bolsa, vão começar a ganhar R$ 500 por quanto tempo?
Gulnar Azevedo e Silva – Até dezembro. É o orçamento que temos. No próximo ano, terá que ser planejado novamente e feito. Há um grupo grande que está trabalhando na política de assistência estudantil e veremos como isso continua. É sempre importante ressaltar que os cotistas não perderam nada.
Agência Brasil – A Uerj tem pedido mais recursos ao governo do estado, certo? A assistência estudantil é uma das prioridades no caso de uma reestruturação orçamental? Existe chance de a universidade retomar o pagamento das bolsas no próximo ano?
Gulnar Azevedo e Silva – Queremos retomar uma política de assistência estudantil que garanta tudo o que é necessário para permanecer na universidade, inclusive critérios acadêmicos.
Agência Brasil – Então, o bom desempenho acadêmico deveria se tornar um critério para receber uma bolsa?
Gulnar Azevedo e Silva – Também. Há um critério anterior que pensávamos ser um critério que precisava ser melhorado e provavelmente no próximo ano iremos introduzir isso. Mas a Uerj não tem só bolsas assistenciais, a Uerj tem diversas bolsas acadêmicas, mais de 6 mil bolsas acadêmicas que esses alunos podem até acumular. Quem recebe auxílio também pode acumular a bolsa acadêmica.
Agência Brasil – A Uerj tem um histórico de cuidado com os alunos. Foi a primeira universidade a ter uma política de cotas. Isso segue?
Gulnar Azevedo e Silva – Cuidamos muito de quem entra pela cota e o apoio à cota nunca deixou de acontecer. É a universidade que mais dá bolsas de estudo no Brasil.
Agência Brasil – Também senti decepção entre alunos e funcionários. Dizem que votaram em seu governo. Eles questionam por que cortar a ajuda e não outra coisa.
Gulnar Azevedo e Silva – Porque não temos recursos suficientes. Não temos autonomia financeira, dependemos do governo. Não podemos pagar tudo. No ano passado, tivemos um complemento de R$ 336 milhões. Este ano, o governo já avaliava uma diminuição pela redução da arrecadação e também pelo regime de recuperação fiscal. Então, não tivemos o mesmo recurso do ano passado.
Agência Brasil – A universidade recebeu recentemente algum suplemento?
Gulnar Azevedo e Silva – A universidade recebeu recentemente um complemento de R$ 150 milhões, que não é só para bolsas. Temos que garantir todas as outras atividades, inclusive o pagamento dos salários, que não atrasam e estão sendo pagos em dia. Temos que garantir limpeza, segurança, tudo isso é um gasto enorme. Não são só as malas.
Agência Brasil – Como você vê esse movimento estudantil e a ocupação? Por que a universidade decidiu buscar justiça?
Gulnar Azevedo e Silva – Porque já não é possível deixar os alunos que querem ter aulas sem entrar na universidade, já não é possível deixar os professores que não têm condições de lecionar. As atividades universitárias têm que acontecer. As perdas são enormes. Imagine como é uma universidade desse porte parada. Diariamente circulam neste prédio 23 mil estudantes, além do corpo técnico e administrativo. Isso não pode continuar. É uma minoria que está ocupando. Trabalhamos o tempo todo para conseguir negociar e não foi possível.
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