Comida, violência, máfia e prisão. Aqui estão os ingredientes para ”Estômago 2 – O Poderoso Chef”sequência do aclamado filme de 2008 que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 29. Na história, a cozinheira Raimundo Nonato (João Miguel), também conhecido como Alecrim, está de volta.
Como era de se esperar, ”Estômago 2” continua cumprindo pena pelos crimes cometidos no primeiro filme e segue usando seus talentos culinários como forma de escalar (e sobreviver) na prisão. No início da trama, ele atua como uma espécie de “personal chef” tanto do líder dos criminosos, Etecétera (Paulo Miklos), quanto do diretor do presídio (Marco Zenni).
Um dia, um ilustre preso chega à penitenciária: Don Caroglio, personagem interpretado pelo ator ítalo-brasileiro Nicola Siri. O mafioso italiano é filho de Leonor (Marisa Laurito), dona de um restaurante brasileiro no sul da Itália, e é tão apaixonado por culinária quanto o personagem de João Miguel.
Nesta sequência, que é uma coprodução entre Brasil e Itália, Caroglio (Siri) recebe o mesmo status de protagonista de Nonato – e grande parte do roteiro é ocupada em contar a história do italiano. Falado em dois idiomas (três, se contarmos um breve diálogo em francês), o filme teve cenas filmadas em Curitiba (PR) e nas cidades italianas de Roma e Lácio.
Assim como no primeiro filme, a comida continua sendo um elemento central da trama. O diretor Marcos Jorge, que também escreveu o roteiro ao lado de Bernardo Rennó e Lusa Silvestre – colunista do Estadão -, escolheu pessoalmente as receitas que fariam parte do novo filme. E coube à chef e food stylist paranaense Karen Cunha dar vida aos pratos que aparecem no palco.
Com 15 anos de experiência no mercado publicitário, este foi seu primeiro desafio no cinema. Diferentemente das propagandas, onde tudo deve estar lindo e perfeito, na preparação de um longa-metragem que, na maioria das vezes, se passa em uma penitenciária, os desafios são outros.
“O roteiro deixava bem claro quais pratos deveriam ser incluídos em cada cena, mas o desafio era criar cada receita para que ficasse apetitosa na tela, mesmo naquele ambiente inóspito e cercado de violência”, conta.
Por se tratar de uma coprodução Brasil e Itália, a maior parte dos pratos é à base de massas. O diretor ainda estudou cinema na Itália e adora cozinhar, contribuiu com uma das receitas do filme: espaguete servido com ouriço – típico da Sicília -, que ganha um toque de brasilidade com tucupi e flor de jambu, que amortecem a língua. A receita também aparece no lado brasileiro da história – sem maiores detalhes para evitar spoilers.
Doze pratos de tortellini
Karen foi a responsável por “coreografar” os atores na cena de abertura do filme, em que os presos liderados por Nonato (Miguel) preparam tortellini recheado com lombo de porco, presunto cru e mortadela, servido com ragu de carne bovina. A cena, que poderia ser chamada de “o pesadelo da Vigilância Sanitária”, é uma sátira à abertura da série documental Mesa do Chef (Netflix), em que cada episódio aborda a trajetória de um chef estrelado.
A cena foi filmada na cozinha de uma boate desativada em Curitiba (PR) e contou com “figurantes” ilustres: uma mosca e um rato que perambulavam pelos preparativos. “Toda a comida dessas cenas foi descartada”, ressalta Karen. Na verdade, essa foi a exceção no filme, pois a comida servida na tela era de verdade – os atores comiam de verdade.
A maior parte das cenas que acontecem no presídio foi filmada em uma ala ainda não inaugurada da Penitenciária de Piraquara, cidade do interior do Paraná que fica a cerca de 30 quilômetros de Curitiba (PR). Lá, Karen e sua equipe tiveram que cozinhar e terminar a louça em uma barraca montada ao lado do cenário.
Na cena em que os internos jogam futebol, a icônica coxinha – sucesso do primeiro filme – é servida por Nonato (Miguel). E, para fritá-los, Karen teve que dividir a cozinha com os internos que cumpriam pena na instituição. “Havia um clima muito pesado no ar. Muitos deles compartilharam conosco suas histórias, os motivos pelos quais foram presos. E isso, sem dúvida, tornou a experiência ainda mais visceral”, afirma.
Ao longo das filmagens, que aconteceram em 2022, ocorreram diversos episódios curiosos de bastidores. Em uma das cenas, Etecétera (Miklos) aparece saboreando um dos pratos de tortellini preparados no início do filme. Karen revela que, na época, a sequência teve que ser gravada inúmeras vezes e de vários ângulos. Com isso, o ator e músico teve que comer nada menos que doze pratos (você não leu errado!) de macarrão recheado no mesmo dia.
A cada tomada, Karen esquentava o tortellini para que Miklos tivesse a melhor experiência, mesmo com aquele excesso de comida. “Ele (Miklos) foi imensamente generoso e nunca reclamou”, elogia o food stylist.
Outro episódio envolve a cena em que o personagem Miklos aparece preparando o bauru do Ponto Chic, com rosbife, mix de queijos processados, tomate e pepino em conserva, no pão francês. Para a cena, o ator e músico esteve na cozinha de Karen para praticar os passos do preparo do lanche. “Na época, ele fez certo”, elogia ela.
O banquete ”kitsch”
Outra cena marcante do filme é o banquete que Nonato (Miguel) prepara para receber o mafioso italiano (Siri). Com a ajuda da direção de arte, formada pela dupla Fabíola Bonofiglio e Massimo Santomarco (premiado pelo filme no Festival de Gramado deste ano), Karen montou uma mesa bem “kitsch”, com comidas um tanto bregas, como canudos de maionese e “sacanagem”. ” (aqueles palitinhos de queijo e frios enfiados numa fruta, ícone dos anos 1980).
Mas o que chama a atenção é uma porchetta gigantesca, que pesava cerca de 10 kg, acompanhada de uma cabeça de porco. “O Marcos (Jorge, diretor) me pediu o maior que conseguisse. Para conseguir esse tamanho tive que costurar vários porquinhos”, lembra. O diretor teria gostado tanto do resultado que pediu a Karen que congelasse a carne para outra cena do filme que ele filmaria em algumas semanas.
Naquele amontoado de comidas do cenário do banquete, destacava-se o rigatoni alla norma, macarrão curto servido com molho de tomate e berinjela frita – um clássico da culinária italiana. Siri adorou o prato, mas também teve que repetir a cena algumas vezes. Ou seja, tiveram que comer sete pratos de macarrão para ele. “Ele foi muito querido com a nossa equipe, mas pediu para colocar o mínimo possível no prato, para poder fazer as tomadas”, conta Karen.
Embora Estômago 2 tenha sido sua estreia no cinema, Karen também atuou como food stylist de Traição entre Amigas, longa-metragem de Bruno Barreto baseado na obra de Thalita Rebouças. Protagonizada pelas atrizes Larissa Manoela e Giovanna Rispoli, a trama central do filme não envolve comida. “Nesse caso foram apenas três dias, para algumas cenas específicas”, conta Karen.
Depois das experiências, a chef e food stylist pretende continuar aliando o trabalho à publicidade e ao cinema. “No mercado cinematográfico geralmente é a direção de arte que faz a comida. Ainda há poucas oportunidades para chefs, mas é um mercado potencial”, acredita Karen.
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