Quem já sonhou em ver Caetano Veloso e Maria Bethânia juntos, em turnê de arena, como astros do rock, apresentando um extenso repertório com a soma de seus sucessos e clássicos… cuidado com o que deseja, pois “Caetano & Bethânia”, o show que estreou na noite de sábado na Arena Farmasi, no Rio, é exatamente isso.
Ao longo de duas horas de apresentação, os irmãos (Caetano) de 81 anos e 78 anos mostraram vitalidade e vontade de agradar um vasto público (13 mil pessoas na noite) com um repertório que reunia tudo. você poderia querer deles, além de algumas (mas boas) surpresas e a percepção de que não restam muitos artistas capazes de fazer o que fazem.
O estande de merchandising (com camisetas e canecas da turnê, quase como relíquias de Aparecida do Norte), a pista de dança livre de mesas, os fãs reunidos cedo em frente ao palco, a discoteca animada, tudo isso ajudou a ambientar o clima da noite. em uma arena que antecedeu os primeiros acordes do show.
Finalmente, às 22h19, com a banda no palco e luzes apagadas, a bombástica abertura de “Alegria, alegria” começou a desfazer o grande mistério de “Caetano & Bethânia”: convergir para a frente do palco a partir das rampas projetadas da diretora Bia Lessa, os irmãos, ambos vestidos de veludo, embora de cores diferentes, juntaram vozes no hino tropicalista de Caetano e foram recebidos como os Beatles no Shea Stadium: com o público cantando em volume tão alto que, para quem está na frente , o som das estrelas, vindo dos alto-falantes, parecia baixo.
Com a dinâmica tradicional dos irmãos (Bethânia mais teatral e Caetano em busca de pontuações musicais e poéticas), o espetáculo continuou, sem pausas, através de “Os mais doce bárbaros”, “Gente”, “Oração ao tempo” (da qual o regulado), “Motriz” e um “Objeto Não Identificado” que foi muito aplaudido. A banda, formada sob a direção musical conjunta dos braços direitos de Caetano (guitarrista Lucas Nunes) e Bethânia (baixista Jorge Helder), deu às músicas de abertura do show um ar mais grandiloquente, acelerado, que aos poucos se diversificou e abriu espaço para algumas delícias musicais.
Foi o caso da parte mais baiana e africana do espetáculo, com “Milagres do Povo” e (“Este é o Gil!”, avisou Caetano) “Filhos de Ghandi”, à qual participaram a secção de sopros de Diogo Gomes, Joana Queiroz e Marlon Sette deu um sabor muito especial. A mesma impressão de que havia sido criada uma alquimia musical foi dada na dupla “Um Índio” e “Cajuína”, a partir da qual o show adquiriu uma leveza maior, permitindo que Caetano finalmente pegasse um violão para cantar, sem a irmã, a sua hit “Sozinho”, de Peninha.
A opção de entregar ao público suas músicas mais populares em uma bandeja, em momentos solo, acabou rendendo alguns dos melhores momentos de “Caetano & Bethânia”. No caso da cantora, com um delicioso “Leãozinho”, em Ijexá, e um “Você é linda” que era pura radiofonia. Quanto a Bethânia, foi com “Brincar de viver”, “Explode Coração”, “Negue” e “As músicas que você faz pra me”, em que explodiu de emoção comovente emoldurada por instrumentos de sopro e backing vocals.
De volta ao show da dupla, num palco onde as telas foram utilizadas com sobriedade e bom gosto, sem grandes invenções, Caetano e Bethânia percorreram sambas de temática mangueirense e chegaram à esperada homenagem à amiga Gal Costa, com “Baby” e “Vaca profana” (do verso “Quero que você pinte um amor Bethânia”, que Maria cantou rindo). Outro grande momento do espetáculo veio logo depois, com “O queres”, uma daquelas odisséias poéticas de Caetano que foi um prazer ver Bethânia viajar, junto com o irmão, até o fim.
Iza e Kléber Lucas
A maior surpresa de “Caetano & Bethânia” veio a seguir: os dois defendendo firmemente “Fé”, hit da cantora Iza (“fé para enfrentar esses filhos da puta!” – foi lindo vê-los cantar esses versos). Um curioso contraponto à corajosa decisão de Caetano de brigar, na parte solo de seu show, pouco antes, pelo louvor “Deus cuida de mim”, do pastor Kleber Lucas. Mesmo com o argumento de que hoje muitos brasileiros são evangélicos, mesmo já tendo gravado a música com Kleber… a verdade é que ela ficou deslocada no show.
Inevitável e indispensável, do repertório comum de Caetano e Bethânia, o delicioso samba baiano “Reconvexo” foi o número sabiamente escolhido para o show começar a se despedir. Mas também, como terminar um espetáculo como esse, com tantas emoções e histórias? A solução encontrada foi boa: logo após “Reconvexo”, um “Tudo de novo” (música escrita por Caetano para seu primeiro show em dupla com a irmã, em 1978), uma saída rápida do palco e um retorno, com o banda balançando com “Odara”, para as verdadeiras despedidas.
Ainda, não houve. E ele nem precisava.
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