Osgood Perkins tinha 18 anos quando um segredo de família abalou o seu mundo. Seu pai acabara de morrer de pneumonia relacionada à AIDS, diagnosticada dois anos antes.
Era 1992 e Anthony Perkins seria para sempre lembrado como Norman Bates de “Psicose”, um mito do terror. Mas agora sua mãe tinha que explicar aos filhos um segredo que era difícil de conciliar com a vida familiar padrão dos filmes de Hollywood da época: seu pai era homossexual.
Os fantasmas pessoais do diretor alimentam hoje o quarto longa-metragem de Osgood Perkins, “Pernas Longas – Vínculo Mortal”, que chega aos cinemas brasileiros em 29 de agosto.
A trama do filme gira em torno da investigação de uma série de assassinatos de crianças perpetrados por um maníaco, interpretado por Nicolas Cage. Mas os terrores que Perkins desenha na verdade escondem a sua própria história de segredos.
— O centro emocional é um conceito que entendi bem: uma mãe que inventa uma mentira muito elaborada porque acredita estar protegendo a sua família e o mundo — diz o cineasta, em entrevista ao El País.
É a fala de alguém que trabalhou para curar aquelas mentiras construídas pelo amor que explodiram na sua cara aos 18 anos. Naquela época, ele teve que conciliar o fato de viver em outra realidade.
— Nossos pais podem definir o que querem que sejamos. Você pode dizer às crianças o que quiser para que elas vejam o mundo de uma maneira. Essa confusão me encanta.
Também não é coincidência, por exemplo, que “Longlegs” se passe em 1993, um ano após seu trauma, com uma cena de Bill Clinton assistindo a tudo em diversas sequências do filme. Entre espíritos e possessão demoníaca, é comum no cinema de Perkins encontrar adolescentes traumatizados, famílias desestruturadas pela morte e figuras paternas com um passado misterioso, mas esta, reconhece, é a sua obra mais pessoal.
— Cada vez mais será assim. Estou mais relaxado e aberto. Quanto mais você se abre, mais você entende o universo e a si mesmo. Quanto mais confiança você tiver, mais acessíveis se tornarão seus traumas — isso fala de uma introspecção que só pode ser compreendida conhecendo sua história real.
Seu trauma pessoal vai de 1992 a 2001, quando sua mãe, a fotógrafa e modelo Berry Berenson, morreu em um dos aviões que caíram nas Torres Gêmeas em 11 de setembro.
— Demorei muito para começar a fazer filmes e me expressar porque minha conexão com a realidade se perdeu. Todos ao redor do meu pai sabiam o que estava acontecendo. Mas quando a notícia foi divulgada, não combinava com a linguagem da nossa família, então eles a minimizaram. Eu me perguntei, se isso era obviamente verdade, por que não foi aceito? Foi tratado como uma doença, como algo ruim. Aprendi que a verdade não deve ser dita e isso coloca você em uma situação estranha. Perdi minha sensibilidade e essa lição me colocou na defensiva. Sua negação da homossexualidade me fez não entender a realidade. Não sabia lidar com a verdade, você não acredita em nada — lembra ele.
A história de sua família tinha ainda mais camadas. Ao longo dos anos, as biografias confirmaram as relações de Anthony Perkins com atores como Tab Hunter ou Groover Dale, e que, antes de se casar em 1973, participou em terapias de conversão pseudo-heterossexuais que incluíam eletrochoque. Sua família sempre teve a certeza de que ele havia sido fiel ao seu compromisso. Em 2016, Osgood dedicou à sua memória o filme “O Último Capítulo”, sobre uma enfermeira que tenta compreender o passado da mulher de quem cuida. O filme também traz seu pai em um trecho de “Sublime Temptation”, com uma música com sua voz. Lá, ele lidou com seu desejo de ter conhecido melhor o pai. Agora, com “Longlegs”, é a vez da relação materna.
Estreia em ‘Psicose 3’
Superficialmente, “Longlegs” é uma nova reviravolta no estilo “Silêncio dos Inocentes” ou “Se7en”: um drama policial em que uma agente do FBI (Maika Monroe, de “It Follows”) deve encontrar o assassino que leva vários pais a cometerem parricídios. Nas sombras espreita Nicolas Cage, histrionicamente caracterizado, que, como Hannibal Lecter, ocupa apenas alguns minutos de tela para criar maior tensão. O filme custou menos de US$ 10 milhões e já arrecadou mais de US$ 60 milhões nos EUA: é o mais rentável da história da produtora independente Neon.
— Acho que o ponto chave foi vender um tema reconhecível, um serial killer, para descobrir algo mais estranho, pessoal e visualmente ousado. Alguns triunfos recentes do terror porque oferecem algo inesperado ao público. Estamos rodeados de lugares-comuns, e “Fale Comigo”, “Bárbaro” ou “Hereditário” parecem demonstrar que temos fome de novas perspectivas — explica o realizador, muito crítico do cinema e das séries da Netflix, das sequências de terror e da explosão de verdadeiros crime, que ele admite não consumir.
Essa paixão pelo terror, porém, não é algo que ele absorveu em casa com o pai, que esteve ausente grande parte da adolescência e não levou os negócios da família para casa.
— Não tive tempo de conhecê-lo. “Psicose” era uma história antiga para mim. No tempo que compartilhamos, ele foi relegado a filmes muito ruins. Eu me perguntei: o que é toda essa porcaria? Então, eu tinha sentimentos conflitantes sobre o terror e o que meu pai fazia, embora aquela brincadeira quase pornográfica que ele dirigiu em ‘Psicose III’ também tenha me inspirado.
O que ele compartilhou com o pai foi sua perturbadora estreia no cinema, aos seis anos, em “Psicose II”. Era o jovem Norman Bates, por meio de quem aprendemos sobre os anos de abuso que moldaram a personalidade do psicopata. Quando ele decidiu que atuar não era para ele?
— Na verdade, é o contrário. Quando adolescente, fiz filmes com amigos, imitámos Kubrick ou Tim Burton, mas depois a vida deu-me um golpe e perdi-me. Atuar era o que eu sabia e precisava fazer alguma coisa… então tentei por um tempo. Fiquei perdido e magoado com o que aconteceu, mas nunca acreditei em mim mesmo como ator — explica o cineasta, que também foi o tímido Dave em “Legalmente Loira”. — Foi com quase trinta anos que acordei e pensei: a vida era dura, estranha, traumática e dramática, havia muita dor e dificuldades, mas o que eu gostaria de fazer quando tivesse 17 anos? Eu deveria tentar novamente. Escrevi meu primeiro roteiro aos 38 anos, “O Enviado do Mal”. Funcionou muito bem e não olhei para trás.
Ele também apareceu em filmes recentes como “No! Don’t Look!”, de Jordan Peele.
Tudo sempre acaba na família. Em “Longlegs”, sua filha tem um pequeno papel, e seu irmão, Elvis Perkins, compõe a música. Hollywood é o que ele conhece, e o seu cinema também fala de cinema. Em conversa, a protagonista do filme conta que, quando pequena, queria ser atriz, mas conclui que os atores mirins acabam mal. “Ser ator mima as crianças, isso é indiscutível”, exclama o diretor, cujo elenco inclui estrelas infantis como Kiernan Shipka (a garota de “Mad Men”) e Alicia Witt (atriz mirim de “Dune” e “Twin Peaks”).
Além disso, embora o personagem de Nicolas Cage baseie sua aparência em diversos astros do rock, não é difícil perceber Michael Jackson em sua voz, sua maquiagem branca e como ele usa seus pais como cúmplices. O diretor não havia pensado na semelhança.
— O bonito de fazer filmes é que você projeta o seu sonho e depois o deixa pertencer aos outros. Eu nunca pensei sobre isso. Mas isso faz sentido? Totalmente, eu concordo.
Perkins só elogia Cage, que assinou como produtor depois de ler o roteiro. Junto com ele, desenhou seus maneirismos e movimentos. O ator não se reuniu com o restante do elenco para que, quando aparecesse pela primeira vez, a resposta à sua caracterização, também escondida no material promocional, fosse real.
Mas o sucesso de tal proposta também traz opiniões controversas. Como a do diretor Paul Schrader em seu Facebook, que relembrou como fazia charadas com os pais em casa e depois concluiu que, apesar de achar Osgood talentoso, não aprova que ele fique preso no “gueto do terror (…) Por que os cineastas independentes só recebem financiamento por medo? Perkins não gosta dessa expressão.
— Implica que o terror é algo menor e que tudo está dito. Mas há um apetite. Existem filmes bobos, mas o terror é sobre o infinito, sobre a curiosidade em torno dos grandes mistérios da existência, sobre aquilo que não podemos tocar nem responder. Não há jardim mais fértil.
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